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Editorial. AdS, uma empresa imprópria para consumo?
Editorial

Editorial. AdS, uma empresa imprópria para consumo?

Tal como o líquido que vende, a empresa Águas de Santiago (AdS) precisa urgentemente tornar-se potável. Já nem os donos da empresa (Câmaras Municipais) se entendem: enquanto Clemente Garcia, autarca de São Domingos que preside a associação dos Municípios da ilha, nega sequer a existência do relatório das Finanças, Beto Alves, edil de Santa Catarina e presidente da Assembleia Geral da AdS, assume o documento e anuncia mudanças na administração da empresa. Caricato, não?

Cabo Vede deve ser o único país do mundo onde, contra factos, há recorrentemente argumentos. Aqui, perante factos verificáveis e verificados, levantam-se vozes, quais guardiões do templo, para argumentar e tentar testemunhar o contrário, lançando mão de artifícios dos mais vis e indignos.

Cabo Verde é um país cínico, onde o culto de personalidade atinge níveis intoleráveis e a hipocrisia modela comportamentos e atitudes, dir-se-ia uma enfermidade sistémica e colectiva.

Vem isto a propósito do funcionamento da empresa intermunicipal Águas de Santiago (AdS), e das notícias divulgadas nos últimos dias por Santiago Magazine, onde este diário digital divulga factos verificáveis e verificados, testemunhados por documentos, declarações de responsáveis nos órgãos de comunicação social e diplomas legais em vigor no país.

No entanto, os guardiões do templo - muitos alimentados com o dinheiro de todos os cabo-verdianos para precisamente defenderem o interesse colectivo - ao invés de investigar os factos divulgados pela imprensa, armam-se de todos os argumentos e artefactos para atacar e intimidar o mensageiro e destruir o carácter e a imagem deste, numa tentativa de descredibilização fadada ao fracasso, porque firmada sobre o pântano do fingimento e do engano.

Santiago Magazine não se intimida e nem se cala perante qualquer atitude dos seus algozes, conhecidos ou não. Vivemos num país democrático. Aqui impera o direito e jamais os interesses individuais ou de grupos.

As instituições públicas regem-se por leis e estas são universais. Ninguém é mais cidadão do que o outro. Todos são iguais perante a lei, sem subterfugio e qualquer outro arranjo circunstancial.

Vamos aos factos. O relatório da Inspecção Geral de Finanças (IGF), cujo conteúdo o Ministério das Finanças diz ter divulgado na sua página oficial desde 3 de Novembro, traz informações importantes sobre a gestão da AdS, mas poucos se dão ao trabalho de averiguar, porque o que se pretende é atacar Santiago Magazine, intimidá-lo e descredibilizá-lo junto dos leitores.

Ora bem, o presidente da Associação dos Municípios de Santiago, Clemente Garcia, vai à comunicação social no dia 22 de Novembro, afirmar que desconhece o relatório de inspecção realizada na empresa AdS, porque este ainda se encontra em execução. Como é possível uma coisa destas, se o próprio Ministério das Finanças já tinha publicado o relatório desde 3 de Novembro?

O administrador da AdS aparece várias vezes na comunicação social a afirmar, num certo momento, que não houve inspecção à empresa, que não está prevista nenhuma reestruturação interna, e que tudo vai de vento em popa na empresa.

Entretanto, o presidente da Assembleia Geral dos accionistas dão uma conferência de imprensa a seguir onde não só admite problemas a nível da gestão da empresa, mas também fala de reestruturação interna e outras medidas de gestão para corrigir eventuais falhas de gestão, detectadas no referido relatório, e colocar cada coisa no seu lugar. O posicionamenro de Beto Alves evidencia uma certa dissintonia na AMS em relação à AdS. Parece claro que há autarcas que queriam manter tudo camuflado na AdS, ainda que com prejuízos para o Estado. Tanto assim é que na conferência dos accionistas que assumiram a má gestão na empresa apenas apareceram os presidentes de CM de Santa Catarina, de Santa Cruz, Carlos Silva, e de São Salvador do Mundo, Angelo Vaz.

Com efeito, se essa contradição veio parar cá fora, imagine o que lá dentro, nas reuniões da AG da AdS, e da AMS, se estaria a passar. 

O relatório de inspecção dá conta de uma empresa a funcionar de forma anárquica, amadora e desfocalizada da sua missão e objectivos. Uma empresa que trabalha sem os instrumentos de gestão – os orçamentos e os planos de actividade. Uma empresa que adquire bens e serviços sem qualquer plano de aprisionamento, sem qualquer pesquisa de mercado, sem concurso; emite cheques ao portador para fazer compras; viola sistematicamente o regime jurídico das contratações públicas, com compras de bens e serviços em mais de 50 mil contos, quando a lei estabelece um tecto até 3 mil e 500 contos; aceita empresas em concurso, com propostas fora de prazo; abre concurso sem programa, cadernos de encargo, prazos ou contratos; paga trabalhos a mais sem qualquer avaliação ou contrato adicional; irmão contrata irmão; e decisões tomadas por órgãos próprios são deturpados no processo de aplicação. E perante todos estes factos, verificáveis e verificados, quem é o vilão é Santiago Magazine, só porque divulgou a informação, no exercício da sua função de serviço público de comunicação social. Um jornal que, diga-se em abono da verdade, não vive pendurado às tectas do Estado, mas sim do esforço dos seus profissionais e dos recursos dos seus accionistas de diferentes sensibilidades políticas, mas sem qualquer cunho partidário.

Enfim, muitas decisões tomadas, por exemplo, por Francisco Tavares, enquanto presidente da AG dos accionistas, são nulas, porquanto tomadas fora do quadro das suas competências. Quem o diz são os inspectores da IGF. Estes actos, sendo nulos, não produzem quaisquer efeitos, independentemente de declaração de nulidade. Neste caso, os salários e subsídios de renda de casa, de combustível, de alimentação, de comunicação atribuído por Tavares, usurpando uma competência da AG, são nulos. E se são nulos resultam em avultados rombos aos fundos públicos, que são infelizmente alimentados com os impostos de todos os cabo-verdianos.

E assim as contradições dos principais protagonistas deste dossier – Clemente Garcia, presidente da Associação dos Municípios de Santiago, Vital Tavares, administrador da AdS, Olavo Correia, ministro das Finanças, e Beto Alves, presidente da AG dos accionistas da AdS - no espaço público, com os sucessivos jogos de palavras, da hipocrisia e do cinismo, vão sendo descobertos paulatinamente.

Como diria Scolari, “E o bobo sou eu?!”

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Redação