...um sistema educativo como o nosso é demolidor das energias, das capacidades criativas e das iniciativas locais. Como são obrigados a serem meros executores, caem na rotina, não há criatividade, ficam cansados e, tudo isso, aliado às más condições de trabalho, baixa remuneração, sem qualquer incentivo e estímulo, a Educação é o que é neste país. O sistema está tão descomandado que não consegue parar para pensar e perceber o mal que anda a provocar a si próprio, com prejuízos incalculáveis para o país. Vamos seguir o exemplo das Nações Unidas e dar ouvido ao apelo de Sua Excia o Presidente da República! Parar para pensar a Educação, sendo certo que pensar a Educação é pensar o país que temos hoje e o que queremos ter amanhã.
Nos últimos dias, a ONU chamou os líderes de todo mundo, incluindo Cabo Verde, para discutirem o “momento crítico” por que passa a Educação em todo mundo. Dados do recente relatório do Banco Mundial (The State of Global Learning Poverty: 2022 Updat)[i], elaborado em parceria com a UNICEF e a UNESCO, indicam que 70% de crianças de 10 anos, no mundo inteiro, não sabem ler e interpretar textos simples. Cabo Verde, por certo, não está fora lista.
O mundo inteiro está a despertar-se pela necessidade, urgente, de uma grande transformação na Educação. Cada vez mais, as nações vêm tendo consciência da importância crucial da Educação e do seu poder transformador da vida económica, social e cultural das pessoas e dos países. Nas palavras do Secretário-Geral da ONU, “a Educação é a base para sociedades estáveis, pacíficas e prósperas”. Evidências vindas de países como Singapura, Coreia do Sul, Finlândia, etc. ilustram esse grande poder da Educação.
Há dias, a propósito da criação da entidade – Alta Autoridade para a Concorrência, e da indigitação do seu responsável, Sua Excia o Presidente da República disse que, “em Cabo Verde, há coisas que temos de parar para pensar. O Chefe de Estado não podia estar mais certo! Vou sugerindo que uma dessas coisas é a Educação. Uma profunda reflexão, com debates abertos aos diversos atores e a toda sociedade, sobre a Educação em Cabo Verde é, porventura, a prioridade das prioridades. Precisamos parar para pensarmos, profundamente, a nossa Educação. Não vale a pena, os políticos e os seus seguidores estarem por aí a vangloriarem-se dos feitos, porque assim ficam bem na fotografia e, eventualmente, ludibriam os menos prevenidos com dados que pouco ou nada têm a ver com a qualidade da Educação, como por exemplo, as famosas percentagens de aproveitamentos anunciadas todos os anos no final do ano letivo.
A preocupação das Nações Unidas, em face daquilo que consideram “Crise Global da Educação”, associada à inquietação, e ainda bem, de muita gente neste país, em relação à Educação, não deviam deixar os políticos e decisores deste país tranquilos e, muito menos, com razões para regozijo e a continuarem a entender que a nossa Educação vai bem. Não, não vai bem, meus senhores! E nunca esteve bem. É certo que, em dado momento esteve melhor, mas creio que temos de admitir, sem complexo, que nos últimos anos está pior. Está pior pelas políticas erradas e pela forma muito amadora como a Educação está sendo compreendida, administrada e realizada neste país.
Encenação de reforma e mais reforma vem sendo levada a cabo, com custos elevados para o erário público, mas sem resultados ou perspetivas de melhorias. Não canso de me referir ao estudo feito por Banco Mundial, em 2019[ii], a pedido do Governo, em que este refere que Cabo Verde gasta muito mais na Educação do que países como as Maurícias, Seicheles e outros, mas “estes alcançam melhores resultados educacionais” (p. 65). Um outro aspeto referido nesse relatório é o excessivo centralismo. E quanto a isto, é basta olharmos para a carga de orientações e de trabalho que todos os anos o Ministério manda para as escolas, no início do ano letivo, e pelo modo como todo o sistema se encontra organizado e administrado. Os professores e os dirigentes escolares são transformados em meros executores de orientações burocráticas que vêm lá de cima, ficando sem margens de, em conjunto e ao nível de cada escola, pensar, refletir, decidir e realizar a Educação, numa dinâmica laboral que os permita crescer profissionalmente, ganhar experiências e assim se assumirem como verdadeiros líderes educacionais nas suas escolas e nas suas comunidades.
Ora, um sistema educativo como o nosso é demolidor das energias, das capacidades criativas e das iniciativas locais. Como são obrigados a serem meros executores, caem na rotina, não há criatividade, ficam cansados e, tudo isso, aliado às más condições de trabalho, baixa remuneração, sem qualquer incentivo e estímulo, a Educação é o que é neste país. O sistema está tão descomandado que não consegue parar para pensar e perceber o mal que anda a provocar a si próprio, com prejuízos incalculáveis para o país. Vamos seguir o exemplo das Nações Unidas e dar ouvido ao apelo de Sua Excia o Presidente da República! Parar para pensar a Educação, sendo certo que pensar a Educação é pensar o país que temos hoje e o que queremos ter amanhã.
Referências
[i] Learning-poverty-report-2022-06-21-final-V7-0-conferenceEdition.pdf (worldbank.org)
[ii] Cabo-Verde-Revisiting-the-Efficiency-of-Public-Spending-to-Reduce-Debt-and-Improve-Education-and-Health-Outcomes-Public-Expenditure-Review.pdf (worldbank.org)
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