As declarações do Primeiro-Ministro sobre a Inteligência Artificial e as redes sociais são um reflexo de um líder que, ao invés de adaptar-se ao século XXI, tenta moldá-lo às conveniências do passado. Sua retórica tecnofóbica não apenas revela um desconhecimento alarmante das transformações tecnológicas, mas também um desrespeito pela liberdade de expressão e pela inteligência dos cidadãos cabo-verdianos. Regulamentar plataformas digitais não deve ser um pretexto para censurar ou centralizar ainda mais o controle da informação. Ao invés disso, é hora de o governo aceitar que as redes sociais e a Inteligência Artificial são parte integrante da nova realidade, e que a democracia só será aprimorada se os líderes aprenderem a trabalhar com essas ferramentas, e não contra elas.
As recentes declarações do Primeiro-Ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva, sobre a necessidade de regulamentação das plataformas digitais e da Inteligência Artificial, feitas no contexto do debate sobre a "Proteção e Aprimoramento da Democracia e da Boa Governança", são uma demonstração preocupante de ignorância sobre o funcionamento das tecnologias emergentes e, sobretudo, um reflexo do medo de quem percebe a erosão do monopólio sobre a narrativa pública.
O Medo do Primeiro-Ministro Frente ao Mundo Moderno
Correia e Silva alerta para o impacto das redes sociais e da Inteligência Artificial na manipulação de percepções públicas e disseminação de ideologias, mas suas palavras parecem menos motivadas por uma análise estruturada e mais por um pânico diante do que não consegue controlar. A evolução tecnológica tem democratizado a informação, permitindo que as pessoas escapem à limitação de narrativas unilaterais tradicionalmente ditadas por governos e mídias controladas. O Primeiro-Ministro, ao invés de celebrar a democratização do acesso à informação, parece incomodado com a incapacidade de ter tudo "por debaixo do braço", como talvez tenha funcionado em um passado mais simples e autoritário. O discurso tenta mascarar uma evidente dificuldade de adaptação ao mundo moderno, onde o controle da narrativa se pulveriza e os cidadãos se tornam mais autônomos na busca de fontes de informação. Sua postura retrógrada reflete não apenas um desconhecimento, mas também uma hostilidade velada contra ferramentas que podem expor falhas de governança e facilitar a mobilização cívica, algo que governos centralizadores naturalmente temem.
A Falácia da Regulamentação como Defesa da Democracia
Correia e Silva defende que plataformas digitais e Inteligência Artificial precisam de regulamentação para evitar violações às normas constitucionais, mas essa posição revela uma contradição fundamental: ele propõe restringir a liberdade de expressão em nome da própria democracia. O apelo à "regulação adequada" frequentemente serve como eufemismo para censura, especialmente em contextos onde o governo já controla uma parcela significativa dos meios de comunicação tradicionais. A ideia de que a desinformação e as "fake news" são ameaças tão graves que justificariam um controle mais rígido ignora um ponto essencial: a verdade não pode ser imposta pelo Estado. A democracia pressupõe que os cidadãos tenham a liberdade de discernir entre múltiplas narrativas, ainda que imperfeitas, e que o Estado não atue como árbitro da verdade. Argumentar que as redes sociais disseminam ideologias extremistas é uma redução simplista, uma tentativa de culpar as plataformas por problemas políticos e sociais que, em última instância, são responsabilidade de líderes e governos.
A Hipocrisia na Promoção da “Boa Governança
Correia e Silva menciona o risco de mercantilização do voto e o condicionamento financeiro das escolhas eleitorais, como se tais práticas fossem exclusivas das redes sociais. No entanto, é impossível ignorar que partidos políticos, incluindo o seu próprio, utilizam os mesmos métodos para influenciar o eleitorado, seja por meio de propaganda tradicional ou de estratégias digitais. A verdadeira ameaça à democracia não está apenas nas redes sociais, mas na falta de transparência e ética no próprio sistema político. O Primeiro-Ministro também destaca o papel dos órgãos de comunicação social públicos como defensores do pluralismo e do rigor, mas ignora a realidade de que tais meios frequentemente operam como extensões do governo. Quando os jornalistas são pressionados a alinhar-se a narrativas oficiais, o pluralismo torna-se uma ilusão, e a mídia pública transforma-se em ferramenta de propaganda estatal, não em guardiã da democracia.
A Velocidade das Transformações e a Estagnação Governamental
Enquanto o mundo se transforma a uma velocidade sem precedentes, Correia e Silva parece preso a paradigmas antigos. A Inteligência Artificial e as redes sociais não são, em essência, ameaças à democracia, mas sim ferramentas poderosas que podem ser usadas tanto para o bem quanto para o mal. O problema reside na incapacidade de líderes como o Primeiro-Ministro de compreender essas tecnologias e aproveitá-las de forma positiva. A crítica à “era da pós-verdade” também expõe uma visão simplista e tecnofóbica. A pós-verdade não foi criada pelas redes sociais; ela é um reflexo de um sistema político global que falhou em estabelecer credibilidade junto às populações. Em vez de atacar as plataformas, seria mais produtivo para o governo de Cabo Verde concentrar-se em promover a transparência, fortalecer instituições democráticas e melhorar os serviços públicos, reconquistando a confiança dos cidadãos.
Culpar as Redes Sociais pelos Fracassos Políticos
O Primeiro-Ministro tenta atribuir às redes sociais e à Inteligência Artificial a responsabilidade por divisões sociais e dificuldades democráticas, mas esta narrativa é, no mínimo, conveniente. Ao deslocar a culpa para fatores externos, Correia e Silva evita confrontar questões internas mais urgentes, como a falta de investimentos em educação digital, a incapacidade de atrair jovens talentos para a administração pública e a contínua negligência em relação aos emigrantes cabo-verdianos, que frequentemente financiam projetos sociais que o governo ignora. Em uma democracia saudável, líderes aceitam a crítica pública como parte do processo, mas o discurso de Correia e Silva revela uma intolerância crescente às vozes dissidentes. Ele parece enxergar as plataformas digitais não como meios de expressão, mas como obstáculos ao seu controle político. As declarações do Primeiro-Ministro sobre a Inteligência Artificial e as redes sociais são um reflexo de um líder que, ao invés de adaptar-se ao século XXI, tenta moldá-lo às conveniências do passado. Sua retórica tecnofóbica não apenas revela um desconhecimento alarmante das transformações tecnológicas, mas também um desrespeito pela liberdade de expressão e pela inteligência dos cidadãos cabo-verdianos.
Regulamentar plataformas digitais não deve ser um pretexto para censurar ou centralizar ainda mais o controle da informação. Ao invés disso, é hora de o governo aceitar que as redes sociais e a Inteligência Artificial são parte integrante da nova realidade, e que a democracia só será aprimorada se os líderes aprenderem a trabalhar com essas ferramentas, e não contra elas.
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