Apregoa-se, com tamanho orgulho, que “a Cultura é o diamante de Cabo Verde”. Sendo assim, é também apetecível estilizar a nomenclatura de todos os actores e sectores que circundam esta área.
Ao seguir esta lógica de ideias e analogias, pode-se então considerar que os governantes para a área da Cultura foram, são e continuarão sendo os Ministros de “Indústrias e Minas” de Cabo Verde.
Assim sendo, é caso para convencionar também que os produtores executivos e de eventos, os curadores, os locadores do sistema sonoro e de iluminação, e das salas de espectáculos e de exposições, e os manager são os empresários desta rentável área de negócio; e os criadores, esses verdadeiros defensores, e reais precursores desta rica e diversificada cultura verdinha são consequentemente meros garimpeiros.
Estes últimos são empurrados para os guetos - criados pelos primeiros, e seus intermediários -, auferindo uma renda baixa e instável, e muitas vezes fixados em espaços físicos que não facilitam o exercício criativo, muito menos a instauração de outras actividades geradoras de rendimentos como o ensino da arte, a instalação de estúdios de gravações, ateliê, salas de ensaios, academias de dança e artes performativas, pubs etc.
Sem condições que proporcionam a estabilidade financeira destes profissionais, muitos se sentem forçados a tomarem parte nas actividades político-partidárias, apoiando os tais sujeitos nas campanhas eleitorais a câmbio de uns vinténs. Outros tantos perdem a autoestima e se enveredam por caminhos tortos, alguns optam por produções estritamente comerciais, por uma questão de sobrevivência. Mas não há dúvidas que o mais mortificante de todos cabe àqueles que, com tremenda dor, abandonam terminantemente a arte.
«Os Ministros andam à volta da Cultura, quase que num ritual de circundar os criadores e actores, como quem pretende governar um rebanho dentro de um recinto sem cercos, pois parece haver alguns cães pastores que amedrontam aqueles que ousam pular o imaginário cerco.»
Existe uma vergonhosa discrepância de lucro entre os criadores e os empresários que é guardada a sete chaves. Eis um pequeno exemplo:
Um CD é vendido nas lojas no mercado nacional entre 1.000 e 1500$ escudos, o artista o recebe por cada CD vendido cerca de 80$ escudos. Por vezes nem chega a receber a tal migalha, sob o pretexto de que hoje em dia CD praticamente não vende. Para o DVD as percentagens se mantêm, e para o livro a percentagem não difere muito. Se música não se vende, o que dizer de um produto tão impopular em Cabo Verde como é o caso do livro?
Outro exemplo, com doses de exploração e desonestidade, é o caso dos meios de comunicação social, tanto públicos quanto privados, que passam músicas ao vivo nos seus programas, videoclipes, filmes, e shows gravados, sem pagar um tostão aos seus criadores.
Mas se isto parece grave, então é preciso revelar a outra parte da história: quando o segundo outorgante, neste caso o artista, precisa passar uma publicidade para promover o seu evento, seja lançamento de um CD, divulgação do seu show, ou a promoção de venda da sua obra, este vai ter que desembolsar como qualquer um.
Se a Cultura é importante?
Todos os governos formados em Cabo Verde desde a independência até hoje, tiveram no seu executivo um ministro(a) da Cultura, ou pelo menos um secretário de Estado, ou, em última instância, um Presidente de Instituto para esta área.
Habitualmente, o sector da Cultura a nível da governação central só em raras ocasiões esteve com um titular que não acumulasse outras pastas em simultâneo. O caso concreto deu-se na primeira legislatura do PAICV em 2001, com a nomeação do escritor e linguista Manuel Veiga como Ministro da Cultura. Todavia, das poucas vezes em que os ditosos foram agraciados com a necessária exclusividade, se terá notado algum sinal de excelência ou brilho no dito sector.
Cabo Verde nunca teve um “excelente” Ministro da Cultura. Alguns deixaram muito a desejar, outros tantos desejaram muito pouco. E isto faz lembrar os primeiros Vereadores do Pelouro da Cultura das Câmaras Municipais nacionais.
Muitos destes senhores foram indicados para a dita área, porque gostavam de cantar nas tocatinas, outros porque tocavam nas igrejas, e mais alguns por terem compilado algumas bibliografias em forma de teses ou trabalho de fim de curso, que retratasse um ou outro tema de cariz cultural. Alguns desses ilustres ainda foram premiados com tal cargo ou fardo porque foram actores de teatro.
Isto tudo para não dizer que para este pelouro eram indicados ainda os não militantes, ou aqueles menos ferrenhos, ou no pior dos casos indivíduos com menos traquejo político, popularidade, ou nível académico.
Na governação central, os critérios para a atribuição desta responsabilidade foram de longe mais selectivos e exigentes. Todos os nomeados foram idóneos, alguns até considerados intelectuais respeitados dentro e fora do país. Também é certo que um ou outro caso não resultou dado a alguns imperativos, capricho ou falta de visão por parte dos chefes dos governos.
Houve casos em que a formatação do Governo, por falta de opções ou de outros motivos relevantes sentia-se forçado a fundição ou acumulações de pastas, o que inevitavelmente obrigou juristas, médicos, professores, engenheiros a assumirem a pasta da Cultura, com resultados desmerecidos.
Nestes últimos anos, e por uma mera questão de charme, os próprios ministros designaram a tutela de Ministério da Cultura e das Industrias Criativas.
E é certo que ninguém ainda se deu ao trabalho de explicar o porquê do acréscimo no nome.
1.Numa sociedade em que os criadores não recebem nenhuma contrapartida financeira pela exploracao publica das suas obras;
2.A sociedade de autores não funciona devidamente por falta de vontade de engajamento dos MC;
3.Onde não existe carteira Professional para os profissionais da arte e da Cultura;
4.O criador em idade avançada morre abandonada pelo estado e na miséria;
5.Sem direito á reforma e a devida pensão;
6.Sem segurança social;
7.Onde ainda tem que mendigar vistos para o exterior;
8.Onde a mediocridade e o mercantilismo musical são promovidos com a concomitância do MC;
Já houve momentos e por mais de que três vezes, em que a Cultura e a Educação estiveram sob uma única tutela, e nem mesmo desse jeito se conseguiu criar mais bibliotecas ou livrarias, nem tão pouco se deu um jeitinho -no nosso calcanhar de Aquiles - na promoção da leitura, feira de livros, estímulos á publicação infanto-juvenil; incentivos á escrita e publicação no seio dos jovens, muito menos se notaram o esperado empenho na produção de materiais didácticos de qualidade, ou na correcção dos poucos manuais existentes desactualizados e embrenhados de erros científicos.
Ainda não se conseguiu ter um Ministro da Cultura que contempla a cultura deste povo no sentido horizontal. O habitual é situar-se no topo, e olhar de cima para baixo numa perspectiva oblíqua, onde o tradicional, o autêntico e o identitário, se divisa distantes e deturpados; enquanto aquilo que se entende ser mais mediático, elitista, e com maior popularidade, sobre tudo nas comunidades urbanas - toma-se os casos dos Carnavais e dos Festivais de Musica, obviamente que estes são usados para fins que dispensam qualquer redacção.
É certo que todos os tutelares da Cultura fizeram algo que contribuísse para bem ou para mal na sociedade cabo-verdiana. Algumas decisões foram incontornáveis. Senão vejamos alguns exemplos:
A mudança do Hino Nacional, cujo MC na altura, foi tido em conta e levado a sério;
1º Encontro Nacional de Musica ainda que o evento terá ficado marcado pela perda do Saudoso Katxás num acidente de viação à saída do mesmo fórum;
A criação da TVC- Televisão Experimental de Cabo Verde;
A construção do Parque 5 de Julho até hoje o maior empreendimento cultural e de lazer construído em Cabo Verde;
O protocolo assinado entre a mesma tutela e a Associação Cultural Mindel Act, para o teatro que temos hoje em Cabo Verde;
A criação do ICLD - Instituto Cabo-verdiano do Livro e do Disco;
A elevação da Cidade Velha a património Material da UNESCO;
A candidatura falhada da Tabanka para o mesmo fim;
A participação de Cabo Verde na Expo Sevilha ‘92 e Xangai 2010
«Esperava-se muito mais do então Ministro e companheiro Mário Lúcio, que depois de “quatro anos de licença sem cachet”, hoje está de volta à mesma trincheira onde permaneceram barricados os velhos camaradas.»
O titular da pasta da Cultura que criou maior expectativa no seio da comunidade de artistas, de criadores, promotores e investigadores culturais foi o Ministro Mário Lúcio Sousa, que reinou de Maio de 2011 até Março de 2016.
E por se tratar de um homem que navega com notável sucesso em várias vertentes culturais, e por ter caminhado na mesma senda que os colegas que posterior e oportunamente tutelou, esperava-se muito mais do então Ministro e companheiro Mário Lúcio, que depois de “quatro anos de licença sem cachet”, hoje está de volta à mesma trincheira onde permaneceram barricados os velhos camaradas.
Alguns dos projetos divulgados pelo então MC, criaram água na boca dos criadores e agentes culturais que já vinham duma longa e flagelada travessia, numa patriótica e marginalizada Caravana do qual o próprio Mário Lúcio - músico, compositor e escritor - chegou a fazer parte enquanto criador profissional e colega de profissão.
O Banco da Cultura e a Rede Nacional de Salas foram alguns dos projetos responsáveis por esse verter de água na boca. Água essa que finalmente acabou por ser tragada com um encorpado pouco agradável. Estes factos não impediram que propala-se nesta praça que o criador do AME foi o MC mais razoável de todos.
Como governante terá concebido e executado por três anos consecutivos o maior evento de abrangência internacional a realizar-se no território cabo-verdiano.
Se é certo que Mário Lúcio, enquanto ministro, criou uma grande expectativa que se desvaneceu com o passar do tempo, o actual MC, que por sinal é também criador, terá erigido alguma destruição no elenco cultural nacional que terá afectado, ainda não se sabe a que profundidade, esta malograda Comunidade da Arte e Cultura Cabo-verdiana.
Os Ministros andam à volta da Cultura, quase que num ritual de circundar os criadores e actores, como quem pretende governar um rebanho dentro de um recinto sem cercos, pois parece haver alguns cães pastores que amedrontam aqueles que ousam pular o imaginário cerco.
Mas se os cordeiros permanecerem calados poderão receber uma mãozinha de palha. Caso contrário serão punidos pelos pastores, ou neste caso gestores.
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