Gilberto Barros, secretário de Estado das Finanças até o ano passado, e que teria tido garantias de que seria ele o indicado pelo Governo para administrador do Banco Mundial, sentiu-se traído por Ulisses Correia e Silva e já pediu explicações ao chefe do executivo sobre a polémica escolha do “desconhecido” Harold Tavares para o lugar, ultrapassando nomes como de Óscar santos, António Moreira ou Elisabete Moreno, ex-ministra do governo de Emmanuel Macron, na França. O clima no MpD está de cortar à faca, com Ulisses e Olavo a darem sinais de já não estarem em sintonia.
Deu bronca a nomeação de Harold Tavares, actual director de Gabinete do primeiro-ministro, filho da ministra das infra-estruturas, Eunice Silva, e primo-irmão do secretário-geral do MpD, para o cargo de director executivo suplente do Banco Mundial. O caso já estava a agitar as hostes ventoinhas pela pouca transparência nessa escolha, mas ontem virou escândalo quando o Governo, sentindo-se encurralado pelas críticas, decidiu emitir um comunicado a justificar que Harold Tavares foi nomeado para tão importante cargo por selecção feita pelo Banco Mundial diante de vários outros nomes.
Uma “mentirinha” (selecção do BM e não indicação do Governo), nada ingénua, que acentuou ainda mais as críticas internas a Ulisses Correia e Silva, sobretudo vindas da ala pró Orlando Dias (seu oponente nas eleições para a liderança do MpD), que já não se revê em praticamente nada que faz o primeiro-ministro. E assumem-no publicamente nas redes sociais.
Mas o que salta mais à vista nesta decisão de UCS propor ele próprio o nome de Harold Tavares, seu director de gabinete e filho da sua ministra das Infra-estruturas, para a administração do Banco Mundial, é o facto de trazer à tona um certo antagonismo de posições entre o chefe do governo e o seu vice-primeiro ministro, pelo menos a nível governativo.
Sim, Olavo Correia, já num post publicado no dia 25 de Abril deste ano no regresso de uma reunião do Banco mundial e FMI, anunciava que o Governo iria "indicar um administrador para o Banco Mundial", em representação de Cabo Verde e de mais 22 países africanos. Mais, como que antevendo o que poderia suceder, Olavo Correia prometeu que o Executivo teria que ter “o nosso melhor quadro no Board do Banco Mundial (...). Até Novembro deste ano, na próxima Assembleia Geral do Banco Mundial e do FMI, vai ser indicado esse nome".
Mas o nome de Harold Tavares não estava na calha, pelo menos nos planos do VPM, que, segundo as nossas fontes, queria um economista sénior como Óscar Santos, governador do Banco de Cabo Verde, e que inclusive participou dos encontros do Governo com o banco Mundial e FMI em Maio passado. Outros nomes estavam também em cima da mesa, como o do ex-secretário de Estado das Finanças, Gilberto Barros, com largo percurso junto do BM, onde trabalhou durante 16 anos em mais de 60 países, de António Moreira, PCA da Caixa Económica de Cabo Verde, com vasta experiência no sector financeiro, e de Elisabete Moreno, experiente nas relações internacionais sobretudo durante os anos em que foi ministra do Governo de Emmanuel Macron na França. “Cabo Verde não pode correr o risco de estar mal representado ou estar sub-representado”, avisava OC no seu post de 25 de Abril.
Entretanto, Ulisses Correia e Silva, desconsiderou todos esses candidatos que se enquadravam no perfil de “nosso melhor quadro para o board do Banco Mundial”, anunciado por Olavo Correia, para indicar Harold Tavares, à revelia da posição do seu vice primeiro-ministro. Por outro lado, há quem entenda que essa escolha se deva ao facto de UCS, de tanto receber críticas internamente sobre as decisões e imposições de Olavo Correia na hora de nomear chefias, querer dar um basta ao seu número 2 e mostrar que ele é que manda no governo.
Seja como for, os dias de concórdia da dupla que lidera o Executivo não parecem mais os mesmos, com sectores dentro do partido ventoinha já a tomarem posições, para cada lado.
Com efeito, a escolha de Harold Tavares, actual director do gabinete do primeiro-ministro, para representar Cabo Verde como administrador do Banco Mundial, está a gerar mal-estar entre sectores do MpD e no próprio Governo. Sobretudo porque, por mais importante que seja essa nomeação para o país, o processo não foi discutido em reunião do Conselho de Ministros, como se era de esperar em situações do tipo.
“O assunto foi levado ao Conselho de Ministros, mas Ulisses apresentou um argumento político de que o Harold teria que ser escolhido”, revela uma fonte do jornal A Nação, da edição desta quinta-feira, 27, que, entretanto, não quis entrar em mais pormenores sobre o “argumento político”.
Gilberto Barros: “Há unanimidade que o melhor candidato não foi escolhido”
Gilberto Barros, ex-Secretário de Estado das Finanças
Quem não ficou contente com a indicação de Harold Tavares e se manifestou inclusive, pedindo explicações, foi o ex-secretário de Estado das Finanças, Gilberto Barros. Num e-mail endereçado ao primeiro-ministro no passado dia 23, e que A Nação revelou nesta quinta-feira, Barros, a quem tinha sido prometido o lugar de administrador no Banco Mundial, desde a sua saída do Governo, em 2021, questiona UCS sobre a transparência e a objectividade da decisão tomada na selecção para o lugar de administrador no BM entregue a favor de Harold Tavares.
“Recebi várias chamadas sobre esta questão nos últimos dias. Há unanimidade que o melhor candidato não foi escolhido, e que a decisão não é objectiva nem defende os interesses de Cabo Verde e dos demais 22 países. Contudo, a pessoa escolhida pode ter qualificações e experiências pertinentes desconhecidas que poderão justificar a decisão e assim ficaria clarificado na sua resposta”, escreveu na missiva citada pelo semanário da Cidadela.
Gilberto Barros lembrou o post do VPM sobre a indicação do “melhor quadro para o BM” para constatar que esse compromisso público do Governo com o país “não parece ter sido cumprido com esta escolha que não é a melhor por haver no mínimo uma candidatura com: muito mais anos de experiência profissional (30 anos); muito mais experiência no Banco Mundial (18 anos) comparado com uma experiência de 0 ano no Banco Mundial do escolhido; conhecimento substancial de 15 dos 23 países que vão ser representados contra um conhecimento básico e limitado a pouco países pelo candidato escolhido; fluência total em Francês e Inglês contra ausência de fluência em Francês, a língua da maioria dos países representados”.
O antigo secretário de Estado lembra ainda que tem uma “maior capacidade demonstrada” de defender os interesses dos países, inclusive na mobilização de financiamentos. “Em resumo, tenho maior capacidade em cada um dos critérios relevantes para a função. Portanto, o escolhido tem menos experiência geral, muito menos experiência do Banco Mundial, muito menos conhecimento dos países que pretende representar, e menos capacidade em defender os interesses do país”.
Por isso, o antigo secretário de Estado das Finanças exige uma resposta de UCS questionando como é que Harold Tavares é o escolhido quando o Governo assumiu o compromisso de “ter o nosso melhor quadro”? Gilberto Barros disse ainda que trabalhou em 14 dos 23 países que Cabo Verde vai representar no Banco Mundial e que é “totalmente” fluente em inglês e francês.
“Enviei o meu curriculum vitae ao VPM após seus vários pedidos e com muita relutância porque não queria estar envolvido num processo que não seja justo, transparente, objetivo e não virado para escolher o candidato melhor qualificado. Não queria que o meu curriculum vitae fosse utilizado para dar uma impressão de transparência e de competição ao processo. Portanto, por eu ter participado neste processo que foi apresentado ao país para escolher a pessoa com as melhores qualificações, agradeço uma resposta clara para demonstrar de forma objectiva a superioridade das qualificações pertinentes da pessoa escolhida”, reivindica Gilberto Barros no e-mail ao PM.
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