A Procuradoria da República da Praia está a investigar o actual ministro da Administração Interna e ex-director Da Polícia Judiciária, Paulo Rocha - e outros elementos da PJ -, por alegado envolvimento, em circunstâncias pouco claras, no “homicídio agravado” de Zezito Denti d’Oru, tido como o autor material do assassinato, a sangue frio, da mãe da inspectora, Kátia Tavares, em 2014, supostamente a mando de Paulo Pereira, principal elemento do grupo de narcotráfico condenado no âmbito do processo Lancha Voadora.
Nos Autos de Instrução nº 6379/2015, com data de 21 de Agosto deste ano, a Procuadoria da República da Praia, informa que “investiga-se factos susceptíveis de integrar a prática, entre outros, de um crime de homicídio agravado, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 122º e 123º do Código do Processo Penal (...), com pena de 15 a 25 anos, contra o ofendido José Lopes Cabral (Zezito Denti d’Oru), em concurso com um crime de tortura e tratamentos cruéis e desumanos, previsto e punido pelos artigos 162º do CPP, punido com pena de prisão de 5 a 12 anos, contra o ofendido António Furtado Tavares, em que estão fortemente indiciados os suspeitos «elementos da PJ»”.
E entre esses “elementos da PJ” está o actual ministro da Administração Interna, Paulo Rocha, que na altura da ocorrência dos “disparos com arma de guerra” que mataram Zezito Denti d’Oru, no dia 13 de Outubro de 2014, na Cidadela, era director nacional adjunto da Judiciária e, de acordo com as evidências, estava nesse dia como operacional na cena do crime - um caso, de resto, já trazido por este jornal através de artigos de opinião de dois ex-policiais de alta patente, Manuel Alves e Elias Silva.
Quem o confirmou, conforme documentos de investigação criminal aos quais Santiago Magazine teve acesso, foi o director Central de Investigação Criminal da PJ, André Semedo, numa nota de 30 de Setembro de 2021 a reagir a um pedido de informação solicitado uma semana antes (21 de Agosto de 2021) pela Procuradoria da República da Praia que, entre outros assuntos, queria saber o nome de todos os elementos da Polícia Judiciária que participaram na operação em Cidadela.
“Participaram na operação realizada no bairro de Cidadela, em 13 de Outubro de 2014, que resultou na morte violenta do cidadão José Lopes Cabral, mais conhecido por Zezito denti d'Oru, os seguintes funcionários: Paulo Rocha - Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária na altura dos factos e os elementos do Grupo de Operações Táticas (ndr omitimos os nomes por não serem figuras públicas, mas sim operacionais sob ordens superiores). O GOT era dirigido a nivel nacional pelo Diretor Nacional Adjunto, na altura, Paulo Dias Rocha, segundo o despacho exarado pelo senhor Carlos Alexandre Reis, então Diretor Nacional. Foi criado especificamente para aquela missão”, esclareceu André Semedo na referida nota, acrescentando que, durante a operação, “uma arma de guerra de fabrico Russo/soviética, marca Kalashnikov, tipo espingarda de cano longo, calibre 12 mm e uma outra de marca desconhecida, calibre 9 mm, provavelmente uma GLOCK LT, arma utilizada pelo GOT”.
No processo de investigação criminal que decorre no Ministério Público também não ficaram claras as circunstâncias como Zezito foi assassinado, pelo o Ministério Público, num auto com data de 24 de Agosto solicita à médica-legista que efectuou a autópsia da vítima para esclarecer por exemplo se as lesões detectadas no corpo do falecido teriam determinado a sua morte no local do crime.
Em resposta, no dia 10 de Setembro passado, a médica legista Ineida Vaz Cabral explicou que “a morte de José Lopes Cabral foi devida a lesões traumáticas torácicas e traumatismo crânio-encefálico severo complicadas com choque hipovolêmico. Estas lesões traumáticas constituem causa adequada de morte. Tal quadro constitui causa de morte violenta (homicídio). Estas e as restantes lesões traumáticas denotam haver sido produzidas por instrumento de natureza contuso e perfurante ou actuando como tal”.
Contradições
O Relatório intercalar da PJ sobre a emboscada de 13 de Outubro de 2014 que resultou na morte de Zezito denti d’Oru, assinado pelo Inspetor Natalino Correia, diz que essa operação decorreu da “investigação dos factos relacionados com a morte de lsabel Moreira, mãe da referida Coordenadora; o José Lopes Cabral resistiu às ordens legítimas dos elementos desta Polícia envolvidos na operação, e que consistia em abandonar a viatura de braços levantados e mãos ao ar. Ao invés disso, sacou uma arma de marca Makarov, de calibre 9 mm e, na tentativa de alvejar aqueles profissionais, apesar de vários tiros de advertência para o ar, não se rendeu, acabando por ser atingido a tiro por operacionais desta Polícia, que o socorreram, logo de seguida, para o Banco de Urgência HAN onde viria a falecer momentos depois. E de realçar ainda que a vítima vinha sendo seguido por elementos desta Policia, desde o dia 18 de Setembro de 2014, altura em que entrou no país, via São Vicente, num voo proveniente de Roterdão”, escreveu Natalino Correia, que descreve Zezito denti d’Oru como um indivíduo criminoso que já esteve preso em Portugal por diversos crimes e que estava indiciado por homicídio de Domingos Moreira (Banda), ocorrido em 2008.
A PJ afirma que Zezito denti d'Oru é o autor material dos disparos que mataram Isabel Moreira, a mãe da inspectora Kátia Tavares, à porta da sua residência em Calabaceira. Mas, nos autos do MP, lê-se que Zezito chegou ao país, vindo da Holanda, no dia 18 de Setembro, ou seja, um dia após o homicídio de lsabel Moreira. Numa nota enviada à Procuradoria da Praia no dia 8 de Dezembro de 2015, o então director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o actual director nacional da PN, Emanuel Estaline, informava o seguinte: “nada consta das nossas bases de dados no que toca a entradas e saídas do sr José Lopes Cabral”.
A Judiciária, segundo os documentos que vimos analisando, insiste que Zezito veio sim a Cabo Verde “para dar continuidade às restantes execuções de alguns indivíduos ‘marcados para morrer’, designadamente a Coordenadora de investigação Criminal, Kátia Tavares, o Sr. Director Nacional Adjunto, Paulo Rocha, o lnspector Chefe Carlos Almada e o ex-Procurador Geral da República Dr. Júlio Martins que, recentemente , teve a residência vigiada por dois indivíduos encapuzados”.
Zezito tinha arma?
O mandante seria Paulo Pereira, cabecilha do grupo de narcotráfico condenado no âmbito do processo Lancha Voadora, que Zezito teria visitado na Cadeia Central da Praia, em São Martinho, no mesmo dia em que Isabel Moreira seria morta a sangue frio e à queima-roupa com vários tiros à porta da sua casa. O problema é que, segundo uma nota da direcção geral dos Serviços Penitenciários (de 29 de Dezembro de 2015), assinada pela sua então directora Paula Fortes, citando a direcção da Cadeia Central da Praia, “o Sr. José Lopes Cabral não visitou nenhum recluso no periodo indicado”.
Outro dado de capital relevância é o depoimento do inspector da PJ, Gerson Monteiro Lima, que durante a sua audição (conforme descrito no Auto de Inquirição de 2 de Julho de 2021) disse que, “na sequência foi criada uma força-tarefa pelo Paulo Rocha, então Director Nacional Adjunto e de investigação Criminal, que tinha como função vta vigia e seguimento de suspeitos, recolher e tratar informações relacionadas com a referida morte e outras que eventualmente poderiam vir a ocorrer. Que na altura houve muita recolha de informações, bem como várias reuniões de interação, de estratégias e de vigilância onde o próprio Paulo Rocha contradizia algumas informações, sob pretexto que o seu informador lhe tinha dado indicação diversa(s), pondo em causa inclusive informações trazidas à reunião pelo depoente, de fora que as dele (Paulo Rocha) pudessem prevalecer e justificar o seu plano”.
Pior, disse o inspector Gerson Lima, que “numa das reuniões que antecederam a execução da vítima, o Paulo Rocha ordenara a César Lopes (agente da PJ) para providenciar uma arma de fogo de calibre grande ‘Makarov’ para a encenação na cena do crime, como sendo arma da vítima; Que quem colocou a arma apreendida nos autos na cena do crime foi César Lopes, a mando do Paulo Rocha, já que era e é responsável de todo o armamento da Policia Judiciária e das armas apreendidas e depositadas nessa instituição”. Pelas declarações de Gerson Lima, a arma encontrada no interior da viatura na qual Zezito viajava teria sido colocada ali, já que não pertenceria à vítima.
Este depoimento, contido nos autos, coloca o actual ministro da Administração Interna numa situação incómoda, porquanto, fará ou será parte de um suposto esquema para incriminar e, eventualmente, executar, sabe-se lá com que fim, um suspeito criminal, qual "inimigo a abater", sem oportunidade de fazer a sua defesa em sede do Tribunal.
Enfim, são estas contradições e potenciais falhas processuais – levam muitos a crer em crime premeditado e não troca de tiros com vítima mortal, segundo relatam os relatórios da PJ – que terão conduzido o Ministério Público a abrir uma investigação criminal no caso Zezito denti d’Oru contra “elementos da PJ", onde afigura o nome de um ministro da República, que já foi inclusive director nacional adjunto da PJ e director do Serviço de Informação da República, nos governos do PAICV.
Santiago Magazine ainda não conseguiu chegar à fala com o ministro Paulo Rocha para dizer da sua justiça e se defender destas acusações do Ministério Público, pelo que promete continuar a investigar este caso e dar espaço aos implicados no processo criminal em curso na Procuradoria da República da Praia.
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