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Falsa democracia, tirana liberdade – II Parte
Ponto de Vista

Falsa democracia, tirana liberdade – II Parte

Dia 14 de Novembro de 1980, João Bernardo Vieira – Nino –, Primeiro-ministro da Guiné Bissau, perpetrou um golpe de Estado e rompeu o cordão umbilical que unia Cabo Verde àquele país. E o PAIGC em Cabo Verde passou a designar-se PAICV – Partido Africano da Independência de Cabo Verde.

Na década de 80 a política mundial esteve ao rubro. Foi a década da Perestróica, que significa mudança na terminologia Russa. Houve mudanças quase que generalizadas. Em 1985 a União Soviética se desagregou e a Guerra Fria se amainou. O muro de Berlim caiu a 9 de Novembro de 1989, unindo, assim, a duas Alemanhas, ditando o fim da Guerra Fria. A queda do Apartheid na África do Sul vislumbrava-se iminente. Veio a suceder-se em Fevereiro de 1990 com a libertação de Nelson Mandela da prisão depois de 27 anos recluso, que viria a ser o primeiro Presidente negro de um país tão segregacionista. Então, Cabo Verde não podia ficar imune à Perestróica. E foi nessa década que se aprovou a lei da despenalização do aborto, tendo gerado celeuma e uma discussão assaz renhida, dir-se-ia mesmo, azeda, entre os deputados Carlos Veiga (pró) e Tomé Varela da Silva (contra). Foi ainda nessa altura que, um grupo rotulado de Trotskistas, dos quais alguns ministros se desertaram da máquina governativa e se recataram em Portugal e no Brasil. Ipso facto, os Agentes Secretos intensificaram as suas espreitanças, posicionando-se ardilosamente em todos os circuitos onde vivalma se resfolegava. Havia muito medo. Medo de tudo. Medo até se falasse enquanto dormia.

Em 1983, um juiz do Tribunal Popular de Ponta D’Água, na cidade da Praia foi morto com um bloco de pedra arremessado do seu telhado, tendo-lhe acertado sobre o peito enquanto dormia no interior da sua residência. Um tal João, um jovem que morava em Ponta D’Água foi cruelmente torturado durante semanas na Esquadra de Achada de Santo António, na tentativa de lhe arrancar a confissão de que teria sido ele o autor do crime. Entretanto nunca se provou, o processo foi arquivado e ao agredido nem um pedido de desculpa.

A 26 de Setembro 1989, o Secretario de Estado da Administração Pública, Renato de Silos Cardoso, foi assassinado na praia de Quebra Canela, na capital do país. Dia seguinte, um comunicado foi lido na Televisão, informando que o crime não tinha nada a ver com política. Um jovem demente, conhecido por BADIU BOKSERU, que vivia na rua e lavava carros para sobreviver, levou chuvas de porrada das mãos de Polícias por lhe considerarem o homicida. Foi julgado por uma juíza ad hoc e assistido pelo jovem advogado Arnaldo Silva, ainda quase debutante na carreira. Sem provas nem evidências, quer factual, quer material, acabou sendo descriminalizado e o processo diluído. Tanto o João de Ponta de Água, quanto BADIU BOKSERU terão direito à indemnização como torturados do Partido Único?

Ora, o vento do Leste, o espectro do Muro de Berlin e do Apartheid pairaram sobre Cabo Verde. No dia 19 de Fevereiro de 1990, sem nenhuma imposição direta, interna ou externa, sem uma arma apontada à cabeça, o camarada Pedro Pires anunciou ao país e ao mundo a abertura política. Imediatamente as repercussões e reações emergiram-se, quiçá, algumas, de onde menos se esperava. A UCID seria a esperança ou a certeza de quase todos os cabo-verdianos. Mas não. Um grupo de cidadãos, em que alguns haviam ocupado cargos de proeminência na administração do Partido Único, surgiu em pompa com a proposta de criação de um movimento denominado MPD – Movimento para a Democracia. Os subscritores eram quase todos licenciados, a maioria em Direito, pelo que reinou a saga dos Doutorados e a palavra que mais se ouvia era: Competentes. Foram momentos de muito divertimento e alguns enguiços. Debates radiofónicos sucediam-se com a participação desenfreada dos ouvintes. Foi um momento de muito gozo e paródia para a maioria dos cabo-verdianos, ávidos de mudança. Popularizou-se o termo MAMADOR, quando o Psicanalista José António dos Reis, durante uma emissão da Rádio Nacional, enquanto ouvinte, perguntou ao camarada Pedro Pires como pensava driblar e acabar com MAMADORES. Pois, todas as atividades efetuadas pela OPAD-CV, JAAC-CV e OMCV eram coordenadas pelo Partido e patrocinadas pelo Estado. Essa metáfora MAMADOR serviu de mote para «N» composições poéticas e musicais. A afronta era tanta, que à certa altura, o camarada Pedro Pires disse que o PAICV era o pé de tamarino. E a resposta veio de forma quase inusitada: O MPD é machadinho de aço. E essa metáfora também deu mote a uma bela composição da época: - «PAICV fla ma el e pé di tanbarinha / MPD fla ma el e matxadinhu d’asu / Nton, matxadinhu d’asu, korta pé di tanbarinha».

Todo o processo se desenrolou de forma consertada e dentro do quadro legal, com debates profícuos no Parlamento. A UCID, que tinha a sua sede em Holanda, acabou-se preterida e o MPD o empecilho-mor na sua legalização. Carlos Alberto Wahnon de Carvalho Veiga , que até ao início da conturbada década da Perestróica, ou seja, até 1980, ocupara o cargo de Procurador-Geral, assumiu a presidência do MPD. E a 13 de Janeiro de 1991, os cabo-verdianos foram às urnas e disseram basta ao governo do PICV e deram o voto de confiança à nova organização política que até o cognominaram de M(meu) P(pai) D(Deus). Nessas eleições, a primeira realizada em Cabo Verde de forma livre e democrática, o MPD elegeu 56 dos 79 deputados com lugar no Parlamento. E Carlos Veiga assumiu a chefia do Governo. A 17 de Fevereiro de 1991, António Mascarenhas Monteiro, ex-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça no regime do PAICV, foi eleito democraticamente Presidente da República.

Treze de Janeiro, o dia dos Oportunistas e Traiçoeiros.

Imediatamente se iniciou a caça às bruxas. Pela Lei Constitucional n.º 2/III/90 de 28 de Setembro, foi revogado o artigo 4º da Constituição da República que dizia: «O PAICV é a força política dirigente do Estado e da Sociedade». O Hino e a Bandeira Nacionais foram mudados; as Ruas e alguns Monumentos da capital voltaram a ostentar os nomes de colonizadores. Por exemplo, a Praça 12 de Setembro passou novamente a chamar-se Praça Alexandre de Albuquerque e Bairro Kwame N’Krumah a Bairro Craveiro Lopes. A palavra CAMARADA se transformou psicologicamente num cliché, num estereótipo palavrão. Era tido como um termo comunista. Pedro Pires não era Doutorado e já não seria ortodoxa chamar-lhe CAMARADA. Solução? Ele se auto-intitulou: - Sou Comandante. E o título vingou-se.

E contra o Comandante se eclodiram todas as espécies de revanches e perseguições. Foi despoticamente despojado da casa onde morava e era quase todos os dias levado às barras do Tribunal de forma ultrajante. Essa persecução só se amainou quando um dia, um deputado da bancada do machadinho de aço, eleito pelo círculo de São Domingos, o Engenheiro Cipriano Tavares se levantou a voz contra tal despropositura. Tendo dito, o Engenheiro faleceu poucos meses depois. Pois, padecia de doença que lhe vinha definhando a saúde havia algum tempo. E ao COMANDANTE nunca mais chatearam a vida.

A tão propalada democracia demonstrou-se, bem cedo, a sua incongruência e os argutos advindos do Partido Único exibiram as suas sinistras ações nas primeiras eleições autárquicas. Nuno Duarte, do PAICV, seria o primeiro Presidenta da Câmara Municipal da Praia, não fosse um grupo de Doutorados ter invadido a Assembleia de Votos e permitir que pessoas a eles afetos, votassem depois do fecho das urnas. Entrementes, em 1994 culminou-se a hecatombe ventoinha. O Embaixador de Cabo Verde em Lisboa gastou 600 contos (cerca de 6.000€) num jantar e na compra de roupas para a gala. Alguns Doutorados, como o atual Embaixador em Lisboa, Eurico Monteiro, na altura, ministro da Justiça, o atual Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, então Ministro dos Negócios Estrangeiros, de entre outros tantos, foram corridos do governo e expulsos do Partido por ousarem exigir a responsabilização do Embaixador esbanjador. Em curto espaço de tempo o MPD se fraccionou vezes três. Do seu seio emergiram o PCD – Partido da Convergência Democrática – e o PRD – Partido da Renovação Democrática.

Os constantes e repentinos divórcios dos Ventoinhas traria certo alento ao PAICV se não fossem tantas as atrocidades dos 15 anos da governação. Pois, toda a bateria se encontrava direcionada para os dois Partidos emergentes: o PCD de Eurico Monteiro e o PRD de Jacinto Santos. O momento era tão encarquilhado que o conceito da DEMOCRACIA tornou-se acre. O 13 de Janeiro tornou-se fel para alguns. Um dos secretários da Mesa da Assembleia Nacional, por se ter aderido ao PCD, foi-lhe retirado a viatura que detinha, em plena viagem e na localidade de Variante de São Domingos, pelo que apanhou uma boleia na carroçaria de um Hilux que transportava porcos e cabras para chegar a sua casa.

Entretanto, nas eleições seguintes, o MPD conquistou mais uma vitória retumbante e Carlos Veiga foi reconduzido no cargo de Primeiro-ministro. Já quase no fim dessa Legislatura, passou a chefia do Governo para Gualberto do Rosário e preparou-se para se candidatar a Presidente da Republica. A governação do Gualberto do Rosário ficou marcada pelo peculato e desvio de milhões, surripiados dos cofres, particularmente, com a venda da ENACOL. Ninguém foi até hoje responsabilizado.

Já em 2001, a podridão instalada era de tal forma nauseabunda que o MPD perdeu as Legislativas para José Maria Neves do PAICV, e Carlos Veiga perdeu as presidenciais para o comandante Pedro Pires. Em 2006, Carlos Veiga voltou a defrontar Pedro Pires e, novamente saiu derrotado. Retirou-se da política até Outubro de 2009, quando voltou a ser eleito Presidente e líder do MPD, sem qualquer convenção, substituindo Jorge Maurício Santos, o atual Presidente da Assembleia Nacional, que passou a ser apenas um dos vice-presidentes.

O 13 de Janeiro não trouxe a democracia. Talvez a liberdade. Pois, em Cabo Verde pode-se dizer tudo, que ninguém vai preso nem lhe é arrancado unhas com alicate. Embora lhe pode acontecer o pior. Pode ser traiçoeiramente morto ou raptado. Sempre que se diga uma verdade inconveniente é rotulado de konfuzentu, e não se consegue um trabalho digno ou compatível com a sua formação, ou mesmo especialidade. Não lhe é dado qualquer oportunidade e marimbam-se nos seus Direitos Fundamentais. Por isso, não se pode falar de democracia em Cabo Verde. Uma das premissas da democracia é o respeito às pessoas e à dignidade humana; é a aplicação da justiça para salvaguardar e proteger os direitos humanos, o respeito pela liberdade de expressão, pelas oportunidades de participar na vida política, económica e cultural da sociedade. E só é consolidada quando as reivindicações dos cidadãos são atendidas, justificadas e justiçadas. Onde haja a justiça e os Tribunais funcionem como órgão do poder judicial independente. É impensável, num país democrático, um Primeiro-ministro cessante dizer na Televisão, de viva voz e bom-tom, que traficantes estão a patrocinar campanhas de um Partido Político, sem que haja consequências. Entrementes, esse Primeiro-ministro foi reeleito, o assunto morreu e ele coabitou quitemente com os tais narcapolíticos. E os acusados não se preocuparam em desmentir, intentando uma ação em Tribunal. E o pior, nem o Procurador-Geral, nem o Presidente da República se pronunciaram.

Em que país democrático é que cidadãos são assassinados e a justiça nada faz, mesmo sabendo quem é o criminoso? Como se pode falar de democracia quando é solicitado uma audiência ao Procurador-Geral da República para lhe ser apresentado provas ou indícios que poderão consubstanciar-se a um crime bárbaro de homicídio, e o pedido ignorado? Onde já se viu, num país democrático, um juiz perante as câmaras da Televisão a dizer que está a ser coagido e ameaçado por colegas para não dar uma sentença num caso hediondo em que o homem matou a mulher? Em que país democrático é que se mata, nenhum inquérito é instaurado e o criminoso, em poucos meses, é membro do Governo? Isto é chacotear com o povo que vos confiou o seu voto.

Como se pode falar de democracia num país onde os denunciantes de fraudes e crimes graves são perseguidos, ameaçados e rotulados? Em que parte do mundo é que os documentos autênticos são arrancados dos livros e o conteúdo forjado? Onde é que os juízes superiores são indiciados de crimes, inclusive de falsificarem leis para o proveito próprio e o bode expiatório é o denunciante? Onde é que já se viu uma Universidade Pública falsificar resultados dos concursos a favor de compinchas e, praticar a escravatura na instituição, sob o olhar impune, ou mesmo conivente dos governantes? É salutar gabar-se que é democrático num país onde há quem trabalhe 12 horas por dia, de Domingo a Sábado e, de 15 em 15 dias, aos fins-de-semana, faz 24 horas, há já 12 anos? E a trabalhar para um estrangeiro, sem nunca ter gozado fim-de-semana ou férias. E ganha 22 contos por mês, isto num país onde há quem ganhe 1.000 contos (10.000€) por mês. Vergonha das vergonhas.

Cobo Verde seria uma terra linda, não fosse os seus dois vírus comparáveis a HIV1 e HIV2. Insensíveis e patogénicos.

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Redação