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O drama da mulher adúltera
Colunista

O drama da mulher adúltera

Cada dia mais habituo-me a estes truques de mulher adúltera que já não me espantam os chifres que põe, ao calha. O Procurador-geral da República está a defender o indefensável e a tentar forçosamente justificar a propositada inépcia do Ministério Público em assumir as suas responsabilidades num caso de polícia em que o Estado investiga o Estado por um suposto assassinato ocorrido há sete longos anos. Explico aqui.

Luis José Landim, procurador-geral da República e, por inerência, presidente do Conselho Superior do Conselho Superior de Magistratura do Ministério Público, ficou estarrecido com o parecer da Autoridade Reguladora de Comunicação Social (ARC), em relação à sua queixa contra o Santiago Magazine, que, mal saiu a notícia em diversos órgãos de imprensa, mandou emitir um comunicado a desmentir a interpretação que se fez da deliberação da ARC.

A seu ver, os jornais Santiago Magazine e A Nação (a RCV e TCV repercutiram a notícia), com os quais tem uma contenda, faltaram à verdade quando noticiaram ontem, 8, que o Ministério Público havia perdido a causa contra estes órgãos junto da ARC e que tal derrota significava, por arrastamento, vitória dos dois jornais em relação ao badalado processo movido pela PGR que ficou mais conhecido por caso de violação do segredo de justiça.

Landim, no seu comunicado de imprensa – não endereçado, diga-se, ao Santiago Magazine – pega nisso mesmo para desmentir SM e A Nação, afirmando que em nenhum ponto da queixa que fez junto da ARC se aborda a questão da violação do segredo de justiça. Certo. E errado.

De facto, a sua queixa não é, vista ao pé da letra, sobre a violação do segredo de justiça – e ele o afirma no comunicado, ressalvando que o processo é sobre desobediência qualificada – mas por mais que tente indicar outro caminho acabará sempre por cair nesse assunto, que hoje não lhe convém falar.

Não convém porque foi a PGR quem primeiro pegou nessa questão (violação do segredo de justiça) para acusar os jornais de incumprimento e, claramente, tentar impedir que se continuasse a falar de um ex-tabu, o caso Paulo Rocha. Foi só depois de este jornal se insurgir contra essa draconiana investida que a PGR, já sábia de que não teria como silenciar Santiago Magazine por essa via, mudou a estratégia e corrigiu para crime de desobediência qualificada – aliás, bem antes, tinhamos sido chamados para responder como testemunha num processo que, qualquer pessoa com dois dedos de testa, percebe que se trata um modo tosco de descobrir a fonte do jornal.

O PGR nega até que a notícia - "Batota judicial. PGR manda excluir todas as diligências feitas pelo procurador Ary Varela no caso da morte de Zezito denti d’Oru" - seja real, pegando no facto de SM não o ter ouvido antes, conforme as regras do trabalho jornalístico que exige o contraditório, para desabotoar essa camisa de força. Como será possível se por incontáveis vezes tentamos obter respostas da PGR, em diversas matérias, sem dizerem um pio? Enviamos questões por e-mail (sugestão do próprio PGR, Luis Landim, para a sua secretária) que não são respondidas – refiro-me ao caso Amadeu Oliveira, Alex Saab… - num boicote total ao Santiago Magazine. E ele quer que o jornal fique refém da sua posição, sem poder informar o país o que acontece debaixo do seu tapete?

Suponhamos que o jornal infringiu nos seus deveres, mas isso muda o quê? Então não é verdade que o PGR mandou efectuar buscas em casa e gabinetes do procurador que detinha o processo de investigação ao caso Zezito Denti d’Oru, Ary Varela? E nos escritórios e residência dos inspectores da PJ André Semedo e Gerson Lima? Não confiscou todos os seus pertences pessoais e de trabalho, como documentos, computadores e telemóveis, quando se deu a notícia de um possível envolvimento de um ministro num suposto caso de assasssinato? O PGR não mandou destruir as recolhas antes feitas por Varela?

O inspector Gerson Lima foi inclusive detido e desarmado por envolvimento com o tráfico de droga, mas de tão falsa tal acusação acabou sendo libertado e readmitido na PJ por ordem da ministra da Justiça, Joana Rosa. Sintomático, não? 

E quando apresenta queixa por violação do "direito de acesso à fonte e informação" está a querer dizer o quê? Que se não podemos aceder, oficialmentre, a determinados assuntos não podemos contar o que se passa? No caso em apreço se nos afigura, como de resto, fomos acusados inicialmente e de forma errónea, de violação do segredo de justiça, uma estultice de que o MP se vem recuando, pé ante pé, após perceber, a posteriori, do falhanço cometido. 

Enfim, esta tentativa incessante de culpabilizar a imprensa por erros domésticos crassos e defesas grosseiras dde amigos têm de ser assacadas e responsabilizadas, se é que existe responsabilização neste país onde a imprensa que investiga, denuncia e explica é o elo mais fraco.

Vê-se claramente que o PGR tenta a todo o custo desenvencilhar-se da teia ou emaranhado de atropelos em que vai criando e metendo a cabeça. E o país à espera de saber quem mandou e matou Zezito Denti d’Oru a sangue frio, como referem os documentos que o Ministério Público não quer se revele, como qualquer mulher adúltera não gostaria.

 

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine