Em plena crise emergencial em São Vicente, quando o país e o mundo se mobilizam para apoiar a população, o governo pretende esbanjar com um monumento 150 mil contos, à custa dos contribuintes, ao mesmo tempo que promove manobras de diversão para desfocar a atenção pública do essencial, como sejam os contratos lesa-pátria com empresas privadas estrangeiras e a cortina de fumo sobre o escândalo da compra de acções da Caixa Económica, tudo regado com o discurso partidário-extremista de um suposto “perigo comunista”…
Aparentemente, para os mais desavisados, poder-se-ia pensar que o recente anúncio da construção de um monumento à liberdade e à democracia anunciado pelo governo, em plena implementação de medidas de emergência para fazer face à calamidade que abalou a ilha de São Vicente, resultaria de uma precipitação e de falta de tacto político, principalmente pelos valores envolvidos, na ordem dos 150 mil contos. No entanto, é apenas (mais) uma expressão da falta de sentido de Estado e de ausência de uma linha política centrada no interesse público que, grosso modo, é o ADN deste governo e do partido que o sustenta.
Em contra-mão à consternação nacional e às campanhas de solidariedade activa ao povo da ilha do Monte Cara, que vêm envolvendo pessoas singulares e instituições no país e além-fronteiras, num contexto de evidentes dificuldades económicas, o governo decidiu apostar no esbanjamento.
Um monumento à vaidade e auto-estima do partido do governo
Não está em causa o monumento em si, antes a oportunidade do seu anúncio, para mais num contexto claro da sua construção para fins meramente partidários, pago pelo erário público. E isso é evidente nas narrativas que subjazem à sua construção, bem evidentes nas excitações plasmadas em comentários de eminentes militantes e dirigentes da ala mais extremista do MpD, que vêm enfatizando que não se pode renegar a origem fundacional do partido (sic).
Ao mesmo tempo, promove-se um feroz ataque aos que, mesmo não tendo partido ou sendo militantes do “MpD original”, se opõem à construção do monumento neste preciso momento, acusando-os de serem um instrumento da oposição e agentes de um suposto “perigo comunista” (vá-se lá saber o que isso seja).
Em vez de se centrar naquilo que é fundamental, nomeadamente, a reconstrução da devastada ilha de São Vicente, o governo opta por erguer um monumento à vaidade e auto-estima do partido que o sustenta, repescando argumentos com três décadas de atraso histórico, em plena guerra fria, como se o país estivesse à saída do partido único ou à entrada de uma nova versão do mesmo. Uma insanidade completa!
Trata-se, sem dúvida, de uma idiotice táctica de quem, aparentemente, já perdeu a esperança de se manter no poder e, desesperadamente, busca fidelizar os sectores mais radicais e/ou manipuláveis do universo ventoinha.
A ocultação em silêncios cúmplices e comprometedores
Entretanto, sucedem-se as manobras de diversão, agora que se aproximam as eleições legislativas do próximo ano, com a respectiva produção de factos políticos, as mais das vezes sem comprovação fáctica e/ou flagrantes manipulações, visando afastar os olhares públicos daquilo que verdadeiramente interessa, ocultando factos em silêncios cúmplices e comprometedores.
Os farsantes e sua tropa de choque esforçam-se para chafurdar nas últimas migalhas, abocanhando as derradeiras prebendas, tentando adiar o inevitável: a queda das torres de cristal que ilusoriamente fazem cintilar a antecâmara do fim de qualquer efémero poder.
E o que interessa saber e se confronta com um muro de silêncios sistémicos, é uma explicação clara e factual sobre o desastre dos contratos de lesa-pátria assinados entre o governo e empresas privadas estrangeiras em matéria de transportes aéreos e marítimos (neste último caso, com a alteração de uma minuta aprovada em Conselho de Ministros), sem que ninguém assuma responsabilidades, apesar de se saber quem as tem de facto.
Importante seria, ainda, esclarecer as circunstâncias (cirúrgicas e duvidosas) da demissão do então coordenador da Unidade de Acompanhamento do Sector Empresarial do Estado (UASE), Sandeney Fernandes, e sua detenção no dia seguinte, com grande aparato policial e quando o tribunal já se encontrava encerrado, procurando fazer dele o culpado conveniente (chegou mesmo a pedir-se a prisão preventiva) para fazer passar a ideia (falsa) de que “não se brinca com o interesse público”, ao mesmo tempo que se ergue um muro de silêncio sobre a circunstância de haver gente do governo - e mesmo um alto responsável da Caixa Económica de Cabo Verde - envolvida na compra de acções, recorrendo a informação privilegiada. Uma cortina de fumo para ocultar coisa bem mais grave, como seja o ruinoso contrato com a CV Interilhas.
Ou, eventualmente, abafar insistentes rumores, nos meios policiais e judiciais, de esquemas de exigência de comissões ou participações em negócios decorrentes do investimento estrangeiro.
Um novo projecto de sociedade
Voltando à tragédia que se abateu sobre São Vicente, ela deveria constituir-se como oportunidade para encontrar outros rumos, nomeadamente, em matéria de estratégias para o combate à pobreza e às caóticas políticas de desenvolvimento urbano, podendo-se perceber que o problema está no modelo de governação e, acima de tudo, num projecto de sociedade que não salvaguarda o interesse nacional nem os interesses da maioria da população.
Efectivamente, a governação de Ulisses Correia e Silva, que tantas esperanças suscitou em 2016, já provou quais os interesses que defende: os de uma ínfima minoria privilegiada, deixando de fora os mais pobres e a classe média, e uma linha de suposto desenvolvimento que se traduz na entrega a privados de sectores estratégicos.
Esta linha de submissão do interesse nacional ao capital privado, não abonando serviços constitucionalmente garantidos à população com argumentos demagógicos e economicistas, exige a construção de um projecto nacional patriótico e desenvolvimentista (*), que garanta a soberania do país, os direitos da maioria do seu povo e o progresso social, cortando de vez com as políticas neo-liberais e o entreguismo.
É isso, de facto, que deve estar em cima da mesa!
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(*) Oportunamente, falarei sobre esta questão de forma desenvolvida.
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