Entrelinhas

Imaginem olhar para uma foto ou um vídeo e ter a clara perceção de que foi tudo ensaiado: a chegada do grande homem, os abraços do povão, as camisolas previamente distribuídas…

Abraão Vicente - também conhecido por Comissário do Governo, vulgo Corpo Rixu -, seguramente mal assessorado, repescou uma narrativa muito usada no período colonial, aquando das visitas ao arquipélago dos altos dignitários do regime fascista: eram sempre recebidos pelos indígenas com manifestações espontâneas de afeto, entre sorrisos e abraços…

Na sua incursão pelos bairros cá da tapadinha, Corpo Rixu passa em correria, sem se fixar muito na meia dúzia de pessoas à sua espera, tão-pouco, dizer ao que vem e para onde vai. Para aqui e ali, ostenta o cabedal bem tratado e levanta uns pesos, porém, sem perder muito tempo.

Saído da pasmaceira do seu lar, cansado dos vídeos (também espontâneos) feitos diretamente do sofá, Abraão percorre cutelos e ladeiras com a velocidade ciclópica de quem não tem muito para dizer, relembrando a elegância dos gabinetes de governante, o ar condicionado, e sonhando um dia poder regressar às comodidades e prebendas… após despir a personagem de “candidato popular”, livrar-se da canícula deste verão e do cheiro a suor dos indígenas…

Corpo Rixu, percebe-se em cada correria pela cidade, está sem norte, condicionado pelas manifestações espontâneas organizadas pelo aparelho do partido, onde, seguramente, terá alguns inimigos de estimação, porque a estratégia de campanha é só tiros nos pés e disparates.

Sentado no sofá e calado, Abraão haveria de ter mais sorte. Sempre que abre a boca, instala-se o caos… O candidato é, cada vez mais, um corpo mole.