SOBRE O FALAR INGLÊS DO DR. ULISSES CORREIA E SILVA. O olhar técnico e uma explicação simples
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SOBRE O FALAR INGLÊS DO DR. ULISSES CORREIA E SILVA. O olhar técnico e uma explicação simples

A polémica gerada à volta do falar inglês do Dr. Ulisses Correia e Silva, ora desempenhando as funções de Primeiro Ministro, acontece por várias razões, entre si excludentes, e que levam por vezes a um nível pouco razoável de debate. Não interessa a ninguém que uma entidade pública seja exposta, mas entendemos que, devido à nossa história de nação e às peripécias pelas quais passou o nosso sujeito linguístico, na formação do sujeito nacional, as questões à volta da língua trazem sempre à baila o lado emocional desse sujeito _ que se deixa levar por exacerbações de linguagem, umas no sentido valorativo, outras no sentido depreciativo. Algumas dessas reações, ao nível do preconceito linguístico de várias origens, encontram corpo em questões que pouco têm a ver com a língua em causa e engordam outros debates que teriam lugar, mesmo que os fatos linguísticos não tivessem existido. Explicando piamente, o episódio em questão é usado por diferentes análises de posições radicalmente diferentes, pela mesma razão: são o combustível para as posições que os falantes e “defendentes” das línguas tomariam se as questões fossem outras; de tal forma que, em Cabo Verde, ou para os cabo-verdianos, até este momento, nunca se fez um debate público à volta das línguas em que reinasse a serenidade e a razão. As línguas têm sido usadas, quando os debates são exacerbados, como tema-pretexto para se esgrimirem argumentos (e às vezes até insultos) que teriam tido lugar, mesmo que os temas fossem outros. Não fosse isso verdade, não teria havido tanta polémica à volta do episódio em que o antigo Primeiro Ministro utilizou a língua cabo-verdiana na Sede das Nações Unidas. Se compararmos os argumentos das mesmas pessoas, nestas diferentes situações, entenderemos quão irracionais são as posições. Infelizmente, o resultado deste tipo de debates em que as línguas são temas ou pseudo-temas, na nossa realidade socio-linguística, tem sido negativo. E “quem” menos ganha são as próprias línguas.

O OLHAR TÉCNICO

Interessa a um linguista e a um professor de línguas esclarecer que os argumentos usados pelos comentários de diversa ordem não são convergentes, e nunca poderiam ser, porque os critérios de análise são diferentes e, muitas vezes, antagónicos: não se exige do falante não-nativo a mesma proficiência do falante nativo; não se exige de uma figura pública a mesma atitude de um cidadão comum; não se exige de um ser humano, em ambiente de convívio e descontração (mesmo que ele seja uma figura pública), a mesma postura que num evento cuja pauta diz “Formal”.

Para bem analisar, cada um de nós teria que saber: em que circunstâncias ou contexto, com que fim ou intenção comunicativa, e ocupando, como emissor, qual lugar de fala e tendo, como receptores, que tipo de ouvintes… Enfim, dos seis elementos de comunicação, segundo Jackobson, se não tivermos a informação de apenas um deles, teremos a nossa análise condicionada. No caso em apreço, o contexto (pauta do evento, o que antecedeu a fala do Dr. Correia e Silva e com que fim ele terá feito uso da palavra, em seu nome próprio ou em representação do Estado…) não está claro no vídeo. Assim sendo, as análises são, do ponto de vista técnico, análises parciais. Pois analisam apenas a materialidade da língua, de forma incompleta. Então ficamos na base do “eu concordo” e “eu discordo”. “Se fosse eu seria assim/assado”. Opiniões! Até aqui, cada um “na sua”. Direitos protegidos pela sociedade de direito democrático: “Eu acho, logo digo”.

I love your accent (Adoro o seu sotaque)

Para um falante de língua estrangeira, que se considera um “tentante”, mas faz muito esforço para chegar à fluência aceitável, nada seria melhor do que ouvir esta frase: “I love your accent!”. Entretanto, a minha respeitável Professora de Fonética em Língua Inglesa aconselhava, que, quando ouvimos esta frase, devemos olhar bem nos olhos da pessoa, esboçar um leve sorriso e responder “ Thanks. You are so kind. I love your accent too!” (“Oh… quanta gentileza a sua. Eu também adoro o seu sotaque!”). E a parte mais importante desta interação vem a seguir: como reage a pessoa que elogiou primeiro? Se ela se mostra desconfortável, significa que ela, na verdade, é preconceituosa do ponto de vista linguístico. Por isso, considera o nosso falar inglês como uma fala de margem (fora do padrão) e elogia o nosso “sotaque” do alto de um pedestal, de quem domina e é dono da língua, do falar-padrão/culto. E, todavia, como é elegante e cordato, mostra-se condescendente com o nosso “sotaque”. Um certo sentimento de superioridade caridosa que leva a pessoa a fazer um gesto de “abaixamento” para te acolher, a ti que és um ser linguisticamente inferior. Quando a resposta é: “Eu também gosto do seu sotaque”, o anterior receptor, e agora dono do discurso, apenas está a retribuir o elogio. Se o elogio é recebido pelo falante de forma positiva, ganhamos um real colaborador na nossa caminhada rumo à fluência. Se a reação for contrária, não percamos tempo, comuniquemos do nosso jeito, contanto que tenhamos em vista que a língua se realiza na fala e, sem falar e errar, nunca se chegará à proficiência e à destreza que desejamos.

Saudades de Cesária

Na década de 90 do século passado, a Diva dos Pés Descalços fez e aconteceu no Brasil num espetáculo memorável ao qual assistiram muitos cabo-verdianos residentes e estudantes universitários. Convidada, depois, para um dos programas de maior audiência de toda a televisão brasileira, e questionada, ao vivo, do porquê de não falar português, já que era cabo-verdiana… ela simplesmente questionou “de volta” do porquê de não se ter pedido aos outros cantores que estiveram no Brasil nas semanas logo antes dela que também falassem português. Detalhes: os ditos cantores eram nada mais, nada menos, Madonna e Michael Jackson.

O gozo que dá ouvir uma resposta destas para um crioulo, cheio de saudades e longe de casa, não tem tamanho. Gozo maior ainda quando, no dia seguinte, todos os estudantes cabo-verdianos se tornaram gente importante, nas respectivas universidades, porque colegas e professores queriam saber que língua seria aquela da qual a cantora mais famosa de África não pretendia abrir mão nem na TV Globo.

Entidade oficial, Língua oficial

A entidade oficial, em representação do Estado, deve falar a língua oficial do país que representa, em contexto formal. Neste caso, se Sua Excelência o Primeiro Ministro falava em nome do Estado, ele tinha essa prerrogativa de usar a Língua Portuguesa, com direito a tradução. O uso do inglês, tanto para ser cordial como num contexto em que se precisa de uma língua franca, deveria ocupar uma percentagem mínima do discurso, quando não for totalmente ausente: uma pequena saudação, ou agradecimento, ou o lema do evento... não mais). Por outro lado, o falante em causa pode ter optado conscientemente pelo inglês, se considerar que, na situação, seria a língua franca (já que do conjunto de falantes presentes, o inglês teria a chance de ser mais conhecido do que os demais) para potencializar o seu discurso (cujo sentido neste caso vai para além da materialidade da língua, das palavras e da mensagem simplesmente dita). Claro que se trata de um preconceito assumir que a língua do outro teria mais chance de ter sucesso do que a minha língua oficial – e que se espera que eu vá usar! Mas, pode ter sido uma opção consciente, assumindo os riscos. Entre o promover a minha língua oficial e usar a língua dominada pela maioria das pessoas, a resposta correta está – não no falante _ mas no contexto. É dos poucos casos em que a pessoa pode estar certa, mesmo estando errada… (Juro que não faço trocadilhos!)

A língua é um instrumento de força!

Disse Amílcar Cabral esta frase sábia e pouco aproveitada. Devemos lê-la e sobre ela refletir inúmeras vezes, de preferência antes de entrarmos em qualquer debate sobre os valores do uso e da fala de uma língua. O que eu faria, se fosse eu? Perguntam-me!

- Queres a resposta da linguista, ou queres a resposta da professora de Inglês?

A única resposta que as duas profissionais teriam em comum seria: fale sempre, fale muito, fale sem preconceito linguístico, até chegares lá onde queres chegar! Isto para dizer que, se for por causa da correção linguística, sim: “bora nóis corrigir o que tá errado, sem deixar de falar, sem deixar de ler, sem deixar de escrever, sem deixar de ouvir. ” Mas fale também, ciente do contexto, do teu interlocutor, do que queres com a tua fala, para melhor potencializares o teu discurso. Mas, eu falante, se for porque os outros é que são os donos da língua, porque são os donos do Padrão, porque são os donos do Mundo…então, eu quero é Mátria: eu vou falar a sua língua do meu jeito, porque, a minha, você, muitas vezes, não se dá ao trabalho sequer de aprender!

Concluindo: é importante, mais do que tudo, fazer vingar a ideia de que, quando falamos outras línguas ocidentais, a virtude é nossa! O errado é pensar que eu devo me subestimar, a ponto de considerar a minha língua “não-boa-o-bastante” e, para me fazer grande, estou obrigado a falar a língua dos que mandam.

Um povo é do tamanho da sua língua! Se isto for bem compreendido, bem usado, bem valorizado, pouco importa dizer quem está certo ou quem está errado. Como disse no início, falta-me o contexto. Desejo que as opções pelas línguas sejam sempre conscientes: como instrumentos de força que são: Yes, indeed. Pois é claro! Biensûr.

AYAN GO - É LA KÊ PÓ!

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