Em síntese, o chamado Monumento da Liberdade e da Democracia não é apenas um projeto de arquitetura; é um reflexo do paradoxo Ulisses Correia, que pretende celebrar princípios que, na prática, não são respeitados. O debate público deve transcender a estética e a simbologia, questionando a coerência entre discurso e ação. Até que as prioridades reais da população sejam atendidas, qualquer monumento erguido corre o risco de se tornar uma ironia histórica, lembrando não da liberdade conquistada, mas da liberdade prometida e sistematicamente negada.
Nos últimos dias, Cabo Verde tem vivido um debate intenso em torno do projeto do Monumento da Liberdade e da Democracia, uma iniciativa promovida pelo Primeiro-Ministro Ulisses Correia e Silva. À primeira vista, não se pode questionar a importância da simbologia histórica ou o reconhecimento de eventos marcantes na trajetória do país. Contudo, quando se analisa o contexto socioeconômico atual, o projeto revela-se um paradoxo preocupante.
Outro ponto crucial é que ninguém ainda percebeu se o monumento é uma simbologia nacional ou partidária. A discussão sobre sua implementação sugere claramente uma reivindicação de um partido político sobre a iniciativa. Se for este o caso, então a obra deveria partir da sociedade civil e ser suportada financeiramente por pessoas ou pelo próprio partido. Se o projeto for financiado pelo Estado, surge a questão: os cabo-verdianos estão dispostos a arcar com este custo neste momento de crise que o país atravessa?
A população enfrenta problemas estruturais graves: o colapso de serviços essenciais como a saúde pública, a precariedade nos transportes, e a persistência da miséria urbana nas barracas de São Vicente são apenas exemplos concretos de falhas governamentais. As imagens e vídeos circulando diariamente nas redes sociais mostram de forma inequívoca a situação de vulnerabilidade e pobreza que, apesar de comunicados oficiais, permanece longe de ser solucionada. A recente tempestade que assolou o país confirmou o que muitos já suspeitavam: a eliminação da pobreza extrema anunciada pelo governo é, na melhor das hipóteses, uma ilusão.
Não se trata de oposição à construção de monumentos ou à preservação da memória histórica. Trata-se de questionar as prioridades do governo. Impor um monumento que simboliza liberdade e democracia, enquanto a população sofre com carências básicas, configura uma dissonância ética e política, e pode ser interpretado como a materialização de um musuleu governamental que ignora a realidade social.
O significado do monumento é outro ponto crítico. Em Cabo Verde, a democracia, tal como preconizada, não se manifesta plenamente: jornalistas são perseguidos, críticos políticos são intimidados ou levados a tribunais por questionarem decisões governamentais, e líderes partidários permanecem incapazes de promover processos democráticos internos. A manipulação de listas de deputados, a escolha de candidatos a eleições autárquicas e outras práticas mostram um controle centralizado e excludente. Como pode, então, erguer-se um símbolo de liberdade e democracia quando o próprio líder que o propõe não pratica esses valores?
Em síntese, o chamado Monumento da Liberdade e da Democracia não é apenas um projeto de arquitetura; é um reflexo do paradoxo Ulisses Correia, que pretende celebrar princípios que, na prática, não são respeitados. O debate público deve transcender a estética e a simbologia, questionando a coerência entre discurso e ação. Até que as prioridades reais da população sejam atendidas, qualquer monumento erguido corre o risco de se tornar uma ironia histórica, lembrando não da liberdade conquistada, mas da liberdade prometida e sistematicamente negada.
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A equipa do Santiago Magazine