Entre o discurso do sucesso e a vida que não melhora
Colunista

Entre o discurso do sucesso e a vida que não melhora

Se a pobreza extrema foi reduzida, por que razão tantos continuam a escolher entre comer e pagar a luz? Se a inclusão social é prioridade máxima, por que razão a precariedade se tornou regra e não exceção? Se o Estado protege, por que razão milhares vivem permanentemente dependentes de subsídios que não libertam, apenas administram a miséria? Chamam de vitória o alargamento do Rendimento Social de Inclusão a cerca de 43 mil famílias. Mas é preciso dizer, com frontalidade: política social que não emancipa é política de contenção, que aprisiona e humilha. Um país não vence a pobreza quando institucionaliza a sobrevivência mínima; vence quando cria condições para que as pessoas deixem de precisar do Estado para sobreviver.

Escrevo movido por uma indignação consciente, porque há um limite onde a paciência deixa de ser virtude e passa a ser traição. Não falo por partidos nem por bandeiras: falo como cidadão livre, jovem cabo-verdiano que se recusa a calar quando a realidade grita.

A minha palavra nasce da lucidez e do amor ao país, não do ódio nem da ambição. É o grito de quem vê promessas repetidas e vidas adiadas, de quem sente que o discurso oficial já não toca o chão onde o povo pisa.

A cidadania não se esgota no voto; ela vive na recusa do mínimo, na rejeição do conformismo, na exigência de dignidade. Esta escrita não é contra um partido, é contra a indiferença. Não é um projeto de poder, é um ato de defesa do país real.

Ser jovem em Cabo Verde, hoje, é transformar a palavra em resistência e o silêncio em ruptura. É escrever para não compactuar. É lutar para que sobreviver não seja o nosso destino final, mas apenas o ponto de partida para uma vida com dignidade.

Dizem-nos, com números na mão e discursos ensaiados, que a pobreza extrema caiu, que a inclusão social avança, que o Governo está a cumprir a sua missão histórica. Repetem percentagens como quem recita um mantra: de 22,6% para 10,3%. Mas o país real não se governa em gráficos. Governa-se em mesas postas, em rendas pagas, em empregos estáveis, em vidas que respiram dignidade.

Se a pobreza extrema foi reduzida, por que razão tantos continuam a escolher entre comer e pagar a luz? Se a inclusão social é prioridade máxima, por que razão a precariedade se tornou regra e não exceção? Se o Estado protege, por que razão milhares vivem permanentemente dependentes de subsídios que não libertam, apenas administram a miséria?

Chamam de vitória o alargamento do Rendimento Social de Inclusão a cerca de 43 mil famílias. Mas é preciso dizer, com frontalidade: política social que não emancipa é política de contenção, que aprisiona e humilha. Um país não vence a pobreza quando institucionaliza a sobrevivência mínima; vence quando cria condições para que as pessoas deixem de precisar do Estado para sobreviver.

Falam da Estratégia Nacional para a Erradicação da Pobreza Extrema até 2026. Estratégias não enchem panelas. Planos não pagam rendas. O que conta é o impacto concreto, sustentado e transformador. E esse impacto, na vida quotidiana de muitos cabo-verdianos, continua ausente.

Exaltam projetos de inclusão produtiva que abrangem cinco mil famílias. Mas e as dezenas de milhares de jovens qualificados sem emprego? E os trabalhadores informais condenados à instabilidade perpétua? E os pais e mães que trabalham a vida inteira sem nunca sair da linha da pobreza? Não se governa um país com projetos-piloto eternos enquanto a exclusão se massifica.

Celebram a isenção de propinas e taxas escolares, como se isso bastasse para garantir igualdade de oportunidades. Mas a escola, sem perspetiva de futuro, transforma-se em sala de espera para a emigração. Que sentido tem formar jovens para um país que não os absorve, que não os valoriza, que os empurra para o aeroporto como única política de emprego eficaz?

Anunciam aumentos de pensões de cinco para seis mil escudos e chamam isso de reforço da dignidade. Dignidade não se mede em migalhas corrigidas pela inflação. Dignidade é viver sem humilhação, sem medo do fim do mês, sem depender da caridade institucionalizada do Estado.

O problema não é a existência de políticas sociais. O problema é a sua elevação a propaganda de sucesso, quando a realidade insiste em desmenti-las. O problema é confundir mitigação com transformação. O problema é usar os pobres como prova estatística enquanto continuam presos à pobreza estrutural.

Este é o confronto que se impõe: governar não é gerir números, é responder à vida real. Não é suficiente dizer que o país melhorou quando essa melhoria não chega à maioria. Não é aceitável pedir mais paciência a um povo que já esperou quase uma década. Não é honesto chamar de inclusão um modelo que mantém tantos permanentemente à margem.

Às vozes do poder digo com clareza: a crítica não é ingratidão. É exigência democrática. Questionar não enfraquece Cabo Verde, fortalece-o. O silêncio, esse sim, é o maior aliado do fracasso político. À juventude reafirmo: não aceitem que normalizem a vossa precariedade. Não aceitem que vos ofereçam estatísticas no lugar de futuro. Não aceitem que transformem a vossa espera em virtude cívica.

Cabo Verde não precisa de discursos autocelebratórios. Precisa de coragem para admitir limites, corrigir rumos e romper com a política do mínimo aceitável. Precisa de um Estado que não administre a pobreza, mas que a combata nas suas causas profundas.

Denunciar, aqui, não é destruir. É recusar a mentira confortável. É afirmar que governar para vidas exige mais do que boas intenções e relatórios bem-apresentados.

Porque um país que se respeita não se contenta com sobreviver. Luta para viver com dignidade. E essa luta, hoje, começa pelo confronto político sério, frontal e sem medo.

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