A Poesia não é um poema. Não é a prosa. Sim, é claro que existem a poesia em versos e a prosa poética. Quando um texto em versos tem poesia, consegue-se o Belo. E o Belo tem nele, obviamente, o pendor artístico, mas que consegue chegar à melhor parte da espiritualidade, da alma e da essência humana. Quando não se consegue separar, no Belo, o que é bonito, do que é artístico, do que é autêntico, e, sobretudo, quando não se separa tudo isto da potencialidade de se criar e fazer o bem com esse belo… Isto é Poesia. Ela não se esgota num texto.
Existem grandes poetas e existe a poesia. Nem sempre um grande poeta é bem sucedido e consegue uma poesia. Quando se está perante a poesia, ela se faz notar. Não é preciso entender de literatura, pois ela é uma linguagem universal: fala com o humano que existe em nós. Crianças, adultos, intelectuais e analfabetos. Homens bons e pessoas más… todos reconhecem a poesia, quando estão perante ela.
Durante muito tempo se entendia que a poesia estaria estritamente ligada à arte de bem escrever. Mas o conceito de bem escrever também estava errado. Então foi-nos ensinado uma série de técnicas e artefatos: as rimas, a métrica, a temática, as sonoridades.
E a historiografia literária, então!? Fulano de tal é da vanguarda. Sicrano é um clássico. Beltrano é da Geração Tal. E quando somos confrontados com um grande poeta cuja obra poderá parecer com muitos movimentos literários e não sabemos o que fazer com ele, não conseguimos etiquetá-lo com um adesivo único: do Classicismo?, do Arcadismo?, do Barroco?, do Romantismo?, Parnasianismo?, ou Modernismo? (e nenhum dos prés e pós e ismos da historiografia)… Dizemos que o fulano é “Multifacetado”. Pronto! Problema resolvido. E o feliz estudante de Letras fica aliviado com esta palavra, porque se safa nas análises literárias.
Inventaram o coitado do sujeito poético, que até procura e consegue se libertar, escreve e responde, no lugar do autor, o seu texto, e assim extravasa e comunica, através do Belo, e por ambos… Tudo certo. Isso ele conseguiu, até chegar um leitor, dito entendedor da matéria. Este aqui, normalmente um professor de literatura (mea culpa), um crítico literário (shame on us), um amante da poesia “clássica” (que é o pior de todos), que disseca o coitado do sujeito poético, vai ao fundo da alma dele e interpreta tudo. Pára de sentir a poesia, porque se põe a explicá-la. Explicar e, pior, esperar que todos entendam e sintam o mesmo que nós, quando estamos perante a poesia, é engessar a arte e o seu autor, junto com o sujeito poético. Vai tudo pra masmorra.
Há situações piores, em que um poeta pode não conseguir fazer poesia, mas continua a publicar, por razões que não têm nada a ver com a arte. Aí entram outros motivos, como o mercado… que, no dia de hoje, não é um assunto para aqui chamado. Sim, caro leitor, estou a dizer que um grande poeta pode escrever e publicar textos que não chegam a ser poesia. É difícil de entender? Sim, mas é verdade.
Então, o que é, afinal, a Poesia? Que sentido tem o Belo, na Poesia?
A beleza está exatamente nisso: com a poesia, podes me fazer chorar e essa dor que eu sinto me faz feliz; podes provocar revolta, uma consciência de que existe tal injustiça, e isto me levar à ação; uma dor incomensurável, que eu prefiro sentir a ignorar, porque me liberta…ou uma gargalhada sonante. Um silêncio que ensurdece, ou um simples e desenfreado jogo de palavras…
A Poesia ainda é mais do que isso. Está na forma e na linguagem que se utiliza para se fazer a arte; e é a vida que nela se coloca, de maneira tão especial que atinja a nossa alma… A beleza do som, da cor, dos movimentos, do sabor... uma diversidade de linguagens. E não importa o tema, não importa o género artístico, desde que haja esmero na forma de expressar, e desde que se encontre um jeito de o fazer. Desde que nos toque, no fundo da alma, ou que leve a um outro ser humano o que vai no fundo da nossa alma: isto é Poesia. A Poesia existirá sempre!
Se assim for, quando assim é, um ser humano liga-se ao outro, porque a arte fará com que duas pessoas e biliões de pessoas se unam.
É por isso, e só para isso, que a Poesia existe. Um texto, uma dança, um sabor especial, uma melodia, uma cor, uma fotografia, uma escultura…podem ter poesia.
Caro leitor, acredite em mim: quando estamos perante a Poesia, todos sabemos, porque todos sentimos. É um nós construído, a partir do outro, e que me transforma, a um tempo que me alivia, e nos engrandece, como humanos que somos.
(Mana Guta - Escritora/Augusta Évora - Professora de Literatura desde 1996. Aula partilhada em celebração de 21 de Março, data solenemente declarada pela UNESCO como Dia Mundial da Poesia)
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