Julgamento do recurso de Amadeu demorou uma hora só para as alegações. A cabeça dos juizes-conselheiros do TC vai fazer o resto
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Julgamento do recurso de Amadeu demorou uma hora só para as alegações. A cabeça dos juizes-conselheiros do TC vai fazer o resto

A audiência, na prática, serviu apenas para as partes exibirem as suas alegações em curtos 15 minutos cada. A defesa de Amadeu Oliveira suscitou, por exemplo, impugnação “a essa contradição e brusca alteração do entendimento do Tribunal Constitucional vertida no Acórdão nº 17/2023 que considerou que o Costume em uso na Assembleia Nacional já revogou o artº 148º da Constituição da República” e o Procurador-geral da República disse que este é mais um expediente de Amadeu para se ver solto por via do arrastamento e expiraçáo do prazo do seu processo, por isso pediu celeridade no seu julgamento. O Tribunal Constitucional vai agora apreciar os argumentos apresentados e tomar a sua decisão em data a anunciar. Como aconteceu – saiba aqui em relato cronológico.

10h03 – Com um atraso de meia hora, a sessão de julgamento por video-conferência começou pouco depois das 10h com o presidente do Tribunal Constitucional, José Pina Delgado, a dar as boas vindas aos intervenientes e ao limitado público assistente – afinal, a sala virtual foi predefinida para uma assistência de no máximo 100 pessoas e estava cheia, com muitos sem poderem entrar – e depois explicar a ordem dos trabalhos: apresentação do projecto de memorando (o recurso), as alegações da defesa do recorrente (Amadeu Oliveira) e do Ministério Público (pelo procurador-geral da República) e considerações finais pelo juiz-relator, João Pinto Semedo.

(Nessa altura muitos cidadãos queriam aceder à sala virtual, mas o numero limitado de 100 pessoas imposto para assistir à audiência impediu a sua participação. Na sala virtual, muito antes de a sessão iniciar já estavam quase 100 pessoas entre os quais Aristides Lima, juiz-conselheiro do TC, Dora Pires, deputada da UCID, José António dos Reis, analista político, ou Faustino Varela, ex-director central da PJ e actual presidente da Comissão Nacional de Protecção de dados, além de vários cidadãos interessados neste dossier e na causa defendida por Amadeu Oliveira, que, diferente do que lhe tinha sido prometido, à última hora não lhe foi permitido acompanhar o momento por decisão do director da cadeia de Ribeirinha)

10h08 – Coube então ao juiz-conselheiro relator, João Pinto Semedo, explicar que essa audiência surge na sequência de um pedido formulado por Amadeu Oliveira, que, “não se conformando com o disposto no Acórdão 137/STJ/2023 de 20 de Junho, bem assim como o Acórdão 138/STJ/2023 de 27 de Junho,  este último que negou provimento a um incidente que tinha apresentado relativamente ao acórdão anterior, ambos proferidos pelo egrégio Supremo Tribunal de Justiça no âmbito dos autos do recurso crime nº3/2023, veio interpor o presente recurso de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade em que suscita a insconstiotucionalidade e ilegalidade da resolução nº 3/X/2021 da comissão Permanente da Assembleia Nacional, que supostamente terá autorizado a detenção do arguido por violação do nº 1 do art. 148º da Consttuição da República, do art. 124º da CRCV, da alínea c) do artigo 135º do Regimento da AN, e por violação do art 12º do Estatuto dos Deputados”.

Pinto Semedo anotou ainda que Oliveira contesta “a constitucionalidade e legalidade do conteúdo prevista no artigo 158º do Código do Processo Penal, de modo a extrair uma norma segundo a qual o incidente de incompetência territorial deve ser suscitada até antes do início da audiência de julgamento, em vez de ser simplesmente até ao início da audiência, o que configura uma restrição do alcance do direito fundamental de ser julgado perante o juiz ou o tribunal natural da causa, consagrado no nº 10 do art. 305º da CRCV, restrição essa que o STJ fez por via da interoretação do artigo 158º do CPP, violando o disposto no nº 2 do art- 17º da CRCV”.

Segundo o juiz-conselheiro, Amadeu Oliveira considera inconstitucional e ilegal, “no conteúdo e alcance”, do estatuído “no nº 4 do art. 170º da CRCV de modo a extrair uma norma inconstitucional , segundo a qual o deputado somente tem direito ao foro privilegiado de responder perante o tribunal colectivo de juizes que integram o tribunal de segunda instância, ou seja, perante o Tribunal de Relação somente na fase de julgamento , mas não na fase de instrução e ACP, em que segundo a norma extraída pelo STJ em que pela via da instrução e ACP, o deputado responde perante um juiz singular e não por um tribunal com colectivo”.

João Pinto Semedo, nos seus 15 minutos de tempo utilizado, resumiu que o Tribunal Constitucional foi confrontado com quatro questões essenciais levantadas por Amadeu Oliveira: “1. há vício de constitucionalidade e legalidade da resolução 3/X/2021 de 2 de Junho da Comissão Permanente da AN, por violação do nº 1 do art 148º da CRCV, do art. 124º da CRCV e da alínea c) do artigo 135º do Regimento da AN, e por violação do art 12º do Estatuto dos Deputados?; 2. há vício de inconstitucionalidade de norma hipotética extraída do art. 158º da CRCV aplicada pelo STJ no sentido de o incidente de incompetência territorial poder ser questionado até antes do início da audiência de julgamento em vez de ser simplesmemte até ao início da audiência de julgamento, por configurar violaçáo ao direito fundamenta de ser julgado pelo juiz natural da causa?; 3. Há vício de inconstitucionalidade da norma hipotética aplicada pelo STJ no exacto sentido de que o deputado só tem direito ao foro privilegiado de responder perante o tribunal colectivo de juizes? 4. Há vício de inconstitucionalidade da norma extraída do art. 177º do CPP aplicada pelo STJ no exacto sentido de que o juiz/tribunal é livre de apreciar a prova produzida segundo a sua convicção ou preconceito, secundarizando ou ignorando a prova documental que por força do nº 1 do art. 225º do CPP possui força probatória plena, como se a livre convicção do julgador tivesse a maior força probatória que documento autêntico em desconformidade com o direito à presunção de inocência...?”

Ultrapassou ligeiramente os 15 minutos previstos.

10h25 – José Pina Delgado toma a palavra para lembrar que estabeleceu-se precisamente 15 mintos para as partes dissertarem sobre o prjecto de memorando, as questões prévias /ou o mérito do recurso, antes de passar o microfone para o mandatátio da defesa de Amadeu Oliveira neste processo, o advogado Amarílio Rocha.

10h26 – O advogado Amarílio Rocha, dirigindo-se directamente ao presidente do tribunal Constitucional, josé Pina Delgado, disse que “é com profunda tristeza que a defesa de amadeu oliveira vem acompanhando o comportamento e procedimento que esta corte constiotucional vem adoptando. Cumpre-nos dizer em breves palavras o seguinte: Excelência, no ponto aqui levantado que tem que ver com a inconstitucionalidade/legalidade da Resolução 3/X/2021 da Comissão Permanente da AN, cumpre a defesa tecer algumas considerações. Desde o interrogatório e declaração do arguido, o mesmo não cansou de invocar a inconstitucionalidade e ilegalidade dessa resolução. Em sede do acórdão condenatório nº 28/2022 proferido pelo Tribunal de Relação de Barlavento, datado de de 10 de Novembro de 2022, essa instância judicial veio alegar que há autorização para se deter o deputado fora de flagrante delito... (n.d.r alguns instantes imperceptíveis devido a cortes na transmissão)”

Rocha recordou que o artigo 148º da CRCV estipula em que circunstâncias o Parlamento deve autorizar a detenção de um deputado fora de flagrante delito, daí considerar que a Resolução da Comissão Permanente seja inválida e nula, com nesse referido artigo. “Por outro lado, nunca é demais dizer que o costume nunca poderia revogar ou restringir a liberdade, os direitos e as garantias fundamentais. Porque foi assim a jurisprudência proferida por esta corte desde Dezembro de 2017. Assim, suscita total impugnação da defesa a essa contradição e brusca alteração do entendimento do Tribunal Constitucional vertida no Acórdão nº 17/2023 que considerou que o Costume em uso na Assembleia Nacional já revogou o artº 148º da Constituição da República”.

Amarílio Rocha acrescentou, no que tange à incompetência territorial do tribunal da Relação de Barlavento que julgou Amadeu, que este estava a ser julgado por quatro crimes: “um crime de perturbaçáo do órgão STJ, alegadamente cometido na cidade da Praia punido com pena de até 8 meses de prisão; um crime de ofensa contra pessoa colectiva STJ, alegadamente cometido na cidade da Praia unido com pena até 8 meses de prisão; um segundo crime de ofensa contra a pessoa colectva STJ, alegadamente cometido na cidade da Praia punido com pena de até 8 meses de prisão; um crime de atentado contra o Estado de Direito, alegadamente cometido na cidade do Mindelo punido com pena de até 8 anos de prisão. Estandop em causa quatro crimes cometidos em espaços territoriais diferentes verifica-se uma situação de conexão de processo, devendo ser competente o tribunal onde tiver sido o crime mais gravde ou tiver tido o maior numero de crimes, que no caso seria o Tribunal de Relação de Sotavento e não o TrB. Entretanto o Tribunal de relaçáo de Barlavento assumiu-se como sendo o tribunal competende, usurpando a competência do Tribunal de Relação de Sotavento.”

Isso, no dizer do advogado Amarílio Rocha, impediu Amadeu Oliveira de ser julgado pelo tribunal natural da causa e, acto contínuo, de ter um julgamento equitativo e justo. E que por ter sido recusado esse direito ao Amadeu Oliveira, deu azo para o recurso ao STJ. “E o STJ, excelência, veio num primeiro momento dar razão ao arguido, porém veio dizer que o requerimento foi apresentado extemporâneamente, fazendo assim uma interpretação por forma a extrair uma norma inconstitucional do art 158º nº1 do Código do Processo Penal, em que alega que o recorrente deveria apresentar o seu requerimento antes do início da audiência e não no início da audiência. O que, no entender da defesa, consubstancia-se numa ilegalidade, ou seja, uma interpretação que nada tem que ver com o previsto no 158º do CPP e no art 372º do mesmo diploma”, apontou Rocha.

O mandatário da defesa de Amadeu Oliveira finalizou a sua intervenção registando que o crime de atentado contra o Estado de Direito é uma tipologia de crime que só pode ser cometido por titulares de órgãos de soberania, como um deputado por exemplo, mas com a ressalva de o crime ter sido cometido “no exercício de funções de deputado, por causa das funções de deputado, com desvio das funções de deputado, da violação dos deveres de deputado”.

Para poder condenar o recorrente (Amadeu) o STJ fez uma arbitragem inconstitucional de apuraçáo de prova (...) alegando arbitrariamente factos que nunca foram efectivamente provados. Na verdade, o princípio de livre apreciação da prova pelos tribunais, estatuído no art 177º do CPP não pode ser entendido como uma autorização genérica ilimitada para o tribunal fazer o que bem entender. Antes, os tribunais devem considerar o valor probatório dos documentos emitidos pelas entidades oficiais, presunção de inocência do arguido, nomeadamente o o in dubio pro reo, a experiência da vida comum, bom sendo e dever de fundamentação e clareza”.

Na opinião de Amaríliop Rocha, “O STJ não cumpriu esses elementos, tendo valorado a prova da maneira como acharam conveniente, violando todas estas regras predefinidas”. “Mas mais grave, excelência, como é possível decidir que o recorrente agiu na qualidade de deputado quando ficou provado, nomeadamente ver páginas 95 a 104 das nossas alegações. Infelizmente, há documento que requeremos a junção nos autos, mas Vossa Excelência, infelizmente, com o comportamente que tem de sarciar, com o devido respeito, a defesa..”

10h42 – José Pina Delgado avisa o advogado que tem de concluir por ter ultrapassado os 15 minutos

10h42 – “Sim, sim vou concluir. Pedimos que este tribunal, esta corte constitucional proceda de axcordo com a lei, proceda de acordo com os princípios que juraram cumprir e não da forma como está a fazer, sarciando cada vez mais o direito de um homem a permnecer na cadeia. Com o devido respeito fico por aqui”.

10h43 – O procurador-geral da República, Luis José Landim, atento na sala desde o início, começou logo a sua intervenção referindo à adequação processual desta audiência, isto é, que o julgamento é apenas sobfre a fiscalização concreta da constitucionalidade da resolução 3/X/2021 da Comissão Permanente da AN, pelo que, sublinhou, não se trata de um recurso de amparo.

“Tanto no Acórdão nº 128/2022, de 16 de Dezembro, objecto de impugnação através de recurso de fiscalização concreta do recurso ainda pendente neste Tribunal Constitucional, quanto no Acórdão 137/2023 de 20 de Julho, que foi confirmado pelo Acórdão nº 138/2023 de 27 de Junho, o recorrente entende que o objecto de recurso de fiscalização concreta nº 9/2023, o STJ teria interpretado e aplicado com sentido inconstitucional o seguinte seguimento da norma do artigo 158º do CPP. Este seguimento diz que salvo o caso de incompetência do tribunal em razão do território que deverá ser deduzida até ao início da audiência de julgamento na primeira instância. Ora, não se verifica qualquer identidade entre os dois recursos. O artigo 158º, na verdade, só foi aplicado no Acórdão 128/2022. Já no Acórdão 137/2023 não se fez a aplicação do art 158ª do CPP, nem se recusou a sua aplicação, precisamente por se considerar que trata de uma questão já ultrapassada”.

No entender do PGR, não há pois motivos para o recurso de fiscalização de inconstitucionalidade alegando a violação do artigo 158º do código do Processo Penal quando não se usou dele no Acórdão 137/2023, razão pela qual acredita que este expediente de Amadeu Oliveira visa somente arrastar o processo por tempo indeterminado até que expire o prazo de julgamento e provoque a soltura do arguido.

Segundo Luis José Landim, é desejo genuínio da PGR que este julgamento não seja suspenso. “Aguarda-se que este processo desfecho com decisão justa e com trânsito em julgado sobre a sua culpabilidade ou incência. É do mais genuíno interesse da Justiça que este julgamento não seja suspenso. Por isso mesmo o Ministério Público se opõe firmemente”, disse Landim, aos argumentos apresentados para este recurso, tanto que, reiterou, “não existe qualquer incosntitucionalidade na Resolução 3/X/2021 da comissão Permanente da Assembleia Nacional”, na medida em que o numero 4 “só se aplica para a autorização para a detenção” e não a resolução que suspenceu o seu mandato como deputado, que está a ser julgado pelo TC.

10h59 – O presidente do TC, Pina Delgado, encerra a sessão, informando que o colectivo dos conselheiros vai agora apreciar as alegações feitas e posteriormente emitir um Acórdão a respeito.

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine

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