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Governantes do meu querido país, ainda vamos a tempo de mudar a política de droga em Cabo Verde   
Colunista

Governantes do meu querido país, ainda vamos a tempo de mudar a política de droga em Cabo Verde  

A 26 de junho comemora-se o Dia Internacional Contra o Abuso e o Tráfico de Drogas, um problema que a todos toca, provoca e convoca. Ao logo das últimas décadas o fenómeno da droga, sobretudo o seu consumo, tem agravado globalmente, com prejuízos sociais e económicos enormíssimos. E é voz unânime que o principal “responsável” é a inadequada política pública de enfrentamento.

As políticas públicas também matam. Contrassenso, não é? Afinal, elas servem para solucionar problemas sociais, garantir a proteção dos direitos fundamentais e salvar vidas. É suposto que seja assim. Mas, desenganem-se. Assim como um remédio em dose excessiva pode causar danos, até matar, uma política pública desajustada pode, também, ter efeitos nefastos, inclusive pôr em risco vidas das pessoas.

As drogas coexistem com a humanidade desde que o mundo é mundo, apenas variam de representações e crenças, dependendo das longitudes por onde passa e da latitude onde é consumido, enfim dos passeios por onde pisa. O homem as procura para atingir estado de euforia e até mesmo de conforto. E, seguramente, sempre existirão, causando danos e destruindo vidas se teimarmos com a mesma postura. Se continuarmos nesta batalha de canhões armados com pedras.

Que a droga é uma pedra no sapato dos governantes, não tenhamos dúvidas. Que ela já matou muitas pessoas, também é verdade. Mas, as políticas de proibição matam muito mais. Esta constatação de há alguns anos, que merece o nosso apoio, é do Kofi Annan, ex Secretário-Geral da Nações Unidas. E quanto mais o tempo passa faz mais sentido.

Infelizmente, e para azar de muitos, os governantes cabo-verdianos recusam-se a ver esta verdade, insistindo numa política de criminalização do consumo que já deu o que tinha a dar. Ou melhor, não deu nada. Esta política começou nos anos setenta, coincidindo com o agravamento do fenómeno, e de lá para cá o consumo só aumentou. Segundo dados oficiais, em 1990 havia 180 milhões de consumidores no mundo, atualmente estima-se 275 milhões. O mesmo aconteceu para o número de toxicodependentes. De 25 milhões em 2003 temos agora 36.3 milhões. Pior é que até 2030 prevê-se que os consumidores de drogas aumentarão 11%. Claro, se nada de diferente for feito. https://www.statista.com/statistics/274690/population-prevalence-of-illegal-drugs-worldwide-since-1990/

Em Cabo Verde, a lei da droga data de 1993 e serviria para dar combate a um problema que se começa a desenhar em 1970 e agudiza-se nos de 1990. Entretanto, os dados estatísticos revelam um aumento continuado do consumo. Nós, que estamos na linha da frente desta batalha, percebemos este agravamento.

A política de criminalização mostrou uma única eficácia até então: fazer o consumidor e o toxicodependente vestirem-se de “ocultos” para escapar ao estigma social e legal, ao preconceito e ao julgamento, piorando a sua condição, diga-se. Esta situação é confirmada por resultados de diferentes estudos sobre esta matéria. A atitude de se esconder torna-se   a única e mais eficaz estratégia de sobrevivência que, muitas vezes, tem terminado em mortes, pois fogem de o direito à saúde – tratamento.

Muitos são contra. “Seria desresponsabilizar os consumidores, piorando a situação”, argumentam. Porém, se esquecem de que a saúde e a vida, atributos “pessoalíssimos do indivíduo, diz-lhe respeito exclusivamente. Ou seja, liberdade escolha, fundamento de um Estado de Direito. Não significando, entretanto, que não deva ser responsabilizado, civil ou penalmente, por comportamentos ofensivos a terceiros que decorrem desta sua escolha. Outrossim, a legalização do consumo de drogas permitira o melhor controlo sanitário das doenças que ao consumo de drogas estejam associadas e sua eficiente profilaxia, pois os consumidores estariam sempre acessíveis às estruturas de controlo. É basta ver para o exemplo de Portugal.

A criminalização do consumo de droga revelou-se ineficaz, um fracasso à escala planetária, mantida por teimosia ou por desleixo dos dirigente, custando vidas e sonhos. Por isso, governantes do meu querido país, estamos na boca do leão, mas vamos a tempo de alterar este estado de coisa e devolver a vida e os sonhos a quem o destino já roubou até a dignidade.

Um mundo sem droga é uma ilusão perigosa, por isso temos nos adaptar a esta realidade, para o benefício de todos.

José Luís Vaz, Licenciado em Criminologia e Segurança Pública. Mestrando em Políticas Públicas

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