I
Liberdade, democracia, amizade
Preso pela sua própria propalada liberdade formal e pela sua democracia de gabinete às liberdades e democracia da vida e das gentes! Espaço à Claridade[1] não é mais do que o espaço à liberdade, à democracia e à amizade vividas todos os dias e neles praticadas. Não são meras discussões formais ou de apresentação da melhor forma literária sobre as questões, em busca do melhor arranjo intelectual, tal um arranjo floral[2].
Esses exercícios, essas dissertações guardo-as eu para o meu gabinete laboratorial. Para as minhas experiências que poderão até ser científicas. Sendo científicas e sendo úteis à generalidade das pessoas, é meu dever moral - quando não é também dever profissional, científico, social e cultural – oferecer, partilhar o resultado dessas descobertas do intelecto, da razão e também do espírito. Hoje o Mundo e as pessoas pedem não apenas a revelação obrigatória e sistemática das verdades científicas e morais, mas acima de tudo exigem a sua prática, a sua constatação “in loco”, a sua aplicabilidade e seu desenvolvimento de facto. Constato que, no entanto, para que as coisas aconteçam dentro de alguma normalidade, aceitabilidade, razoabilidade e equilíbrio é necessária sempre a boa-fé praticada nas condutas, não apenas por palavras. A boa-fé jurídica, a boa-fé social, a boa-fé ética, a boa-fé política, consoante o enquadramento ao nosso sistema, dos usos e bons costumes e da moral que, por sua vez, levam-nos à nossa condução prática.
Será, pois, o Código Civil português, o bastião, o propugnáculo da boa-fé, do Instituto da Boa-Fé. O CCP será o instrumento por excelência do conhecimento científico jurídico, instrumento de regulação, de ponderação e de referência e modelo que afirma-se por todo o universo falante da língua portuguesa. Está assim presente em praticamente todos os setores da vida social, económica, financeira, administrativa, política e cultural, pública e privada, de todas as sociedades de Razão Latina. Pelo que quem não pautar a sua conduta pela boa-fé poderá estar a agir com culpa. Esta, por sua vez, pode revestir diversas modalidades. Pode ela ser dolosa ou negligente, civil ou penal, grosseira ou grave, simples e inconsciente, má ou boa (dolus bonus/dolus malus)… Temos ainda aquela culpa que procura esquivar-se, meter-se numa zona sombria, pretendendo ela morrer solteira. Pois, julgo que não! Mesmo que a culpa consiga passar incólume por entre as malhas do jurídico e da lei, ela nunca passará por entre as malhas do social, do ético e do político. Ela torna-se imediatamente reconhecível e presente, como uma nódoa que se cola a um alvo, cândido e limpo tecido da mais alta nobre linhagem. É sempre identificável a sujidade, a culpa, de modo a permitir o julgamento que é sempre mais severo que o julgamento do jurídico-judicial, civil (cível) e penal. O julgamento não judicial difunde-se, defere-se, alastra-se paulatinamente pelo tempo e pelo espaço. É o julgamento social, ético e político, bem como a respetiva condenação, sempre integrados (julgamento e condenação), de acordo com o nosso sistema de valores filosóficos, morais e humanistas que são o substrato, o fundamento das nossas sociedades, das nossas vivências e convivências. Logo, a boa-fé é importantíssima no relacionamento humano, sendo que a falta dela deve imediatamente ser identificada e destacada da normalidade e generalidade das pessoas.
A língua portuguesa sendo em si própria ambígua e redundante, julgo que por mais exercícios intelectuais e de jogos de palavras que se façam a boa-fé jamais tomará o mesmo significado de má-fé, seja em que sistema não pervertido e perverso for.
Os valores transmitem-se. Transmitem-se e são adquiridos na família, na Escola, na Academia e no grupo (partidos políticos ou movimentos “revolucionários” para a independência, por exemplo). Por fim, a sociedade é transmissora e adquirente de valores simultaneamente.
Ora, a liberdade, a democracia e a amizade mais do que exercícios intelectuais são práticas humanas no seio das sociedades. Julgo, pois, que há espíritos humanos que deveriam ficar presos à sua própria liberdade formal e democracia de gabinete. Devem sim permanecer enjaulados, pois incapazes são de livrar-se, libertar-se do livre arbítrio irresponsável das suas experiências ou ausência delas. Contudo, presos, encarcerados ao sistema de valores morais, filosóficos, humanistas e práticos da liberdade, democracia e amizade. São espíritos a repreender e a reprovar, obrigando-os novamente a estudar, repetindo todo o percurso familiar, escolar e académico. Repetição de modo a reaprenderem e a assimilarem devidamente o que já devia ter sido aprendido e interiorizado até à medula. Até lá não podem ser autores práticos dos valores (eventualmente nem formais) que os viram e os fizeram crescer. Devem permanecer presos à aprendizagem do conhecimento do que é a liberdade, democracia e amizade, em todas as suas nuances, vertentes, com as decorrentes consequências da vida de uma sociedade livre e democrática no seu quotidiano.
São espíritos a denunciar! Prendê-los à Liberdade! Pelo que não atuando ficará toda uma Comunidade presa ao irresponsável livre arbítrio daqueles, ao seu mundo daninho e pernicioso de estar e fazer a vida. Pela sua inata incapacidade de trazer à vida real das pessoas toda a copiosa discussão laboratorial que aqueles encetam, momentos há da vida, contudo, que conseguem, por artes sofistas e do ambíguo palavreado, convencer o povo de que as suas palavras atuam sobre a vida das pessoas, apenas pelo dom acústico de suas vozes expelidas ao vento, sem necessidade de haver ação concreta, aplicação e condução efetivas.
Aqui podemos afirmar que está ausente a boa-fé. Caso seja negligência, descuido, distração, falta de observação do dever de cuidado ou mesmo a negligência INDIGENTE, devemos alertar para a sua correção ou mesmo impor a correta conduta.
II
50 Anos do Código Civil português
60 Anos do Dialecto Crioulo de Cabo Verde
Baltasar Lopes da Silva
A norma jurídica é constituída pela previsão, estatuição e coercibilidade, sendo que numa norma jurídica nem sempre é necessário existir o elemento coercivo, julgo eu, ressalvando outra e mais douta opinião.
Todavia, penso que no plano social, ético e político a coercibilidade existe de modo diáfano. Ela está sempre presente quando a previsão e estatuição das suas caraterísticas normas e regras não se cumpram. Em certos casos, está nobre, educada e discretamente presente, fortemente atuante, qui ça, penalizadora! A sociedade tem modos e formas de reagir aos desvios à norma e à regra e às suas violações que, ao primeiro olhar, podem parecer incoerentes ou contraditórios: ou isola, ou reintegra, mediante um plano de reintegração/ressocialização e de reassumpção aos cânones normais, comuns do social equilibrado e normalizado, para assim eliminar ou minimizar o alarme social causado a toda uma Comunidade e sociedades.
Se hoje celebramos os 50 anos do Código Civil português, o propugnáculo da Boa-Fé, também podemos pensar o ano de 2017 como o ano da celebração dos 60 anos da publicação do “Dialecto Crioulo de Cabo Verde”, da autoria de Baltasar Lopes da Silva (M.CM.LVII). Obra de grande fôlego e profundidade científicas, como também é um instrumento de trabalho[3]. Trabalho e Obra científico-linguística de grande importância, de grande valor para Cabo Verde e não só, como para todo e qualquer cabo-verdiano. Verifica-se, porém, que foi sempre desprezado, maltratado e desrespeitado por todas as autoridades daquele país. Uma obra científica única em Cabo Verde, como por todo o espaço falante da língua portuguesa, que foi votada ao esquecimento e ao lixo. A Obra como o Autor foram sempre sistematicamente objeto da má-fé de certos, mas bem determinados e identificados indivíduos, desde Salazar, seus chupa-galhetas, lacaios e sequazes, até ao presente momento histórico, igualmente com seus chupa-galhetas, lacaios e sequazes. Má-fé jurídica, social e política! Quase diria em linguagem atual de computador que houve um copy/paste entre o então regime fascista e o atual regime que controla Cabo Verde, desde 5 de Julho de 1975.
O princípio normativo[4] que nos impõe a boa-fé nos relacionamentos humanos, a agir de boa-fé, foi flagrante e evidentemente violado em Cabo Verde! Há culpa e há culpados. A coercibilidade ainda não atuou, não funcionou. O Código Civil – trabalho jurídico-científico - está em pleno vigor há 50 anos, com as suas necessárias, coerentes adaptações. O “Dialecto Crioulo de Cabo Verde”, trabalho científico-linguístico com 60 anos de existência ainda não produziu os efeitos que há longa data já deveria ter começado a produzir. Talvez por ter-se denegrido, desprezado e dado como inexistente aquela obra de ciência, bem como o pensamento do seu autor.
O Trabalho científico de Baltasar Lopes da Silva, sendo de caráter linguístico, histórico e cultural, deve estar disponível a qualquer pessoa, a qualquer estudante para o consultar, estudar, analisar, aprofundar e desenvolver o muito e bom conhecimento que aí encontra-se plasmado.
Na verdade, ouso até dizer que as sociedades, as suas gentes, as suas forças vivas e atuantes têm modos muito genuínos, surpreendentes e inesperados de compelir ao cumprimento do que deve, imperativamente, ser cumprido. Os modos de acautelar o respeito pela sociedade, fazendo acatar as suas normas e regras, passam pela regulação, prevenção e/ou repressão. Procura-se regular as relações humanas, como igualmente prevenir o surgimento de comportamentos desviantes. Sendo muito perturbador, assustador e intolerável o alarme social causado ou a causar, que coloca em crise perigosa os fundamentos da própria Educação moral, social, cultural e jurídica das sociedades ou da grande Comunidade, há que tomar medidas preventivas de grande profundidade filosófica, jurídica, cultural, histórica e social, de modo a aglutinar ou fazer diluir a instabilidade causada ou que vislumbra-se poder vir a acontecer (ou já acontece).
Requer o grande manejo da arte da Política, da Ciência Política, do Direito e da Diplomacia. Requer-se o apelo ao conhecimento científico, às Academias. Apela-se às sociedades, aos povos! Há que travar a abominação! Nem que seja pintá-la de rosa (para não ser dramático), até outra reencarnação. Imagine-se Portugal sem o código civil! Mas nada como uma douta e brilhante aula de Direito, proferida por brilhante e douto Professor Doutor em Direito, para nos explicar as origens do Código Civil, a razão científica da sua elaboração e existência, como também voltar a recordar-nos a BOA-FÉ!
José Gabriel Mariano, Lisboa, 26/11/2017
[1] Espaço à Claridade
I
Deixem-me sair do meu ninho
Minha asa de voar já cresceu
Mas deixem-me sair sossegado
Ir em paz
Equilibrado
Estabilizado no voo do meu sentimento
Confiante na sanidade da minha Casa
II
Aquele nosso antepassado cultural
Aportado do Oriente
De corpo navegado
De pé ancorado
Deu forte nas Ilhas
Marcou seu ancoramento
Antes da partida regressada
Antes das velas lançadas
Para espalhar aos oito cantos
-ao canto nono também?-
Conservando conservado
Tesouro
Quando o tempo
Claro e distinto
Exigir o espaço
Aberto e sereno
À Claridade
III
A ideologia vazia de ideal
Vazia de pensamento idealizado
Matou a pessoa
Arruinou o cérebro intelectual
Na ditadura da diretora classe
Indissolúvel
Não se miscigena
Indigesta
Quis até esconder
Tapando o surgimento do sol a este
Não quis que olhássemos todas as manhãs
O amanhecer da claridade do dia
Quis quebrar a filosofia de um povo
IV
O que é oficial
Deve ser oficioso
E do povo emanado
Irei em paz
Sim
Partirei sossegado
Quando o tempo
Exigir o espaço
À Claridade!
Raphael d’Andrade
[2] Por vezes, os arranjos florais podem assemelhar-se a desarranjos intestinais…
[3] Atualmente omitido e retirado de circulação pelas autoridades de Cabo Verde.
[4] Por exemplo: “Toda a relação humana deve basear-se na boa –fé das partes”.
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