Ex-governantes veem evolução positiva do país mas lamentam crispação e falta de união no parlamento
Política

Ex-governantes veem evolução positiva do país mas lamentam crispação e falta de união no parlamento

Ex-governantes de Cabo Verde visionam o futuro do país de forma positiva, mas lamentam a falta de consensos e crispação entre os dois maiores grupos parlamentares, considerando que esse tipo de comportamento “não leva a lado nenhum”.

Em entrevista à Inforpress, Carlos Veiga e Cristina Fontes, dos mais antigos governantes de Cabo Verde, manifestaram preocupação sobre um conjunto de problemas que se “repetem permanentemente”, o que, no seu entendimento, poderá impedir a evolução do país com a rapidez desejável.

Carlos Veiga, que cumpriu dois mandatos como primeiro-ministro de Cabo Verde na governação do Movimento para a Democracia (MpD), assinalou, por exemplo, que o país tem professores e enfermeiros a auferirem “rendimentos superiores” aos que tinham há três anos, o que, com certeza, vai marcar a vida deles.

Entretanto, acrescentou ainda que se paga mal aos médicos, não se formaram especialistas em número suficiente, e há tanto tempo que se anda a falar da construção do Hospital da Praia.

“Já chega. Temos que avançar para um hospital imediatamente. Esse tipo de coisas não pode acontecer”, comentou, analisando também a situação dos transportes marítimos e aéreos, cujas concessões, considerou, foram imbuídas de “muito boa vontade, mas as coisas não correram bem”.

“Se calhar as escolhas dos parceiros não foram as melhores. Ouviu-se toda a gente que se podia ter ouvido? Não. Conversou-se com as pessoas? Pediu-se a opinião sobre se seriam os melhores candidatos? Portanto, não há consenso… a ideia do consenso ou da concertação não está na nossa cabeça”, lamentou.

O ex-governante, para quem em termos políticos “as coisas às vezes saem ao contrário” daquilo que se prevê, associado à falta de consensos, analisa, entretanto, que o país está a fazer um caminho de andar para a frente, não se calhar com a velocidade que devia.

“Não estamos unidos. O nosso capital humano não está de acordo, não está concertado sobre um conjunto de coisas. Estamos num diálogo de surdos”, observou, comparando a outros países insulares como Cabo Verde, nomeadamente Maurícias, mas que estão a um nível de desenvolvimento muito superior.

“Não é que sejam melhores do que nós. É de a gente se concertar, chegar ao entendimento, para fazermos as coisas avançarem. Se cada um pensar que só ele tem a verdade… está mal. Nós temos que ter um país que avance com consensos, não há outra forma. Mas, os actuais grupos parlamentares não conseguem chegar a entendimento em praticamente nada. Isso é preocupante”, concluiu.

Também, Cristina Fontes, o único membro do Governo que durou 15 anos com José Maria Neves na governação do país, suportado pelo Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), disse que são “evidentes os avanços e o desenvolvimento” de Cabo verde, mormente comparado com os países vizinhos da CEDEAO, independentes desde os anos 60, mas não avançaram como Cabo Verde, que dispõe de muito menos recursos.

“Portanto, devemos valorizar isso e conseguir ser mais tolerantes. Cabo Verde é um país pequeno, é uma sociedade de conhecimento. Gostaria que houvesse menos crispação, que as pessoas fossem mais tolerantes, haver mais profissionalismo, mais capacidade de ouvir e respeitar o outro”, exteriorizou.

Segundo a mesma fonte, houve sofrimento em todo esse percurso, na Primeira República, Segunda República, pelo que há que ter a capacidade de reconhecer e compreender isso e evitar criar níveis de crispações, considerando o outro “ditador e que deve pedir desculpas”, por exemplo.

"Mas não fazer disso uma base para a vida. A gente conseguisse ter um outro tipo de relacionamento, uma relação menos crispada, e conseguir, também, reconhecer que o outro tem alguma coisa a contribuir. Pudéssemos ver em conjunto, ter capacidade de melhorar e resolver o problema das pessoas a todos os níveis”, desejou.

“Porque temos competência para ir muito longe. Se a gente continuar nesta direcção de insultos, gritaria, falar mais alto e de destruir o outro, que é perfeitamente ridícula e não tem futuro… não vai a lado nenhum. E depois, é tão fictício, porque quando chega a morte da mãe de um de nós, toda a gente está lá, as pessoas esquecem-se dessas coisas. Então, vamos ser mais autênticos e mais humildes”, exteriorizou a ex-governante.

Considerando os desafios do país, Cristina Fontes referiu que vale tentar acompanhar a governação com críticas, mas críticas construtivas e propostas de melhoria.

“Não se resolve tudo de uma vez, mas podemos conseguir muito mais, ter um futuro melhor do que tivemos agora. Acho que temos as condições de o fazer. Nós tivemos o nosso percurso. O que pudemos fazer de mal ou bem está feito. Acredito sempre que cada geração pode pegar num testemunho, continuar e fazer diferente. Este país pode ir muito longe”, finalizou.

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