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Jack  Pina. Não vive da música, mas não vive sem música   
Cultura

Jack  Pina. Não vive da música, mas não vive sem música  

Emigrante, músico, compositor, produtor musical, empresário de famosa loja Ligafrica, situada em Pawtucket, estado de Rhode Island,  Jack  Pina é um cabo-verdiano de gema, carrega as ilhas de Cabo Verde no coração, na alma, nas letras e melodias de dezenas de músicas nas quais sobressaem a sua veia romântica de permeio com o sotaque e os acordes da sua Brava profunda, ilha que o viu nascer e onde começou a ensaiar os primeiros sons, impulsionado pelo irmão mais velho, Fernando Brito Pina (Fefei).

Um homem muito extrovertido, moreno, olhinhos castanhos, sorriso rasgado e braços abertos para quantos o procuram, seja para um dedo de conversa, para aquisição de produtos da terra, da música, da literatura, ou para conselhos e orientações, Jack pina está sempre disponível ali na sua loja, a Ligafrica, situada na cidade de Pawtucket, Estados Unidos da América, não fosse ele um ilheu afável, amigo dos seus, sensível à demanda do outro, e ser humano experimentado nessas andanças pelo mundo fora.

O destino fez dele um emigrante ainda muito jovem. Menor mesmo, com apenas 16 anos, ainda ao cuidado do irmão mais velho,  aportava Lisboa, e Algarve, para se juntar ao Fefei, corria o ano de 1973. Como todo o cabo-verdiano digno do nome, Jack  Pina levou consigo uma intensa nostalgia da sua Brava natal e todos os ingredientes sociais e culturais que lhe haviam forjado como ser social, fruto de um conjunto de hábitos, costumes e formas de ser e de sentir a vida, a sociedade, as pessoas, o mundo.

Em Portugal, o jovem Jack driblou os obstáculos da pouca idade, do desconhecido, e se fez homem do trabalho, como condutor manobrador da companhia Somague, ao mesmo  tempo que cultiva o lazer e a  música.

“Quando cheguei em Portugal, o meu irmão arranjou-me em trabalho lá pelos lados de Monchique”, recorda sorrindo, “com o ofício de arrancar pregos nas madeiras”. Garoto ainda, franzino, não podia fazer trabalhos pesados das obras, embora pouco tempo depois viu-se obrigado a exercer as funções de servente de pedreiros, por alguns meses, ainda em caldas de monchique.

Já em Loule, na Somague, Jack recebe instruções para operadores de máquinas pesadas, formação que veio a aprimorar nos Estados Unidos, concretamente na NETTTS SCHOOL onde viria a adquerir outra carteira e diploma no campo das Máquinas Manobrais.

Sempre curioso e focado naquilo que fazia, estudava e tomava aulas de inglês nos liceus noturnos em Lisboa e nos Estado Unidos – Jack é testemunho vivo de como a vontade comanda o destino e este o sucesso.

E é por causa dessa sua personalidade que um belo dia achou-se promovido a operador de máquinas em Portugal. Por mero acaso. Na obra onde era servente, Jack sempre observava como é que era manobrado o guindastes que enviava as argamassas de cimento para os predreiros que trabalhavam nos andares lá em cima. O manobrador, atento ao seu interesse mostrou-lhe como é que aquilo funcionava.

Certo dia, o encarregado que fazia aquele trabalho ausentou-se, e com as obras prestes a paralizar por causa da ausência de alguém para manobrar o guindaste , Jack prontificou-se em resolver o problema, com as chaves nas mãos subiu na máquina e iniciou as manobras de envio das argamassas e os trabalhos continuaram sem grandes incidentes. O encarregado da obra, ao tomar pulso da novidade, mandou inscrever Jack numa escola de formação para condutores manobradores de Máquinas, como profissional foi transferido para o então Cuf para construir um chaminé com cem metros de altura, a que se seguiram a sede da Gulbenkian e o Banco de Portugal,  e assim, de servente passou a manobrador profissional, função que passou a exercer até viajar para os Estados Unidos da América, em 1978.

Homem de cultura, muito novo e encantado com as noites lisboetas, Jack fez-se à estrada, trabalhando, estudando, tocando e escrevendo músicas.

Aliás, é em Lisboa que ele começa a encarar a música com mais respeito e entusiasmo. A sua primeira composição musical foi em Lisboa, uma morna que ajudou o irmão a compor. Como conta, o seu irmão havia deixado uma namorada na Brava, e como a saudade apertava, resolveu escrever uma morna dedicada à sua amada. Jack ajudou o irmão na organização e remendos da composição, mas até hoje essa música continua inédita. “Tenho que a gravar”, assume, acrescentando: “considero que é a primeira música que fiz”.

DOR DI CRETCHEU

Si dor di cretcheu te mataba

Ami dja staba, morto

Mas deus dan nha coração

Pam ca sofré, pam  ca morré

Ati dia qui bu volta

 

Florzinha bem contam si bu ca sofre

Sofrimento igual és di meu

Pamo mi sta falta so morré

Ai sim morré é dor di cretcheu

 

Djabraba terra di nha máe nha cretcheu

Nu te bai pa terra strangeru

Ma nu ca squecé di nos terra querida

(Fernando Brito Bina, 1974, Inédita)

 

Depois disso, seguiram-se várias criações musicais, canções liricas, outras românticas, inspiradas pelas portuguesas, meninas e moças, que o jovem bravense paparicava nas suas horas de lazer, não fosse ele um romântico inveterado, eterno apaixonado pelas saias, pelos encantos do sexo feminino.

A música entrou na sua vida por meio do seu irmão, Fefei. Contava Jack entre 10 a 11 anos, quando o irmão começou a incentivá-lo a pegar no cavaquinho, viola de 12 cordas e violino. “Eu não queria saber de música, passava os meus dias a correr arcos e trotinetes, a jogar a bola e a fazer outras traquinices próprias das  crianças do meu tempo”, recorda, nostálgico, com o branco do olho se revirando, a testa franzida, como que a querer viajar para a longinqua Brava dos ano 60 e 70 do século passado.

O Jack corria da música, e não queria aprender, querendo apenas brincar, mas o irmão não desistia, e era ver o nosso entrevistado vencido, rendido às ordens do irmão, com o violão ao peito a dedilhar, a escolher as cordas e os acordes na descoberta das melhores notas, numa singela sintonia entre os dedos, as cordas do violão e os ouvidos, a ver se a coisa encaixava.

E encaixava mesmo, pois Jack tem muita capacidade para a música, um talento natural. Com esses primeiros passos na música e um ouvido muito afinado para ouvir e perceber sons, acordes e melodias, o jovem Jack desce em Lisboa, a terra que lhe abriria as portas para iniciar o percurso no mundo da música e que hoje soma já mais de 5 décadas.

Com o seu irmão Fefei, a diáspora aparece entre os principais construtores do Jack Músico. É ele mesmo quem reconhece este facto, quando questionado sobre o papel da emigração na sua formação e formatação como artista e músico, responde, com a simplicidade que o caracteriza, que “em Portugal sempre quis ter um Baixo. Logo que cheguei nos Estados Unidos adquiri uma viola baixo e saí por aí a tocar”.

Esta resposta diz tudo de um homem que saiu da Brava com apenas 16 anos e hoje é um músico de sucesso, ensinador, produtor musical, entre outras acções sociais e comunitárias que exerce com a seriedade e a determinação que naturalmente coloca em tudo o que fez e faz na vida.

Já na casa dos sessenta, Jack é um homem firme das suas convições e fala de tudo um pouco quando o tema é Cabo Verde. Aceita que gostaria de um dia exercer as funções nas áreas  da cultura e ambiente setores onde acredita que pode fazer diferenças para o bem da sua terra. “Há muita coisa que precisa de ser feita nesses dois setores”, remata, tomando a situação da sua ilha natal, Brava, como um decalque daquilo que acontece um pouco por todo o país.

Afirma sem titubear que o Estado de Cabo Verde faz muito pouco para o setor da cultura nacional. Considera que o Ministério da Cultura somente faz por eles mesmos. “Fico triste que o meu país, Cabo Verde, não me conhece e nunca me reconheceu. Toda a minha vida estive envolvido na política e na cultura, como defensor do nosso povo, mas até hoje ninguén me disse nada”, constata com alguma tristeza.

O autor da “Morna é Rainha di DjaBraba, interpretada por Quirino do Canto, “Fidjo di Djabraba”, interpretada por Gardénia Benróz, “Nós Casamento”, por Assol Garcia, e várias outras composições interpretadas em francês, pela cantora caribenha, Misty Jean, John Delgado e outros, navega na música cabo-verdiana como peixe na água. Toca muitos instrumentos, mas a guitarra é a sua paixão maior, porque, reconhece, é o instrumento que melhor ajuda a compor as suas músicas.

Já trabalhou com todos os géneros musicais do arquipelago, da morna ao funaná, e considera que as novas fusões e misturas que a música cabo-verdiana está a sofrer é algo que chegou, o país usou e está a gostar. “Acho que tem coisas para apurar e aprender mais,…oiço todos para saber onde estou, mas podem não me servir”, resume, meio indeferente.

O seu percurso musical está registado em seis discos, mas continua no ativo para fazer mais gravações. “Tenho muitas músicas já na gravadora, com boas letras e melodias para o futuro, e que podem servir para mim ou para outros gravarem, informa com audácia, e acrescenta: “Tive o previlégio também de trabalhar com o poeta e escritor bravense ARTUR VIEIRA em três mornas musicadas. Para além das gravações, Jack quer registar 50 composições em livro cuja edição encontra-se em preparação.

O seu percurso no mundo da música é extenso. Tocou com muitos grandes músicos de Cabo Verde e estrangeiros, gravou o seu primeiro CD com a Lusafrica, em França.

Sempre avesso a grupos, este produtor musical fundaria o conjunto “Os Íntimos”, e mais tarde SHOW BANDA para além de colaborar com vários outros grupos musicais, artistas e compositores de forma individual.

Não vive da música, mas não vive sem música. Defende que é arriscado viver da música por causa da pequenês do mercado. Por isso mesmo, trabalhou para uma empresa de produção de cabos electrico, CAROL CABLE, por 18 anos, tendo chegado à categoria de superitendente geral do segundo turno. Apesar da sua grande qualidade como músico sempre conciliou a música com o trabalho, não por causa da  qualidade da música cabo-verdiana, mas o mercado não suporta a demanda, sendo um mercado diminuto, sem capacidade de consumo.

Aqui está o retrato daquele que é um “self made men”, o testemunho vivo de como a vontade forja o destino e faz o homem, Jack de Pina, o romântico.

DIXA CRETCHEU É PECADO

Dixa cretcheu  é pecado

Spia pa céu bu pidi nhordéz perdao

Pidil  pél  ca condenabo

Pa bu pode contra  cu  paraiso

 

Si él dabo amor

Pagal cu amor

Dal cé valor

fazél bu flor

 

Bem fram cuzé quim fazebo

Qi bu dixam  cuo nha rosto pa céu

Te tchora alguém qui era di meu

Tchora sodade so di bó nha cretckeu

 

Abó é um flor sem igual

Bó que é nha mundo di rosa

Rosas di nha sombra lenta

Jack Pina 1983/2022

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