Será que o emigrante caboverdeano vai ter que mostrar passaporte para poder fazer o envio de remessas para Cabo Verde?
1. Esta nova Taxa de Segurança Aeroportuária que o Governo passou de 300$00 para 3.400$00, para todos os viajantes internacionais que desembarquem nos aeroportos de Cabo Verde, prejudica duas vezes os emigrantes caboverdeanos. Primeiro, demonstra que a emigração é mero discurso no seio deste governo e está longe de ter a relevância merecida no âmbito de políticas públicas, se não, nunca teria sido facilmente desconsiderada neste caso concreto deste aumento brutal. Por outro lado, põe a nu uma enorme falta de coerência por parte do atual governo de Cabo Verde: se para enviar as suas remessas, o emigrante caboverdeano pode fazê-lo, independentemente, do passaporte que detém, já para visitar o seu próprio país, o governo decide passar a exigir-lhe a posse de um comprovativo da sua caboverdeanidade. Tem de apresentar o passaporte caboverdeano que esta lei da taxa está a exigir para que possa obter a isenção de pagamento da taxa aeroportuária;
2. Tendo-se apercebido desta trapalhada de exigir o passaporte, conforme decisão do Conselho de Ministros, o Governo bombeiro veio – apenas seis dias úteis depois – publicar uma nota no Facebook, com medidas “txapa-txapa” para dar a volta a este artigo do passaporte (Art. 53 E). Vem dizer que o Conselho de Ministros vai dizer que será suficiente a apresentação de certidões de casamento ou de nascimento do próprio, ou dos pais ou avós, para provar ascendência caboverdeana;
3. Este remendo está longe de estragar os danos causados que consiste no facto de que a obtenção de qualquer desses documentos implica burocracia. Sendo que é precisamente o argumento da burocracia que é invocado para defender a isenção de vistos para todos os turistas europeus. Assim, o que é evitado aos turistas, o que é aliviado aos turistas, é impingido aos emigrantes caboverdeanos a viverem no estrangeiro que, doravante, terão de enfrentar essa burocracia para tirarem um passaporte ou outro documento das ilhas afortunadas. Qualquer leigo em matéria de migrações e comunidades sabe o quanto custa, a uma larga maioria de caboverdeanos, faltar a um dia de trabalho para ir tratar de documentos e passaportes. Mas, a mensagem é clara: se é só para enviar dinheiro, pode continuar a fazê-lo "nos trinques", lá da terra longe, sem pôr cá os pés!
4. Um outro estrago grave desta taxa, são os entendimentos e sentimentos que Cabo Verde vai despoletar nos vizinhos da CEDEAO. É que Cabo Verde tem um acordo de livre circulação com esses países da região da África Ocidental e decide sair, agora, com uma taxa pelas costas – pressupomos, sem terem sido ouvidos! Numa altura em que é conhecida a situação que os cidadãos da CEDEAO enfrentam nos aeroportos internacionais de Cabo Verde com a exigência, entre outras, de apresentarem montantes justificativos em dinheiro, algo que nunca é feito com os caboverdanos que desembarcam nesses países. Neste momento, não há dúvida de que o desejável seria medidas ilustrativas da boa vontade de Cabo Verde para com os vizinhos continentais e não passar a cobrá-los ainda mais para entrarem nas ilhas. Agora, estamos certos de que uns tantos irão pensar o quão grande irmão africano somos nós. Ainda queríamos ser presidente da CEDEAO! Não tenhamos dúvidas, há muito que nos vêm lendo nas entrelinhas e cedo perceberam que teríamos sido um mau presidente da CEDEAO;
5. Um amigo meu, chamou-me atenção para um outro aspeto extremamente grave: o facto de 10% dessa taxa ficar sob o risco de contribuir para o enriquecimento de privados amigos do poder! Como assim? Basta juntar “dois mais dois” na antiga tabuada do Ratinho e não pelas contas do "Matimática Manual" (por razões óbvias!). É preciso ver: a lei que introduz o aumento da Taxa de Segurança Aeroportuária estabelece que 10% das receitas vai para a ASA. Acontece que a ASA faz parte da lista de 25 empresas a serem privatizadas (resolução do Conselho de Ministros nº87/2017 de 03 de agosto) e que está também no Programa de Governação “Compromisso para as ilhas, Soluções para as ilhas” (pág. 37). Assim, as projeções das receitas da taxa apontam um total de cerca de 228 milhões de escudos para a ASA, milhões esses que, após a sua privatização, irão diretamente para os bolsos de fulanos, beltranos e sicranos. Como disse Samora Moreira, num dos seus vídeos mais recentes a circular nas redes sociais, "o MPD veio para raspar [rikupera] todo o dinheiro". Não há de faltar quem diga que é apenas dor de cotovelo. Enquanto isso, a galinha ASA vai seguindo o seu natural processo de engorda até à privatização a favor dos gatos da serra – entenda-se privados amigos do poder;
6. As medidas de políticas públicas refletem, exatamente, o misto de razão e sentimento dos políticos e do partido no poder. Por isso, esta taxa mostra aquilo que vai na mente e no coração dos políticos do atual governo em relação aos emigrantes. Se a extinção do Ministério das Comunidades e de todos os seus projetos, programas e iniciativas, foi um sinal claro do retrocesso de Cabo Verde em matéria de política para a diáspora, a criação desta taxa, veio comprovar que o governo não hesitará em tomar medidas de angariação de dinheiro, mesmo que prejudiquem os nossos emigrantes. Dito de outro modo, o governo está pronto a não "djobi pa lado" também em relação aos emigrantes caboverdeanos. O problema é quantos vão se aperceber disto!
7. O que nos vale é que esta medida de isenção de vistos vai ser adiada, pela quarta vez, e não entrará em vigor em janeiro de 2019.
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