PRRA: Um programa que morreu porque cumpriu o seu verdadeiro propósito?
Ponto de Vista

PRRA: Um programa que morreu porque cumpriu o seu verdadeiro propósito?

É altura de o Governo explicar - de forma clara e fundamentada - quais os critérios que justificaram o fim do PRRA e quais os mecanismos que pretende implementar para substituir o programa. O país não pode continuar a assistir, impávido, a uma governação que confunde o Estado com o partido e que descontinua políticas públicas conforme a conveniência eleitoral.

O término do Programa de Reabilitação, Requalificação e Acessibilidades (PRRA) após as últimas eleições autárquicas não pode ser visto como uma mera coincidência administrativa, nem tão-pouco como um ajuste técnico de prioridades governativas. O que aconteceu foi, isso sim, uma confirmação preocupante da forma como o Governo do MpD tem instrumentalizado recursos públicos para fins político-eleitorais.

Recordemos os factos: nas eleições autárquicas mais recentes, o PAICV conquistou 15 câmaras municipais, enquanto o MpD ficou reduzido a 7. Poucos meses depois, o Governo põe fim a um dos programas mais estruturantes e de maior visibilidade executados em parceria com os municípios. É legítimo — e até necessário — perguntar: porquê agora?

Durante anos, o PRRA foi apresentado como uma bandeira de desenvolvimento local, um instrumento de coesão territorial e de investimento em infraestruturas essenciais. Contudo, a súbita extinção do programa, precisamente após a clara vitória da oposição no poder local, sugere que os objetivos podem não ter sido apenas os proclamados. Muitos cabo-verdianos suspeitaram, e os últimos acontecimentos reforçam essa ideia: o PRRA serviu também (ou sobretudo) como veículo para que o Governo se mantivesse presente em obras municipais, garantindo visibilidade, influência e, potencialmente, dividendos eleitorais.

Se o PRRA era verdadeiramente um programa destinado ao desenvolvimento equilibrado do país, então não há razão plausível para o seu desaparecimento imediato após as eleições. Os problemas estruturais dos municípios não evaporaram, as necessidades de reabilitação urbana não diminuíram, e as populações não deixaram de precisar de investimentos. Pelo contrário — continuam à espera.

A atitude do Governo revela, portanto, duas coisas graves: 

1.    Um uso político de programas públicos, que deveriam servir os cidadãos e não as estratégias eleitorais do partido no poder.

2.    Uma falta de compromisso real com o desenvolvimento local, demonstrada pela facilidade com que abandonam iniciativas após perderem protagonismo nas autarquias.

Cabo Verde merece melhor. Os municípios merecem estabilidade programática e cooperação institucional séria. E os cabo-verdianos merecem transparência: merecem saber se os recursos do Estado foram utilizados para criar a ilusão de proximidade governativa, apenas enquanto isso servia os interesses do MpD.

É altura de o Governo explicar - de forma clara e fundamentada - quais os critérios que justificaram o fim do PRRA e quais os mecanismos que pretende implementar para substituir o programa. O país não pode continuar a assistir, impávido, a uma governação que confunde o Estado com o partido e que descontinua políticas públicas conforme a conveniência eleitoral.

Cabo Verde precisa de políticas que resistam às mudanças de ciclo, e não de programas que desaparecem no dia seguinte a perderem utilidade política.

Partilhe esta notícia

Comentários

  • Este artigo ainda não tem comentário. Seja o primeiro a comentar!

Comentar

Os comentários publicados são da inteira responsabilidade do utilizador que os escreve. Para garantir um espaço saudável e transparente, é necessário estar identificado.
O Santiago Magazine é de todos, mas cada um deve assumir a responsabilidade pelo que partilha. Dê a sua opinião, mas dê também a cara.
Inicie sessão ou registe-se para comentar.