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Três inspectores da PJ acusados de falsearem declarações e provas para incriminar Paulo Rocha na morte de Zezito Denti d’Oru
Sociedade

Três inspectores da PJ acusados de falsearem declarações e provas para incriminar Paulo Rocha na morte de Zezito Denti d’Oru

O Ministério Público acaba de deduzir acusação contra três inspectores da Polícia Judiciária, André Semedo, Gerson Lima e Jandir Reis, por inserção de falsidade em documento público, violação do segredo de justiça e declarações falsas prestadas ao procurador Ary Varela de modo a incriminar, entre os demais agentes da judiciária, o então director adjunto da PJ e actual ministro da Administração Interna, Paulo Rocha, na morte violenta de Zezito Denti d’Oru, suposto assassino a soldo de barões da droga. O processo contra Ary Varela, que liderou essa investigação até incluir Rocha entre os suspeitos, foi arquivado.

Os inspectores da Polícia Judiciária, Gerson Lima, André Semedo e Jandir Reis vão ser julgados por um tribunal singular por supostamente terem falseado declarações e provas que acabariam por colocar o actual ministro Paulo Rocha e então Director nacional adjunto da PJ no topo da operação que exterminou a tiros de metralhadora o cidadão Zezito Denti d’Oru, em Outubro de 2014, no bairro da Cidadela.

O procurador da República Nilton Moniz, do Departamento Central de Acção Penal, acaba de deduzir acusação contra os três inspectores, que vão aguardar julgamento em liberdade.

Na acusação, Moniz afirma que todos eles tiveram vontade e trabalharam “em comunhão de esforços” para incriminarem “as testemunhas Paulo Rocha, César Lopes, Mário de Pina e Anilton Gonçalves”, todos elementos da PJ.

De acordo com o despacho de acusação  nº08/2022/2023 de 17 de Maio, a que Santiago Magazine teve acesso, o inspector Gerson Lima, que fora ouvido como testemunha no da 2 de Julho de 2021 pelo procurador Ary Varela, acabou por dar o dito pelo não dito numa segunda inquirição, a 25 de Janeiro de 2022, já sob a responsabilidade do procurador Nilton Moniz, chamado precisamente para substituir Ary Varela na investigação, depois de este ter sido afastado do processo, alvo de buscas no seu gabinete e residência e constituído arguido numa altura em que o nome de Paulo Rocha figurava como um dos suspeitos - as provas por ele reunidas terão sido destruídas.

Esse processo – investigação à morte de Zezito Denti d’Oru – foi arquivado (sob alegação de legítima defesa) em Outubro do ano passado por Nilton Moniz, ilibando todos os elementos do Grupo de Operações Tácticas (GOT) da PJ que armaram a emboscada na Cidadela, para, acto contínuo, abrir um novo processo contra os três inspectores que agora foram formalmente acusados de adulterar dados de forma propositada para incriminar o ministro Paulo Rocha e outros seus colegas da Judiciária. 

O volte-face de Gerson Lima

Por exemplo, anota o despacho, Gerson Lima, que havia contado ao procurador Ary Varela que foi Paulo Rocha quem criou e liderou o GOT, seis meses depois – já com um processo levantado contra si por envolvimento com o narcotráfico – viria a negar perante Moniz que tenha feito tais declarações, acusando Varela de “inserir declarações que não verbalizou”.

Lima também negaria nesse segundo interrogatório dirigido por Moniz, que nunca disse ao procurador Ary Varela que Paulo Rocha tinha "delineado um plano para matar Zezito, mas sim que foi ele, Gerson Lima, que levou para a equipa a informação de que haviam mais pessoas que constavam de uma lista para serem executadas, nomeadamente o Paulo Rocha, Carlos Almada, o então PGR, Júlio Martins, etc. por ordem dos arguidos da Lancha Voadora”.

Gerson Lima também voltou atrás em relação ao depoimento feito em 2021 ao procurador Ary Varela de que durante a reunião de montagem da operação Cidadela, “o Paulo Rocha ordenou ao César Lopes para providenciar uma arma de fogo calibre grande Makarov para a encenação do crime”, explicando então que “numa ocasião fora do âmbito das reuniões que se realizavam naquela altura na PJ, ao passar no corredor ouviu o Paulo Rocha a dizer ao César Lopes as seguintes expressões: ‘nho nhu ta priokupa ku keston di arma’, sem qualquer alusão a nenhuma investigação ou operação em concreto”, razão pela qual, continua Lima, ele e Ary Varela concluíram que a arma Makarov foi implantada no local do crime.

O mesmo inspector negou também que disse no primeiro interrogatório que o Paulo Rocha encontrava-se no local da abordagem a Zezito Denti d’Oru, e sim que “ouviu o Paulo Rocha a dizer via rádio as seguintes expressões ‘alé viatura ta aproxima, pripara, aborda!’”. Por tudo isso, o representante do MP titular do processo, Nilton Moniz, considera falsas as declarações prestadas pelo inspector ao procurador Ary Varela.

Declarações negociadas?

O problema é que dois meses depois de ser interrogado por Nilton Moniz e de ter negado as declarações feitas a Ary Varela, o próprio Gerson Lima, no dia 3 de Março de 2022, solicitou a junção aos autos de uma conversa tida por telefone com o inspector Natalino Correia em que supostamente negoceiam que declarações deverá prestar ao Ministério Público em troca do arquivamento de um processo crime em que ele, Lima, é arguido por envolvimento com o narcotráfico, e ainda de um processo de disciplinar que lhe foi movido em Julho de 2021.

E no dia 4 de Março, um dia depois de pedir a anexação da sua conversa com Natalino Correia aos autos, Gerson Lima faz chegar ao presidente da República, presidente da Assembleia Nacional, Primeiro-ministro, Ministra da Justiça e Provedor de Justiça documentos onde revela por exemplo: “outro motivo é que o referido inspector constitui uma testemunha fiel, honesta e verdadeira sobre as circunstâncias do linchamento de Zezito Denti d’Oru, numa operação superiormente planeada, dirigida e comandada pelo então director nacional adjunto da PJ, sr. Paulo Rocha, actual ministro da Administração Interna”.

Ora, para o MP, “ao revelar estes factos para o PR, PAN, PM, MJ e Provedor da Justiça, pessoas estranhas ao processo, o arguido violou o segredo de Justiça". Mas aqui a acusação não diz se ele negou o envio dos documentos a essas entidades ou se desmentiu essas mesmas informações partilhadas com o chefe de Estado ou com o chefe do Governo.

Seja como for, Gerson Lima vai responder perante o Tribunal por autoria material de um crime de falsidade por parte de interveniente em acto processual e um crime de violação do segredo de justiça.

André Semedo

O inspector-chefe André Semedo, por sua vez, está acusado de um crime de inserção de falsidade em documento público e outro por prevaricação de funcionário público. Segundo a acusação, no dia 1 de Outubro de 2021 André Semedo, em resposta a uma solicitação do procurador Ary Varela de 27 de Setembro de 2021, informou por exemplo que “participaram na Operação realizada no bairro Cidadela, em 13 de Outubro de 2014, que resultou na morte violenta de do cidadão Zezito Denti d’Oru, os seguintes funcionários: Paulo Rocha – director nacional adjunto da PJ na altura dos factos; Adérito Moreno – inspector-chefe da Secção de Investigação de crimes contra pessoas, na altura dos factos Chefe de Brigada de Homicídios; João Vieira Vaz – inspector e chefe operacional do GOT; César Lopes – inspector-chefe e chefe operacional do GOT; inspectores Airton André Corsino, Carlos Fernandes, Ricardo Cruz, Woswaldo Fernandes, Mário César de Pina, José Andrade, Anilton Gonçalves e Alexandre Moreno, todos elementos pertencentes ao GOT. O GOT era dirigido a nível nacional pelo DN Adjunto na altura, Paulo Rocha, segundo despacho exarado pelo senhor Carlos Alexandre Reis, então DN da PJ. Foi criado especificamente para essa missão”.

A acusação refere que nessa data, 1 de Outubro de 2021, Ary Varela já não era titular deste processo, na medida em que passou para a secção de crimes económico-financeiros. “Entretanto, mesmo assim, o procurador Ary Varela ordenou a juntada aos autos do referido ofício”, lê-se no despacho de acusação, sublinhando ainda que esse mesmo ofício assinado por André Semedo, “contém no seu conteúdo informações falsas e factos falsos”.

“Primeiramente, o arguido André Semedo, à data da morte do cidadão Zezito Denti d’Oru se encontrava colocado no departamento da PJ no Mindelo na qualidade de director, tendo sido transferido para Praia em Dezembro de 2014., por conseguinte não tinha conhecimento pessoal dos factos”, argumenta Moniz, para mais à frente afirmar que, de acordo com provas testemunhais e documentais, Paulo Rocha, César Lopes, Mário César de Pina e Anilton Gonçalves não participaram dessa operação em Cidadela. Quem estava lá? Adérito Moreno, João Vaz, Airton Corsino, Carlos Fernandes, Ricardo Cruz, Wosvaldo Fernandes, José Andrade e Alexandre Lopes, diz o MP, identificando quatro destes inpectores agentes como os atiradores que ceifaram Zezito Dent d'Oru.

Quebra de custódia da prova

O inspector Jandir Reis era responsável pela sala de preservação e conservação de vestígios do Laboratório da PJ desde 2019. De acordo com o MP, no dia 8 de Fevereiro de 2022 quando elementos da PJ foram recolher provas para serem enviadas a exames em Portugal “constatou-se  uma quebra relevante na cadeia de custódia de provas, que prejudicaram a fiabilidade do resultado do exame pericial pretendido”, mexidas essas que terão ocorrido nos dias 1, 2 e 28 de Dezembro de 2021.

Isto porque um envelope onde estavam vestígios recolhidos no homicídio da Cidadela apresentava várias perfurações de agrafador, o que, para o MP, foi aberto diversas vezes por Jandir Reis a pedido do Coordenador Superior de Investigação Criminal, André Semedo, que na altura era Director Central de Investigação Criminal. Dos Reis é, por isso, acusado e vai responder perante o tribunal, por um crime de prevaricação de funcionário.

O procurador Ary Varela, que pediu a sua constituição como arguido e se remeteu ao silêncio, vê o seu processo arquivado, porque, segundo o MP, as acusações que pendiam contra si de que teria introduzido falsas declarações nos autos de inquirição não serão reais, na medida em que seria Gerson Lima a prestar informações inverosímeis. “Não parece ser crível que um inspector da PJ com cerca de 20 anos de serviço assine um auto de declarações sem ler o seu conteúdo”, conclui Nilton Moniz, que manda arquivar o processo contra Varela por falta de provas suficientes.

Recorde-se também que depois de Nilton Monz mandar arquivar o processo de investigação à morte de Cidadela, os familiares do malogrado Zezito, tido pela PJ como assassino a soldo e então suspeito de assassinar a mãe de uma inspectora da Judiciária em 2013, decidiram constituir uma equipa de advogados para reabrir o processo, pedindo de imediato uma ACP, à luz do artigo 325º do código do Processo Penal, e na qual além dos elementos da PJ que estiveram na cena do “crime”, consta o nome de Paulo Rocha, como arguido.

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine