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MpD rejeitou quatro presidentes de Câmara incumbentes. O que aconteceu? E o que vai acontecer?
Política

MpD rejeitou quatro presidentes de Câmara incumbentes. O que aconteceu? E o que vai acontecer?

As ondas de choque da rejeição de Jassira Monteiro para encabeçar a lista do MpD à Câmara Municipal de Santa Catarina fazem-se sentir por todo o lado – inúmeras personalidades vêm manifestando o seu descontentamento, repudiando o partido de Ulisses Correia e Silva e solidarizando-se com a jovem política de Assomada. Afinal, por que o MpD descartou Jassira, tirando-lhe in extremis o pão da boca? E quais as razões para os ventoinhas renovarem cabeças de lista em mais três municípios onde é poder?

Cinco dias volvidos após o MpD anunciar oficialmente os seus candidatos para as eleições autárquicas deste ano, o processo continua a ser comentado amiúde por causa das escolhas feitas, algumas surpreendentes até para os militantes.

O caso mais sonante e que tem merecido críticas públicas é o da presidente da Câmara Municipal de Santa Catarina, Jassira Monteiro, que, mesmo manifestando disponibilidade para encabeçar a lista do seu partido não foi tida em conta pela Comissão Política nacional.

À primeira vista, e de acordo com as justificações da direcção do MpD, isso se deveu à sua fraca pontuação nas sondagens, chegando a registar um empate técnico com o artista comediante Tikai e ultrapassado pelo vereador Jacinto Horta, que acabou sendo o preferido. Só que esta decisão vem de muito atrás, Dezembro de 2020, quando ocorreu o trágico falecimento do então presidente eleito, José Alves Fernandes (Beto Alves).

Jassira Monteiro assumiu a presidência da Câmara porque era a segunda da lista, mas não era o que o partido queria. “Ela era número dois por causa da Lei da Paridade que obriga à presença de uma mulher logo a seguir ao cabeça de lista. O MpD, com Austelino Correia à cabeça, sempre defendeu Jacinto Horta como sucessor de Beto Alves mas a lei não permitia. Agora, com o aproximar das eleições fizeram de tudo para sabotar o seu desempenho na Câmara e indicar Horta como o candidato oficial do partido”, explica uma fonte conhecedora do processo.

“Tudo foi urdido pelo Austelino Correia, o presidente da Assembleia Nacional, que goza de muito poder no seio da Comissão Política Nacional. Ele queria e conseguiu que fosse Jacinto Horta o escolhido, porque não pôde dominar a Jassira”, prossegue a nossa fonte, para quem o MpD “corre o risco de perder a CM de Santa Catarina por causa dessa aposta arriscada. Veja, o Félix Cardoso, que conseguiu se eleger vereador independente nas eleições de 2020, disse que não iria concorrer este ano se o MpD apostasse na Jassira. Agora de certeza estará na corrida, retirando votos ao partido”.

Outra fonte de Santiago Magazine assinala que o MpD tomou a decisão que tomou sem se precaver da insustentabilidade das relações entre a presidente incumbente rejeitada e o seu vereador para a economia Local, jacinto Horta, o escolhido. “A confiança política entre os dois ruiu por completo. Jassira não estava à espera disso, nem que seria preterida depois de liderar a autarquia durante quatro anos. Por isso deixou em aberto a possibilidade de concorrer como independente, o que obrigou o presidente do partido a negociar com ela um cargo no Governo. Ela rejeitou, avisando antes ao Ulisses que pedisse ao Jacinto Horta para se desprofissionalizar, o que acabou por acontecer antes de ela mesma o fazer para não terem de se esbarrar diariamente nos corredores da CM”.

Do lado do MpD mantém-se o argumento de que a autarca santacatarinense não teve bom score nas sondagens, mesmo ganhando Jacinto Horta nalgumas variáveis. “Portanto, apostar nela seria investir na derrota e o MpD montou uma lista de candidatos para ganhar as autárquicas”, pontua um membro partidário. "Ninguém viu essas sonbdagens, nunca mostraram à Jassira", contrapõe outro interlocutor de SM.

O certo é que a decisão do MpD em sacrificar Jassira Monteiro, única mulher na presidência de uma Câmara Municipal em Cabo Verde, não caiu bem em vários sectores da sociedade, com distintas personalidades a declarar seu apoio moral à jovem política face perda do apoio político do seu partido para continuar à frente dos destinos do seu concelho. A jornalista Margarida Fontes dedicou uma página de opinião no Expresso das Ilhas desta quarta-feira, 13, que titulou “O chumbo a Jassira Monteiro: um choque colectivo no feminino”. Adalberto (Betú) Silva disse ter gostado da postura da jovem e o jurista João Santos considerou “uma tristeza” o que aconteceu com ela.

A própria Jassira não escondeu a sua tristeza. “Inicialmente não estava à espera [dessa decisão do MpD], eu trabalhei para ser candidata, estava a trabalhar para as próximas eleições [autárquicas deste ano]. Está claro, e não vou pôr em causa a decisão do partido que tem instrumentos próprios para a escolha dos candidatos”, admitiu.

“Respeito a decisão do partido na escolha do candidato, deve ter havido razões suficientes para as sondagens terem influenciado para esta escolha pelo que, neste momento, já fiz o meu exercício”, continuou a autarca de forma irónica. Para já negou vir a empreender uma candidatura independente, mostrando estar focada no seu percurso político a favor do MpD.

“Eu estou focada em trabalhar e tenho uma missão a cumprir (…). Quero reiterar aos munícipes de Santa Catarina que tudo farei para o desenvolvimento de Santa Catarina e o meu mandato mantém-se. E neste momento sei que não vou ser candidata, portanto, há que reaver uma série de prioridades e rubricas [no plano de actividades da câmara para o ano de 2024]”, reiterou.

Enfim, hoje o MpD não tem nenhuma mulher a encabeçar a corrida autárquica e as ondas de choque atingiram o peito das feministas e defensoras da igualdade do género com som e fúria.

Santiago Magazine quis ouvir a posição de Austelino Correia, mas não nos foi possível até ao momento da edição desta peça noticiosa.

Três veteranos apeados

Três veteranos autárquicos ficaram também fora da corrida para as autárquicas deste ano nas listas do MpD: Orlando Delgado, da Ribeira Grande de Santo Antão, José Freitas, em Tarrafal de São Nicolau e Alberto Nunes em Santa Catarina do Fogo. Brigaram até ao limite por uma nova chance, só que a cúpula do partido ventoinha não permitiu.

Delgado,  por exemplo, só à última hora decidiu retirar o seu projecto de renovação de mandato (seria o quinto), facilitando a vida aos membros da Comissão Política, que tinham o nome de Armindo Luz, vice-presidente da Mesa da AN, na ponta da língua. Isso vai implicar eleições no Parlamento para a escolha do novo vice-presidente do Parlamento, pelo que os jogos de interesse deverão falar bem alto.

Em São Nicolau, José Martins conseguiu conquistar a confiança do MpD e manter-se como candidato ventoinha a um segundo mandato. Mas o seu colega José Freitas, no concelho do Tarrafal, não teve a mesma sorte, tendo sido preterido a favor do actual coordenador local do partido. Curioso é que Neivo Araújo é director de Gabinete de Freitas, outro caso de “traição” que torna a sua coabitação na autarquia bastante delicada, num clima de cortar à faca.

José Freitas, autarca do MpD há três mandatos em Tarrafal de São Nicolau, chegou a admitir concorrer este ano como independente caso o seu partido lhe retirasse apoio político, mas neste momento, segundo nossas fontes, “é bastante remota tal possibilidade, devendo, quando muito, ser recrutado para algum cargo de chefia nalguma instituição de modo a evitar estragos”. SM não conseguiu confirmar tal informação, já que Freitas não respondeu aos nossos contactos.

No caso do concelho de Santa Catarina do Fogo, a solução encontrada foi avançar com uma terceira via para driblar o impasse causado por lutas internas, como já reconheceu Alberto Nunes. Segundo ele, a nível interno foram criados problemas, “uma coisa muito bem montada” para derrubar a sua pessoa, focado no caráter e na sua personalidade e não nos problemas do município. Sublinhou que “nunca, até este momento, ninguém apresentou uma proposta alternativa”, mas apenas um “ataque vil” dirigida à sua pessoa e com “resquício de maldade, inveja e ódio”, disse, citado pela Inforpress. Da sua parte, o vereador Carlos Rodrigues disse que foi o escolhido na sondagem, mas “para o bem do MpD e do município” deixou de lado o sonho e ambição, aceitando a escolha do partido.

Enfim, o clima de incompatibilidade e desentendimento entre o actual presidente Alberto Nunes (dois mandatos) e o vereador Carlos Rodrigues, também sondado pelo MpD para encabeçar a lista camarária nas eleições deste ano, estava de tal forma intensa (Nunes chegou a cortar a viatura da CM ao vereador, que mora em São Filipe) que o MpD preferiu a solução nada salomónica, nem um nem outro. Assim, Evandro Monteiro, atual secretário de Estado da Saúde, vai liderar a lista ventoinha para as autárquicas 2024 e nenhum dos dois eleitos camarários, Nunes e Rodrigues deverá fazer parte da lista.

Com o governante na corrida municipal, o presidente do MpD articula agora com os seus dirigentes partidários nomes para substituir Evandro Monteiro no Governo ou os ajustes a fazer dentro do próprio Executivo. Até porque,  também há a lacuna que terá de ser preenchida com a saída de Abraão Vicente, ministro da cultura e ministro do Mar, para concorrer à Câmara Municipal da Praia. Ulisses já admitiu esses ajustes, mas, como sempre, não fala em remodelação. O Governo também vai ter de nomear um novo PCA dos Correios por causa da indicação de Isidoro gomes para concorrer à Câmara Municipal dos Mosteiros.

Como nota de rodapé, o caso São Vicente: apesar de todos os contratempos, polémicas e um mandato gerido numa montanha-russa, Augusto Neves continuou a merecer a confiança do MpD e é, de novo, o cabeça de lista para a CM sanvicentina, a jeito e à força.

E Paul: António Aleixo cedeu lugar ao deputado Adilson Fernandes de forma pacífica. Em declarações à Inforpress esta terça-feira, Aleixo garantiu que termina o seu mandato com o sentimento de “dever cumprido” com os paulenses e que após cumprir o mandato vai fazer aquilo que sempre gostou de fazer, que é trabalhar. Sobre a escolha de Adilson Fernandes para o suceder e encabeçar a lista do MpD à Câmara Municipal do Paul nas próximas eleições autárquicas, o autarva alegou não ter ainda uma opinião formada. “Não tenho muito a dizer. Simplesmente na política há um tempo para entrar e outro para sair. Ainda não conversei com eles, por isso, este momento não é o mais ideal para me posicionar e não quero alongar mais. Prefiro falar noutro momento”, frisou.

Lista dos candidatos do MpD

Ribeira Grande de Santo Antão: Armindo Luz
Paúl: Adilson Fernandes
Porto Novo: Aníbal Fonseca
São Vicente: Augusto Neves
Tarrafal de São Nicolau: Neivo Araújo,
Ribeira Brava: José Martins
Sal: Júlio Lopes
Boa Vista: João Spencer
Maio: Miguel Rosa
Tarrafal de Santiago: Marcelo Correia
São Miguel: Hérmenio Fernandes
Santa Catarina de Santiago: Jacinto Horta
Santa Cruz: Liver Gomes
São Salvador do Mundo: Ângelo Vaz
São Lourenço dos Órgãos: Carlos Vasconcelos 
São Domingos: Hipólito Gonçalves 
Ribeira Grande de Santiago: Domingos Mendes
Praia: Abraão Vicente
São Filipe: António Cardoso
Mosteiros: Isidoro Gomes
Santa Catarina do Fogo: Evandro Monteiro
Brava: Francisco Tavares

(Actualizado às 14h09, com a introdução do parágrafo sobre a CM do Paul)

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine