Cabo Verde, o país “fracassado” onde a pirâmide das necessidades e das prioridades é invertida e o Estado está capturado
Colunista

Cabo Verde, o país “fracassado” onde a pirâmide das necessidades e das prioridades é invertida e o Estado está capturado

“Governo prepara Cabo Verde para receber carros elétricos”

                                                                     Jornal A Semana, 31/06/2018

Num recomendável livro: Por que Falham as Nações - As Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza (2013), Daron Acemoglu e James Robinson, explicam como que as instituições políticas e económicas, coadjuvadas pelo respeito pela propriedade privada, são fundamentais para o sucesso económico e progresso social de um País. Cabo-verde é neste momento um fracasso como nação (vida social e politica) e próspera (económica). Daron Acemoglu e James Robinson descartam com dados às teorias que defendem a geografia, a cultura ou a ignorância como determinantes para as desigualdades do nível de desenvolvimento entre Países.

Desde 1975 que dizem-nos que somos pobres porque, somos insulares, não temos recursos naturais e a chuva é escassa. Portanto, seremos eternos “flagelados de vento leste” e emigrantes. No entanto, a Singapura e a Correia do Sul eram tão pobres como nós há 50 anos. Madeira, Açores, Islândia, Irlanda, Nova Zelândia, Japão são países insulares. Israel chove pouco ou nada. 

A eterna “flagelação de vento leste” começou a mitificar-se a partir de 1991. Baseando num falso liberalismo (privatizações por encomenda) a classe política passou a dominar a economia e capturando as instituições políticas e públicas, retravando o salto que o País necessitava para o desenvolvimento real. E num modo de enriquecimento ilícito e bloqueio ao desenvolvimento natural e potencial; da “destruição criativa” e “inovação disruptiva”, os desperdícios e gastos económicos e financeiros irracionais, mas intencionais, tornou-se um modo de vida. 

Ganhamos uma democracia eleitoral em 1991 sem sermos verdadeiramente livres; derivada de uma Constituição democrática, mas que na prática não garante e nem protege necessariamente o sistema e os cidadãos. Nunca houve preocupação de preservar a responsabilização e a separação de poderes. Vemos violação impunemente e banal da fronteira jurídica de quem deveria ser o garante do carácter democrático no País.

A situação actual de Cabo-verde não diverge da ideia base do livro. Em vez de forte aposta no bem-estar social ou colectivo: excelência no ensino e educação, saúde, transparência, justiça, meritocracia, equidade etc., optou-se por obras faraónicas e caras, priorizou-se o betão e luxo de governantes (deveríamos fazer um levantamento dos custos totais em automóveis do Estado nos últimos 27 anos). A Zona Económica Exclusiva (ZEE) está legalmente ao descoberto, ofertas/vendas a saldos de activos naturais (orlas marítimas, terrenos, etc.) para um turismo perverso, etc. 

É uma insanidade perante a inversão da pirâmide da hierarquia das necessidades e das prioridades, ver num país onde há carências básicas na saúde, ensino, alimentação, qualidade da água para o consumo, energia, segurança, etc., ver autarcas, directores, políticos, vereadores a andarem em Toyotas Prados que custam 10 mil contos, derrapagens surreais nas obras públicas e, ter mais de 22 festivais por ano. Anualmente gastamos perto de 200 mil contos em festivais o que perfaz 4.000.000 contos nos últimos 20 anos. Não se pode culpar a pobreza, a insularidade ou a falta de chuva. 

Um país onde a Presidência da República (282.381.858 ECV), a Assembleia Nacional (965.296.434 ECV - só em subsídio de renda, um deputado ganha mais do que um médico ou professor), o gabinete do 1º Ministro (245.812.448 ECVe do Ministro dos Assuntos Parlamentares e da Presidência Conselho Ministro (154.525.479 ECVtêm aproximadamente um custo anual de 1.648.016.219 ECV por Ano (15 Milhões de Euro/Ano) não se pode culpar a pobreza, a insularidade ou a falta de chuva.

Temos uma dívida real (Administração Central + Sector Público Empresarial) de quase 200% do PIB, um défice orçamental crónico e uma mobilidade social reduzida; cada vez mais exclusiva e de uma ínfima classe ou grupos. 

Análise comparada Cabo Verde e Luxemburgo: a gestão do rico versus pobre

Luxemburgo tem uma área 2.586 km e cerca de 500.000 habitantes. Os principais sectores econômicos são: finanças, indústria de ponta, serviços e turismo. Tem um PIB de cerca de 55 mil milhões de Euros (2016), sendo que arrecada 43,7[1] de receitas em % PIB. A composição do sector da economia é: serviços (87,1%), indústria (12,5%) e agricultura (0,4%) - (estimativa 2015). Tem 20,8% de dívida em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e não há população abaixo da linha de pobreza. 

Enquanto Cabo Verde tem uma área de 4 033 km², cerca de 539 560 mil Habitantes. Tem um PIB de 220 mil milhões de escudos (2016), sendo que arrecada 25,25 de receitas em % PIB. A composição do PIB por sector da economia é: serviços (60,5%), indústria (17,8%) e Sector Primário (9,1%) e Outros 12,9% (estimativa 2015). Tem 130% de divida relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e cerca de 30% da população vive abaixo da linha de pobreza.

Síntese das despesas no orçamento de Estado Luxemburgo

Sector e Ministerial                                                                     

 Ministério da Educação: 14,83%

 Ministério das Finanças: 4,09%

 Ministério do Ensino Superior e pesquisa: 3,06%

 Ministério do Estado: 1,66%

  • Deputados: 15%

  • Casa do Grão-duque: 4,29%

  • Governo: 18% 

 Ministério de Saúde: 1,13%

 Ministério de Justiça: 1,08 %

Global

Síntese de despesas no orçamento de Estado de Cabo Verde

Sector e Ministerial                                                                     

Mistério das Finanças[2]: 30,69%

Ministério da  Educação[3]: 14,50%

Ministério Saúde + Segurança Social[4] 7,41 %

Ministério do Estado[5]: 2,60%

  • Presidência da República[6] 17,13%

  • CHGOV, aprox. 24,28%

  • Gabinete do 1º Ministro 14,91%

  • Ministro dos Assuntos Parlamentares e da Presidência Conselho Ministro[7] 9,37%

  • Assembleia Nacional[8] 58,57%

Ministério da Justiça[9]: 1,06%                                       

O Ministério das Finanças de Cabo Verde gasta percentualmente 7x mais do que o Ministério das Finanças do Luxemburgo e contínua ineficiente. 

Gastamos aproximadamente a mesma percentagem em Educação, no entanto nem um sinal nosso no Programa Avaliação de Estudante Internacional (PISA - iniciais em inglês) da OCDE e sequer acessos aos livros.

Gastamos seis vezes mais na saúde e, os nossos Hospitais não têm máquinas de TAC, Raio-x, Ecografia, etc. Não temos ambulâncias modernas ou decentes, não conseguimos cuidar de diabéticos, não conseguimos fazer hemodiálise, não conseguimos evacuar um doente inter-ilhas e, até o gesso quem compra é o paciente/doente. No entanto, surrealmente os nossos ilustres deputados aprovaram uma adenda que lhes dá o direito a um subsídio e viagem para consulta no exterior.

Na justiça a percentagem é idêntica, mas a nossa simplesmente não funciona. Temos uma justiça corrupta, capturada e dispendiosa. 

A nossa classe política gasta o dobro. De realçar que Assembleia de Luxemburgo gasta três vezes menos em termos percentual do que a casa par(a)lamentar de Cabo Verde.

Evolução na aquisição de bens e serviços ou consumo intermédio (ECV)

Na chamada “gorduras do estado”, onde o controle é intencionalmente de extrema ineficiência, em particular no que toca a hiperinflação dos preços em relação ao mercado. Enquanto no Luxemburgo o valor é de 8.5% em Cabo-verde é cerca de 17.27%. No total são 9.217.015.133 ECV distribuídos pela Administração Directa + Fundos e Serviços Autónomos + Investimento.

Nos últimos 13 anos[10], em média, as despesas com Energia Eléctrica aumentou 43,37 p.p./Ano, a Água 31,25, p.p/Ano, Livros e Documentação Técnica 26,16 p.p/Ano, Material de Escritório 23,97 p.p/Ano, Deslocação e Estadas 13,68 p.p/Ano, Comunicações 11,83 p.p/Ano, Combustíveis e Lubrificante 10,53 p.p/Ano, Vigilância e Segurança 9,78 p.p/Ano, Limpeza Higiene e Conforto 9,42 p.p/Ano e Outros Serviços 7,73 p.p/Ano.

Portanto, as despesas aumentam anualmente mais de dois dígitos, enquanto os salários e a economia estagnam-se.

[1]Http://budget.public.lu/lb/budget2018/am-detail.html?chpt=depenses.

[2]Em 2005 era de 7 milhão de contos e 19 milhão de contos em 2018 ( ↑ 171,42%).

[3]Em 2005 era de 5 milhão contos e de 9 milhão e 400 mil contos em 2018 (.↑99%) .                

[4]Em 2005 era de 2,9 milhão contos e de 4,5 milhão de contos em 2018 (↑90%).

[5]  1. 648.016.219 Milhões de Escudos.

[6]Em 2005 era de 86 mil contos e 280 mil contos em 2018 (.↑225,58%).

[7]Esse Orçamento Privativo do MAPPCM é superior aos Orçamentos do Tribunal Constitucional, Supremo Tribunal De Justiça, Procuradoria-Geral Da República, Ministério Do Desporto, Ministério Da Cultura e das Indústrias Criativas, Ministério Das Infraestruturas, do Ordenamento do Território e Habitação e, é equivalente ao do Tribunal De Contas.

[8]Em 2005 era de 540 mil contos e 965 mil contos em 2018 (↑44,04%).

[9]Em 2005 era de 445 mil contos e 650 mil contos em 2018 (↑46,08%).

[10]No site do Ministério de Finanças só estão disponíveis os OE a partir de 2005.

Partilhe esta notícia

SOBRE O AUTOR

Redação

    Comentários

    • Este artigo ainda não tem comentário. Seja o primeiro a comentar!

    Comentar

    Caracteres restantes: 500

    O privilégio de realizar comentários neste espaço está limitado a leitores registados e a assinantes do Santiago Magazine.
    Santiago Magazine reserva-se ao direito de apagar os comentários que não cumpram as regras de moderação.