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MP perde primeiro round na polémica sobre violação do segredo de Justiça - ARC considera improcedente queixa do PGR contra Santiago Magazine e A Nação
Sociedade

MP perde primeiro round na polémica sobre violação do segredo de Justiça - ARC considera improcedente queixa do PGR contra Santiago Magazine e A Nação

A Autoridade Reguladora da Comunicação considerou, por unanimidade, improcedente a queixa feita em Março deste ano pelo Conselho Superior do Ministério Público, na pessoa do Procurador-Geral da República, Luís Landim, contra Santiago Magazine que, segundo ele, teria violado “os deveres de rigor informativo, os limites que a lei impõe à liberdade de imprensa, liberdade de expressão e de criação e o direito de acesso à fonte e informação” quando este diário publicou, em Janeiro, a notícia “Batota judicial. PGR manda excluir todas as diligências feitas pelo procurador Ary Varela no caso da morte de Zezito Denti d’Oru'”. Também o jornal A Nação saiu ilibado, desta feita de outra queixa do PGR referente a uma peça noticiosa em que interrogava “Quem está a mentir”, no caso Zezito Denti d’Oru. É a primeira derrota da PGR na polémica sobre acesso à informação, violação do segredo de justiça e desobediência qualificada de que Santiago Magazine, e o seu jornalista e director, Hermínio Silves, o semanário A Nação e o jornalista deste Daniel Almeida estão acusados.

O despacho, com data de 24 de Maio, mas notificado aos visados apenas nesta terça-feira, 7, não deu provimento à queixa do Conselho Superior de Magistratura do Ministério Público, na pessoa do PGR, Luis Landim. A decisão de improcedência foi assinada por unanimidade por todos os membros do conselho regulador da ARC - Arminda Pereira de Barros, Presidente Jacinto José Araújo Estrela Maria Augusta Évora Tavares Teixeira Alfredo Henriques Mendes Dias Pereira Karine de Carvalho Andrade Ramos.

O órgão regulador faz questão de referir que “as partes foram devidamente notificadas para estarem presentes numa audiência de conciliação, agendada para o dia 18 de abril de 2022, pelas 10 Horas, nas instalações desta autoridade”, conforme estatui o Artigo 56.º da Lei n.º 8/VIII/2011, de 29 de dezembro alterada pela Lei n.º 106/IX/2020, de 14 de dezembro, que aprova os Estatutos da ARC., mas que “a audiência não foi realizada devido à não comparência do Queixoso que não justificou a ausência”.

Na sua queixa, o PGR denunciou a notícia de Santiago Magazine, intitulada “Batota judicial. PGR manda excluir todas as diligências feitas pelo procurador Ary Varela no caso da morte de Zezito Denti d’Oru'”, apontando de imediato para o segundo parágrafo do texto que dizia que “Segundo fonte do Santiago Magazine, junto da DCAP, o objetivo é eliminar tudo o que já foi investigado e apurado até aqui no processo que investiga a misteriosa morte de Zezito Denti d’ Oru, em 2014, no bairro da Cidadela, numa suposta troca de tiros com a PJ. É uma forma subtil de se queimar arquivo e abafar de vez este escândalo, realça a fonte SM”.

O PGR entendeu que foram proferidas “declarações deturpadas, falsas e inexistentes, sem audição das partes com interesses atendíveis na matéria para o exercício do contraditório, sem verificação prévia das informações apresentadas”.

Luis Landim não gostou que jornal citasse as suas fontes, afirmando por isso que “na publicação escuda-se na figura de fonte para difundirem e divulgarem informações falsas e deturpadas, numa tentativa de denigrir a imagem do Ministério Público perante a sociedade”.

O magistrado não gostou também do titulo da notícia, pelo que “não obstante o apuramento das responsabilidades civil e penal, entendeu interpor a presente queixa, solicitando a esta autoridade a análise/fiscalização do ponto de vista ético-axiológico, dos conteúdos do supracitado artigo, aferindo-se da conformidade com as leis que presidem a atividade de comunicação social, considerandose sobretudo, que foram difundidas informações abrangidas pelo segredo de justiça”, o que no seu entender o jornal Santiago Magazine “violou, nomeadamente, os deveres de rigor informativo, os limites que a lei impõe à liberdade de imprensa, liberdade de expressão e de criação e o direito de acesso à fonte e informação plasmados, designadamente no nº1 do artigo 11.º, no nº 2 do artigo 12.º e nas alíneas a), c) f) e m) do nº. 1 do artigo 19.º do Estatuto dos Jornalistas, aprovado pela Lei nº 72/VII/2010, de 16 de agosto, bem assim, as alíneas a) e e) do artigo 3.º e o artigo 6.º da Lei de Imprensa Escrita e de Agências de Notícias (Lei n.º 73/VII/2010 de 16 de agosto), o artigo 4.º, alíneas a), b) e d) do artigo 6.º, o n.º 1 do artigo 11.º da Lei da Comunicação Social (Lei n.º 70/VII/2010, de 16 de agosto)”.

Assim que foi notificado da abertura deste processo junto da ARC, a direcção de Santiago Magazine contrapôs os argumentos do PGR afirmando, desde logo, que o jornal discordava e refutava totalmente da posição do Procurador Geral da República, Luís José Landim.

E reiterávamos, no que diz respeito ao conteúdo da peça, que “os fatos são reais e consumados”, e que “o jornalista, não sendo caixa de ressonância, é sobretudo um descodificador de mensagens. No dia que deixar de interpretar, deixa de ser necessária a sua existência – bastaria um equipamento qualquer para transcrever o que ouviu. E assim, dito desta maneira, se justifica o título e o conteúdo da notícia que o PGR vem agora questiuncular”.

O jornal também fez questão de realçar que esta saga toda visa castigar o jornal, o jornalista e o seu diretor, e que o Procurador Geral da República procura a todo custo encerrar o Santiago Magazine.

“O jornalismo não se faz só de relatórios e despachos. Isso é de propaganda. Não pode e não deve ser panfletário, mas não deve jamais se automutilar por receio, impotência ou cortinas de aço que se tentam impor. A virtude está no meio. Sabemos os limites, as bitolas”, dizia o texto-resposta de SM enviado à ARC.

Deliberação

A ARC interpretou as posições de cada parte e fez estas considerações: “O acesso a fonte constitui uma das garantias fundamentais asseguradas ao jornalista, sendo que ao mesmo é assegurado a proteção da independência e sigilo profissional, não podendo ser obrigado a revelar as suas fontes de informação, conforme dispõe o n.º 8 do Artigo 60.º da CRCV. Seguindo a mesma ótica, o Artigo 15.º da Lei da Comunicação Social e o Artigo 12.º do Estatuto de Jornalista estabelecem que as empresas, os meios e os profissionais da comunicação social têm direito de acesso a fonte, contudo, sendo este vedado em relação a processos em segredo de justiça, aos fatos e documentos considerados segredos militares e segredo de Estado, aos secretos por imposição legal e os que digam respeito à vida íntima dos cidadãos”.

“Dispõe o n.º 3 do Artigo 16.º da Lei da Comunicação Social e o Artigo 16.º do Estatuto do Jornalista que nenhum meio de comunicação social ou jornalista pode ser coagido ou compelido a indicar o nome de seu informante ou a fonte de suas informações, e, na ausência de indicação entende-se como fonte própria. O que se pode dizer é que o acesso à fonte de informação constitui um direito atribuído aos jornalistas e aos órgãos de comunicação social, do qual os mesmos não estão obrigados a revelar o nome do seu informante ou a fonte das suas informações, até porque os jornalistas têm o dever de guardar sigilo profissional, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal”.

A ARC faz, claro, recomedações ao jornal quanto a aspectos que considera ferirem alguns princípios e regras que regem o exercício jornalistico (alguns contrioversos, de resto, num país onde as entidades não respeitam os direitos dos profissionais de forma propositada apenas para condicionar o trabalho da imprensa e assim se esconder verdades), mas reconhece que o jornalista não pode ficar preso aos ditames do poder instituído.

Por isso considerou improcedente a queixa do PGR, decisão que confere ao Ministério Público uma clara derrota na questão da suposta violação do segredo de justiça, ou mesmo da desobediência qualificada que Santiago Magazine, o seu director, Hermínio silves, o A Nação e seu director, Alexandre Semedo e o jornalista desse semanário, Daniel almeida, estão sendo acusados pelo MP, no concernente às notícias subsequentes à matéria de base que foi a denúncia de que um ministro, no caso o da Administração Interna, Paulo Rocha, está a ser nvestigado por homicidio agravado no caso da morte a tiros de Zezito denti d’Oru, que a PJ, também ela suspeita, apresentou como sendo o matador da mãe da inspectora da judiciária, Kátia Tavares, em 2013.

No caso do jornal A Nação, a ARC considerou que o jornal “usou expressões suscetíveis de pôr em causa o princípio da presunção de inocência, honra, e o bom nome de terceiro”, mas deliberou “dar por não provado que o denunciado tenha agido de má-fé ou com intenção deliberada de atingir a honra e reputação do queixoso”.

Leia aqui o Despacho da ARC, referente a Santiago Magazine, na íntegra:

 

 

CONSELHO REGULADOR DELIBERAÇÃO N.º 42/CR-ARC/2021 de 24 de Maio

 

I. Da Queixa: 1. No dia 16 de março de 2022 deu entrada nas instalações da Autoridade Reguladora para a Comunicação Social (ARC) uma queixa apresentada pelo Conselho Superior do Ministério Público, na pessoa do Procurador-Geral da República, Dr. José Luís Tavares Landim, doravante Queixoso, contra o jornal Santiago Magazine, doravante Denunciado, na sequência da notícia publicada na “rubrica Sociedades” do dia 14 de janeiro de 2022, intitulada “Batota judicial. PGR manda excluir todas as diligências feitas pelo procurador Ary Varela no caso da morte de Zezito Denti d’Oru'”.

2. Na referida Queixa, o Queixoso alega, basicamente, o seguinte:

2.1. Que no dia 14 de janeiro de 2022, o Denunciado publicou na rúbrica Sociedades, uma notícia intitulada “Batota judicial. PGR manda excluir todas as diligências feitas pelo procurador Ary Varela no caso da morte de Zezito Denti d’Oru'”.

2.2. Que no segundo parágrafo da notícia pode ler-se “Segundo fonte do Santiago Magazine, junto da DCAP, o objetivo é eliminar tudo o que já foi investigado e apurado até aqui no processo que investiga a misteriosa morte de Zezito Denti d’ Oru, em 2014, no bairro da Cidadela, numa suposta troca de tiros com a PJ. É uma forma subtil de se queimar arquivo e abafar de vez este escândalo, realça a fonte SM”.

2.3.Que foram proferidas declarações deturpadas, falsas e inexistentes, sem audição das partes com interesses atendíveis na matéria para o exercício do contraditório, sem verificação prévia das informações apresentadas, como também não considerou outras fontes para além das fontes de onde provieram as informações publicadas, deixando, deste modo, margem para o questionamento sobre a oportunidade, veracidade e intencionalidade do tratamento jornalístico” da matéria apresentada”.

 2.4. Que “na publicação escuda-se na figura de fonte para difundirem e divulgarem informações falsas e deturpadas, numa tentativa de denigrir a imagem do Ministério Público perante a sociedade”.

2.5. Que houve falhas consideradas “graves” na construção da peça noticiosa “que de forma deliberada lançam suspeições com o fito de manchar a credibilidade e o trabalho levado a cabo pelo Ministério Público, bem como a probidade dos magistrados dessa instituição e do Procurador-Geral da República”.

2.6. Expondo que “existe ainda a agravante de não serem mencionadas as fontes de informação”, pelo que se depreende que o jornal assume “a responsabilidade das declarações produzidas” na publicação.

2.7. Afirma que os título sugestivo apresentado na publicação, é passível de violar os princípios consagrados no Código Deontológico do Jornalista, que exorta os profissionais a evitarem o sensacionalismo, bem como pautar-se pelo rigor e exatidão dos fatos, pela correta verificação e confrontação dos fatos, através da consulta de diversas fontes de informação.

2.8. Pelo que, não obstante o apuramento das responsabilidades civil e penal, entendeu interpor a presente queixa, solicitando a esta autoridade a análise/fiscalização do ponto de vista ético-axiológico, dos conteúdos do supracitado artigo, aferindo-se da conformidade com as leis que presidem a atividade de comunicação social, considerando-se sobretudo, que foram difundidas informações abrangidas pelo segredo de justiça.

2.9. Concluindo que “Resulta líquido do supra exposto que, de forma consciente e deliberada o jornal Santiago Magazine violou, nomeadamente, os deveres de rigor informativo, os limites que a lei impõe à liberdade de imprensa, liberdade de expressão e de criação e o direito de acesso à fonte e informação plasmados, designadamente no nº1 do artigo 11.º, no nº 2 do artigo 12.º e nas alíneas a), c) f) e m) do nº. 1 do artigo 19.º do Estatuto dos Jornalistas, aprovado pela Lei nº 72/VII/2010, de 16 de agosto, bem assim, as alíneas a) e e) do artigo 3.º e o artigo 6.º da Lei de Imprensa Escrita e de Agências de Notícias (Lei n.º 73/VII/2010 de 16 de agosto), o artigo 4.º, alíneas a), b) e d) do artigo 6.º, o n.º 1 do artigo 11.º da Lei da Comunicação Social (Lei n.º 70/VII/2010, de 16 de agosto)”.

 2.10.Para tanto, requer a intervenção do Conselho Regulador da ARC para apreciar a presente queixa, adotando as providências que ao caso se afiguram como as mais adequadas.

 

II. Da Oposição à Queixa:

3. No dia 23 de março de 2022, o Denunciado foi notificado sobre o conteúdo da queixa, a qual apresentou a sua oposição no dia 08 de abril de 2022.

4. Em sua defesa, começa por afirmar que “Santiago Magazine discorda e refuta totalmente da posição do Procurador Geral da República, Luís José Landim, na presente queixa endereçada à ARC e considera-a extemporânea”.

5. Afirma que o Queixoso repete vezes sem conta que o denunciado introduziu falsidades na notícia em referência.

6. Sobre o conteúdo da peça, realça que os fatos são reais e consumados, afirmando que “o jornalista, não sendo caixa de ressonância, é sobretudo um descodificador de mensagens. No dia que deixar de interpretar, deixa de ser necessária a sua existência – bastaria um equipamento qualquer para transcrever o que ouviu. E assim, dito desta maneira, se justifica o título e o conteúdo da notícia que o PGR vem agora questiuncular”.

7. Acredita que esta saga toda visa castigar o jornal, o jornalista e o seu diretor, e que o Procurador Geral da República procura a todo custo encerrar o Santiago Magazine.

8. Prossegue declarando que “o jornalismo não se faz só de relatórios e despachos. Isso é de propaganda. Não pode e não deve ser panfletário, mas não deve jamais se automutilar por receio, impotência ou cortinas de aço que se tentam impor. A virtude está no meio. Sabemos os limites, as bitolas”. 9. Remata que “o poder judicial tem os seus limites, a sua linha vermelha judicial, mas vive entrincheirado tentando chegar ao outro lado da barricada, ou seja, aos infratores. O jornalismo independente mira a mesma coisa. Por isso fiscaliza, monitora e denuncia os fora-da-lei, paralelismo, de resto, previsto na lei e conformidade com Justiça. Havendo-a ou não”. 

10. Conclui requerendo o arquivamento, por manifesta carência de substância que lhes confere a dignidade de uma posição contrária, o que, se REQUER, com as legais consequências.

 

III. Da Audiência de Conciliação:

11. Apresentado a oposição pelo Denunciado, as partes foram devidamente notificadas para estarem presentes numa audiência de conciliação, agendada para o dia 18 de abril de 2022, pelas 10 Horas, nas instalações desta autoridade, conforme estatui o Artigo 56.º da Lei n.º 8/VIII/2011, de 29 de dezembro alterada pela Lei n.º 106/IX/2020, de 14 de dezembro, que aprova os Estatutos da ARC.

12. Contudo, a audiência não foi realizada devido à não comparência do Queixoso que não justificou a ausência. IV. Análise e Fundamentação:

13. As liberdades de expressão e de informação fazem parte do leque de direitos, liberdades e garantias individuais, constitucionalmente consagradas, no qual se reconhecem a todos a liberdade de exprimir e de divulgar as suas ideias pela palavra, imagem ou por qualquer outro meio sendo que ninguém pode ser inquietado pelas suas opiniões políticas, filosóficas, religiosas ou outras, conforme dispõe o n.º 1 do Artigo 48.º da CRCV.

14. Ao abrigo do disposto no n.º 2 do Artigo 48.º da CRCV, todos têm liberdade de informar e de serem informados, procurando, recebendo e divulgando informações e ideias, sob qualquer forma, sem limitações, discriminações ou impedimentos.

15. Por outro lado, a liberdade de imprensa constitui direito, liberdade e garantia de participação política e de exercício de cidadania, consagrado no Artigo 60.º da CRCV, em que é assegurada a liberdade e independência dos meios de comunicação social, relativamente ao poder político e económico e a sua não sujeição a censura de qualquer espécie.

16. A ARC, enquanto autoridade administrativa independente, exerce os poderes de regulação, supervisão e fiscalização a todas as entidades que, sob jurisdição do Estado de Cabo Verde, prossigam atividades de comunicação social.

17. São atribuições da ARC: “ assegurar o livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa”; “garantir o respeito pelos direitos, liberdade e garantias”, no âmbito do exercício da atividade de comunicação social; “Garantir a efetiva expressão e o confronto das diversas correntes de opinião, em respeito pelo princípio do pluralismo e pela linha editorial de cada órgão de comunicação social; assim, como zelar pelo cumprimento das normas reguladoras das atividades de comunicação social conforme dispõe as alíneas a) d), e) e k) do Artigo 7.º dos Estatutos da ARC.

18. Sendo que compete ao Conselho Regulador “fazer respeitar os princípios e limites legais aos conteúdos difundidos pelas entidades que prosseguem atividades de comunicação social, nomeadamente em matérias de rigor informativo e de proteção dos direitos, liberdade e garantias pessoais”, alínea a) do n.º 3 do Artigo 22.º dos Estatutos da ARC.

19. De igual modo, a Lei da Comunicação Social, aprovada pela Lei n.º 56/V/98, de 29 de junho e alterada pela Lei n.º 70/VIII/2010, de 16 de agosto, estabelece nos seus Artigos 9.º, 10.º e 12.º, respetivamente, a liberdade de expressão, o direito de informação e a proibição de censura como sendo princípios basilares para o exercício da atividade de comunicação social.

 20. Destarte, a Lei da Imprensa Escrita e de Agências de Notícias, aprovada pela Lei nº73/VII/2010, de 16 de agosto, reconhecem no n.º 1 do seu Artigo 5.º a liberdade de Deliberação n.º 42/CR-ARC/2022, de 24 de maio - Página 7 de 11 Edifício Santo António, Bloco A, 2.º andar - Achada de Santo António - Caixa Postal n.º 313-A Tel. 5347171 – Site: www.arc.cv - E-mail: arccv@arc.cv - arccv2015@gmail.com imprensa, a qual compreende o direito de informar, de se informar e ser informado, sem impedimentos nem discriminações, sendo que o seu exercício não deve ser limitado por qualquer tipo ou forma de censura.

21. É de realçar que a alínea a) do artigo 10.º e o Artigo 11.º do Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei nº72/VII/2010, de 16 de Agosto, estabelece que o jornalista goza da liberdade de expressão e criação, não estando sujeito a qualquer forma de censura, autorização, caução ou habilitação prévia, sem prejuízo dos limites previstos na lei e dos poderes conferidos à direção do órgão de comunicação social, da empresa jornalística ou de comunicação social, ao conselho de redação, órgão similar ou equiparado.

22. A liberdade de expressão e de informação encontra-se limitada pela própria Constituição, tendo como limites o direito à honra e consideração de pessoas, o direito ao bom nome, à imagem e à intimidade da vida pessoal e familiar, bem como pelo dever de proteção da infância e da juventude, pela proibição da apologia da violência, da pedofilia, do racismo, da xenofobia e de qualquer forma de discriminação, ao abrigo do disposto nos números 4 e 5 do Artigo 48.º da CRCV.

23. Ademais, estas liberdades fundamentais encontram-se restringidas pelas leis ordinárias, concretamente no Artigo 13.º da Lei da Comunicação Social e no Artigo 6º da Lei de Imprensa Escrita e de Agências de Notícias, no qual a liberdade de informação e de expressão tem como limites a salvaguarda do rigor e da objetividade da informação, garantir o direito à honra, ao bom nome, à imagem e à intimidade da vida pessoal e familiar, bem como a proteção da infância e da juventude e a defender o interesse público e a ordem democrática.

24. No caso presente, impõe que se verifique a eventualidade da peça em apreço conter elementos que molduram em violações aos limites à liberdade de imprensa, designadamente que viole o rigor e a objetividade de informação.

25. O rigor informativo possui uma relação direta com o equilíbrio e a igualdade de oportunidades, no sentido da adoção, por parte do jornalista, onde se retrata uma atitude não discriminatória em relação às fontes de informação e aos atores das notícias. Assim, implica, para o jornalista, o dever de audição das partes interessadas e de permitir o contraditório entre as diversas interpretações dos factos, conferindo-lhes igual relevância.

26. Ora, o jornalista tem o dever de respeitar o rigor e a objetividade de informação, os limites impostos pela lei ao exercício da liberdade de informação e expressão, guardar o sigilo profissional, rejeitar e repudiar a mentira, a acusação sem prova, a difamação, a calúnia e a injúria, e comprovar a verdade dos fatos, a isenção, a verdade da informação, o pluralismo, a audição das partes interessadas e o exercício do contraditório, conforme estabelece as alíneas a), c), d), e) e f) do n.º 1 do Artigo 19.º do Estatuto dos Jornalistas, conjugado com o disposto no Artigo 4.º e da alínea a) do Artigo 6.º da Lei da Comunicação Social e do Artigo 6.º da Lei da Imprensa Escrita e de Agências de Notícias.

27. Por seu turno, as alíneas a) e e) do Artigo 3.º da Lei da Imprensa Escrita e de Agências de Notícias determinam como princípios norteadores da atividade de imprensa escrita e de agências de notícias a “Produção de uma informação factual, rigorosa, credível e digna de confiança” e a “Instituição do princípio do contraditório, com audição das partes envolvidas na notícia ou na informação, confrontando e registando as diferenças relevantes e publicação do resultado desse confronto”.

28. Outrossim, é o dever do jornalista promover o exercício do contraditório e o pluralismo de versões, sobre um facto ou uma versão cuja a sua publicação demanda ouvir a parte que nela tenha o direito de se defender, expressar a sua visão ou ponto de vista sobre a matéria, o que na peça em análise, manifestamente, não existiu. Na peça não é feita qualquer menção, direta ou indireta, de que o Denunciado fez todas as diligências necessárias para ouvir a (s) parte (s) interessada (s), sendo que a peça peca por fornecer uma perspetiva meramente parcial dos acontecimentos.

29. É de realçar que o Denunciado não provou, nem tão pouco alegou, que tenham sido empreendidos quaisquer esforços no sentido de lograr entrar em contato com o Queixoso posteriormente à divulgação da notícia, com o objetivo de colher, ainda que a posteriori, a sua perspetiva dos acontecimentos.

30. Posto isto, pode-se analisar a peça, na qual surgem como fonte utilizadas um despacho da PGR e uma “fonte do Santiago Magazine junto da DCAP”.

31. O acesso a fonte constitui uma das garantias fundamentais asseguradas ao jornalista, sendo que ao mesmo é assegurado a proteção da independência e sigilo profissional, não podendo ser obrigado a revelar as suas fontes de informação, conforme dispõe o n.º 8 do Artigo 60.º da CRCV.

 32. Seguindo a mesma ótica, o Artigo 15.º da Lei da Comunicação Social e o Artigo 12.º do Estatuto de Jornalista estabelecem que as empresas, os meios e os profissionais da comunicação social têm direito de acesso a fonte, contudo, sendo este vedado em relação a processos em segredo de justiça, aos fatos e documentos considerados segredos militares e segredo de Estado, aos secretos por imposição legal e os que digam respeito à vida íntima dos cidadãos.

33. Dispõe o n.º 3 do Artigo 16.º da Lei da Comunicação Social e o Artigo 16.º do Estatuto do Jornalista que nenhum meio de comunicação social ou jornalista pode ser coagido ou compelido a indicar o nome de seu informante ou a fonte de suas informações, e, na ausência de indicação entende-se como fonte própria.

34. O que se pode dizer é que o acesso à fonte de informação constitui um direito atribuído aos jornalistas e aos órgãos de comunicação social, do qual os mesmos não estão obrigados a revelar o nome do seu informante ou a fonte das suas informações, até porque os jornalistas têm o dever de guardar sigilo profissional, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal.

35. Posto isto, é relevante analisar a eventualidade de elementos que violem os limites à liberdade de imprensa por ofensas do direito ao bom nome, à reserva da intimidade, à imagem e à palavra dos cidadãos, em concreto, impondo-se discutir se o título, pela presença da expressão “Batota judicial”, é lesivo ao bom nome e a honra dos atores presentes na peça.

36. Pois bem, “Batota” poderá significar ato ilegítimo, contra as regras do jogo, esperteza, aldrabice, trapaça, muitas vezes podendo apenas o contexto permitir a sua interpretação em termos de valor semântica. In casu, o termo “Batota Judicial” é utilizado para atribuir valor semântico a uma decisão de desentranhamento de diligências judiciais determinadas pelo PGR, aplicado mais na perspetiva do uso corrente para se referir a alteração das regras do jogo.

37. O título da notícia, para além da sua função informativa, tem igualmente uma função apelativa que visa estimular a leitura, o que também não é de todo legítimo quando se exige ao jornalista a devida adequação de meios, ou seja, contenção e preservação de uma certa urbanidade. Outrossim, a expressão não vem entre aspas, o que denuncia que foi assumido com consciência pela redação.

 

V. Deliberação:

Tendo apreciado a queixa efetuada pelo Conselho Superior do Ministério Público contra o Jornal Santiago Magazine, a propósito da peça publicada no dia 14 de janeiro de 2022, na rubrica Sociedades “Batota judicial. PGR manda excluir todas as diligências feitas pelo procurador Ary Varela no caso da morte de Zezito Denti d`Ouro”, o Conselho Regulador, ao abrigo das suas competências, constantes no n.º 1 do Artigo 57.º e da alínea a) do n.º 3 do Artigo 22.º dos Estatutos da ARC, delibera o seguinte:

a) Considerar que o Jornal Santiago Magazine não observou o disposto no Artigo 4.º e da alínea a) do Artigo 6.º da Lei da Comunicação Social, conjugado com o disposto nas alíneas a), b), d) e e) do Artigo 3.º e do Artigo 6.º da Lei da Imprensa Escrita e de Agências de Notícias e do disposto na alínea a) do n.º 1 do Artigo 19.º do Estatuto do Jornalista, por não assegurar o rigor e a objetividade da informação, não garantindo o direito a audição da parte interessada, o contraditório, bem como a diversificação das fontes de informação.

b) Dar por improcedente a alegada violação do direito de acesso à fonte de informação, constante no Artigo 15.º da Lei da Comunicação Social e no Artigo 12.º do Estatuto do Jornalista, por alegada divulgação de informações sob segredo de justiça.

c) Recomendar o Jornal Santiago Magazine a assegurar o cumprimento escrupuloso da lei e das normas que regulam o regem o exercício da atividade da Comunicação designadamente, o rigor e a objetividade de informação, o pluralismo e a diversidade de fontes, a audição das partes interessadas e o contraditório. A presente Deliberação entra em vigor no dia seguinte ao da sua notificação.

Note-se, nos termos do n.º 2 do Artigo 63.º dos Estatutos da ARC. Esta deliberação foi aprovada, por unanimidade, na 24.ª Reunião Ordinária da ARC. Cidade da Praia, 24 de maio de 2022.

 

O Conselho Regulador,

Arminda Pereira de Barros, Presidente

Jacinto José Araújo Estrela

Maria Augusta Évora Tavares Teixeira

Alfredo Henriques Mendes Dias Pereira

Karine de Carvalho Andrade Ramos.

 

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