Ao longo dos últimos 30 anos, idade da Escola de formação para o futebol que criou na Praia em 1991, contribuiu para afastar da delinquência largas centenas de crianças e jovens da cidade da Praia. A premissa é simples e eficaz: Mais do que treinar, é primordial educar, acompanhar os futuros jogadores em todas as vertentes da sua vida. O resultado é um sem número de futebolistas profissionais de elite que saíram da EPIF – Ryan Mendes, Kuca, Babanco, Stopira, Tigana, Zé Luis, Alex, Gégé, Platiny, Dário, Vargas, Caló Ichi... – para singrar no estrangeiro e compor a espinha dorsal dos Tubarões Azuis. Obra de José Maria Lobo, ou melhor, Djédji, como é sobejamente conhecido, um cidadão da Praia, que viveu a Praia e o futebol com a mesma intensidade. Morreu hoje, vítima de doença prolongada.
Desde cedo, Djédji já sabia o que queria. Tinha 12 anos quando percebeu que o futebol, o desporto-rei que atrai multidões, também serve para educar. Criou então o Clube Botafogo, aí na zona de Lém Ferreira, onde nasceu. O sucesso dessa equipa, que disputou o campeonato de subúrbio da Praia, acendeu-lhe de vez a chama futebolística, uma paixão que ainda perdura. Porque notou que entre os colegas do time cultivava-se a amizade, aprendia-se a valorizar a família, incutia-se a força da união e o espírito de entre-ajuda.
“Nessa altura aprendi com o meu pai que o ser humano complica a sua vida num ápice. Por isso, é importante, dizia ele, o saber estar e o saber ser. Foi aí que entendi que o futebol é um desporto extremamente importante que serve também para educar. Em 1978, decidi deixar a minha carreira como técnico de avião e ir viver na Europa, e aqui sim viria a compreender o real valor do futebol na formação pessoal do homem”, começa por contar.
Foi esse clique que lhe activou a ideia de criar na Praia – seria mais correcto dizer implementar um projecto que lhe vinha martelando na cabeça desde as suas férias no país em 1984 - uma escola de preparação de futuros jogadores de futebol que viriam a singrar mundo afora como profissionais da modalidade. A experiência nos anos vividos em Portugal, França e Holanda deu-lhe tarimba e conhecimento teórico. Nascia então, em 1991, a Escola de Preparação Integral para o Futebol, EPIF, projecto que Djédji idealizou e executou juntamente com o cubano Caballero.
“A formação do jovem futebolista é um trabalho que não se abrange unicamente aos conhecimentos sobre metodologia de treino, mas também na necessária aplicação dos mesmos com base nos princípios pedagógicos, comunicando e motivando os praticantes. Mais do que treinar, é primordial educar, uma vez que os jovens praticantes têm muitas solicitações e desde cedo são ‘obrigados’ a optar, entre jogar ou sair com amigos, entre estar com a família ou treinar. Dessa forma, torna-se essencial o seu acompanhamento em todas as vertentes da sua vida”, defende o instrutor.
Fundada em 1991, a Escola de Preparação Integral de Futebol, EPIF, que nos últimos tempos passou a ser Fundação EPIF, definiu como obejctivo primordial o desenvolvimento do desporto, a sua prática e o seu emprego como ferramenta de equilíbrio social, a proteção de menores em Cabo Verde sem esquecer da sua preparação para uma vida digna, bem como a igualdade de géneros.
Já lá vão 30 anos, desde que essa ousadia proporcionou a criação da EPIF, instituição que tem feito muito no plano social para não só formar jogadores, como afastar a probabilidade de abraçarem o submundo do crime e da delinquência – boa parte vinda de famílias desfavorecidas.
Enquadrando crianças em todas as vertentes da educação, no plano da formação pessoal e desta instituição já saíram grandes jogadores e muitos estão a servir Cabo Verde, como titulares e espinhas dorsais da selecção nacional e de grande parte das principais equipas da Praia, confirmando o valor da EPIF, hoje Fundação EPIF, como uma escola de formação de jogadores e valores de referência do desporto cabo-verdiano, no dizer do Seka Peli, que aponta para as ramificações da escola de Djédji no Fogo, no Sal e em São Vicente.
Fábrica de talentos
Djédji tem esse condão e orgulho de ter formado e preparado, enquanto futebolistas e homens, atletas com reputação internacional. Ryan Mendes, Kuca, Babanco, Bijou, Stopira, Tigana, Zé Luis, Alex, Gégé, Platiny, Dário, Vargas, Caló Ichi, Kadu, são porventura os mais mediáticos do mosaico de futebolistas de renome a nivel nacional da cantera da EPIF. Jogadores que estão hoje a praticar futebol no plano internacional na alta dimensão e a grande maioria deles fez e faz parte da seleção de Cabo Verde.
“A EPIF fornece e continua a fornecer futebolistas a empresários e equipas que negoceiam jogadores no plano internacional e nunca exigiu uma bola ou um simples par de meias. Formamos valores, queremos ser pelo menos reconhecidos” revela Djedji onnosco a sua maior mágoa: não ter um centro próprio para formação de atletas. Efectivamente, a EPIF funciona num espaço aberto, ao lado do Palácio do Governo, mas nunca teve um lugar próprio para treinar, formar e ensinar a vida aos seus pupilos.
Há anos que a Fundação EPIF tem um projeto arquitectónico para a construção de um centro de formação num terreno de 600 mil metros quadrados, mas não encontra respaldo das autoridades do país.
Esse centro, que tem como premissa capacitar os jovens atletas da EPIF em diferentes áreas - carpintaria, a mecânica, a eletricidade, para além do futebol - Para que, o projeto seja posto em prática tem de haver quem esteja disponível a patrocinar – só espera terreno para edificar a academia e financiamento, com ajuda de todas as partes (Governo, Câmara, FCF e parceiros internacionais), para ter um centro, efectivamente, de formação.
E essa é, da parte de Djédji, a maior mágoa. Porque assume, sem imodéstia, o seu papel do desenvolvimento social e económico pela via do futebol. “A EPIF tem feito um trabalho de excelência. Veja como os profissionais que saíram da nossa escola e que hoje são profissionais estão a investir de volta em Cabo Verde com casas, carros, empregos... Merecíamos um reconhecimento sim, porque ajudamos e vimos ajudando, como podemos, este país que é de todos nós”, encerra Djédji, hoje (na altura da entrevista) a tentar reabilitar-se de um acidente que quase lhe custou uma perna.
(Reportagem feita em 2022 para a Revista/Agenda Cultural da Praia - Cult)
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