Eliseu Sambú, coordenador do departamento de comunicação da Associação de Estudantes da Guiné-Bissau em Lisboa (AEGBL) disse à agência Lusa que os alunos estão a ser impedidos de entrar “devido à falta de um documento, um termo de responsabilidade, que é o comprovativo de que há uma pessoa que vai receber o estudante e será responsável por ele em Portugal, quer em termos de propinas, como de alojamento ou alimentação” – um documento que não foi solicitado aquando dos pedidos de visto. O caso aconteceu na última sexta-feira.
O que está em falta é "o comprovativo da existência de meios de subsistência", em Portugal, diz o responsável pela comunicação da AEGBL. Segundo Eliseu Sambú, "familiares de alguns alunos já estão a tentar resolver a situação", esperando-se que, nesta segunda-feira, 01, o advogado da associação "tome conta do caso no sentido da sua resolução".
As críticas são também direcionadas à Embaixada da Guiné-Bissau em Lisboa, que "tem falhado com os estudantes", diz Sambú, esclarecendo que a associação tem enviado e-mails à representação diplomática, “mas a resposta tem sido o silêncio”, o que obrigou a AEGBL a “assumir a responsabilidade que é da embaixada”, e estranhando que todos os estudantes retidos tenham o respetivo visto, sendo que na ocasião não lhes foi pedido o termo de responsabilidade. "Não foram pedidos os termos de responsabilidade para a emissão dos vistos", salienta Eliseu Sambú.
Relações tensas
A verdade é que as relações entre Portugal e a Guiné-Bissau atravessam o seu momento de maior tensão desde a independência daquele país africano. A guerra surda, outrora feita de pequenas fricções, parece agora assumir os contornos de um corte estrutural nas relações de meio século que unem os dois países.
Mas o principal elemento a ter em conta é que, em contramão ao que acontecia em governos portugueses anteriores, o atual executivo de Luís Montenegro parece estar refém da pressão da extrema-direita.
O recente episódio envolvendo o impedimento da entrada em Portugal de seguranças presidenciais guineenses portando armas, algo que em outros tempos teria sido resolvido com pragmatismo diplomático, funcionou como detonador de uma cadeia de represálias e desconfianças.
Esse incidente mereceu, aliás, resposta imediata da Guiné-Bissau - silenciando e expulsando a RTP e a Lusa -, e acentuou a crise das relações diplomáticas entre os dois países.
Agora, com mais este incidente anunciado pela Associação de Estudantes da Guiné-Bissau em Lisboa, revela-se não apenas um endurecimento administrativo, mas também um grave sintoma político. Quando estudantes são tratados como potenciais “ilegais” em vez de futuros quadros da lusofonia, Portugal envia um sinal de hostilidade e de desvalorização das suas próprias relações históricas.
Extrema-direita rejubila
Ironicamente, este incidente remonta-nos para uma imagem captada em abril deste ano, aquando do encontro entre o presidente da Guiné-Bissau, Umaru Sissoco Embaló, com o líder da extrema-direita portuguesa (e a pedido deste), com os dois a mimosearem-se mutuamente com os maiores encómios.
Este incidente com os estudantes guineenses deverá estar a provocar o júbilo do Chega e de Ventura, que fragiliza a ligação de Portugal a países de língua portuguesa (principalmente africanos). Paralelamente, o governo PSD/CDS, liderado por Luís Montenegro, parece hesitar entre a vertiginosa tentação de agradar à extrema-direita, visando ganhos eleitorais imediatos, e a responsabilidade de governar um país com vocação histórica para o diálogo intercontinental, ponde em causa as relações com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa /CPLP).
Futuro da política externa portuguesa posto em causa
Em um mundo multilateral - com os parceiros europeus de Portugal, como a Espanha, a França e a Grã-Bretanha, mas também as novas potências emergentes, a disputarem influência em África -, as consequências da notória alteração da política externa portuguesa no que respeita às relações com os seus parceiros da comunidade lusófona só poderá sair cara e duradoura. Sem relações sólidas com a Guiné-Bissau, Moçambique, Angola ou Cabo Verde, outros Estados mais ágeis ocuparão o espaço deixado vazio.
Ao submeter-se ao discurso excludente da extrema-direita, o governo de Montenegro arrisca-se a hipotecar décadas de cooperação, em que Portugal se apresentou como ponte entre a Europa e África, desperdiçando capital político, económico e cultural em troca de incompreensíveis cálculos eleitoralistas, que não será facilmente recuperado, apresentando-se como erro estratégico e mesmo traição ao seu próprio legado.
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A equipa do Santiago Magazine