
A neutralidade da Justiça é, para os pequenos Estados, uma questão de sobrevivência institucional. É ela que impede que o Estado se transforme num espaço de favores e retaliações. É ela que protege o cidadão comum do abuso de poder. É ela que garante que a política não se torne vingança, que os negócios não se tornem cartel, e que a sociedade não se divida entre “os de dentro” e “os de fora”. Uma Justiça cega é, no fundo, uma Justiça corajosa. Corajosa para dizer não ao poder, para contrariar expectativas sociais, para decidir segundo a lei mesmo quando isso é impopular. É esse tipo de Justiça que constrói Estados fortes, economias confiáveis e democracias maduras.
A "judicialização da politica" é um erro clássico, isto é, a intromissão excessiva do judicial na politica. Mas, por outro, também a "politização da justiça", no sentido da intromissão grosseira da politica sobre o judicial não configura um caminho eficaz e de confiança. Nos dias que correm precisamos acalmar e reencontrar a tranquilidade social e recuperar a confiança. E isso deve ser uma "cultura" institucional, não apenas um texto ou intenção.
É por isso, que a "praça" publica é inimiga da justiça. Por isso, ao longo de séculos se criou o "segredo" de justiça como pedra angular na investigação e instrução judicial. Por isso tambem, os procuradores e juizes não dão grandes entrevistas e não fazem sessões de investigação transmitidos live na Rádio e TV. A "pré-condenação" publica não tem base constitucional nem penal, e colide com a presunção de inocência.
Na justiça pura, dura e cega, importante é haver condenações ou absolvições (o resultado), não o anuncio publico da intenção de condenar.
A imagem da Justiça de olhos vendados é uma das mais poderosas metáforas da civilização jurídica. A sua origem remonta à Antiguidade clássica, especialmente à deusa romana Justitia (inspirada na grega Themis), símbolo da ordem, da lei e do equilíbrio social. Curiosamente, nas representações mais antigas, a Justiça não era cega. A venda nos olhos surge mais tarde, sobretudo a partir do século XVI, como um símbolo claro: a Justiça não deve ver quem está diante dela, mas apenas o que está diante dela, os factos e a lei.
Ser “cega” não significa ser indiferente ao sofrimento humano; significa ser imune a privilégios, pressões, relações pessoais, poder económico ou influência política. A venda simboliza a recusa de distinguir entre ricos e pobres, governantes e governados, amigos e adversários. A balança que a Justiça carrega lembra-nos que cada decisão deve resultar de ponderação, e a espada, que a lei deve ser aplicada com firmeza quando necessário.
Esta ideia é especialmente vital na política, nos negócios e na vida em sociedade. Onde a Justiça perde a sua neutralidade, nasce a arbitrariedade; onde perde a independência, instala-se o medo; onde perde a imparcialidade, morre a confiança. Sem confiança na Justiça, nenhum contrato é verdadeiramente seguro, nenhum investimento é estável, nenhuma eleição é plenamente legítima, nenhuma convivência social é duradoura.
Nos pequenos Estados insulares, esta exigência é ainda mais sensível. Em sociedades onde “todos se conhecem”, onde os laços familiares, sociais e políticos se cruzam diariamente, o risco de confundir proximidade com privilégio é permanente. Nestes contextos, a Justiça não pode apenas ser independente — tem de parecer independente. Não basta decidir corretamente; é essencial que a sociedade perceba que a decisão não foi influenciada por nomes, apelidos, amizades ou cargos.
A neutralidade da Justiça é, para os pequenos Estados, uma questão de sobrevivência institucional. É ela que impede que o Estado se transforme num espaço de favores e retaliações. É ela que protege o cidadão comum do abuso de poder. É ela que garante que a política não se torne vingança, que os negócios não se tornem cartel, e que a sociedade não se divida entre “os de dentro” e “os de fora”.
Uma Justiça cega é, no fundo, uma Justiça corajosa. Corajosa para dizer não ao poder, para contrariar expectativas sociais, para decidir segundo a lei mesmo quando isso é impopular. É esse tipo de Justiça que constrói Estados fortes, economias confiáveis e democracias maduras.
Quando a Justiça fecha os olhos às pessoas, abre-os para os princípios. E é assim, apenas assim, que ela cumpre a sua missão mais nobre: garantir que a lei seja um abrigo para todos, e não um instrumento de alguns.
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