Alguns dias depois do Procurador-geral da República, Luís José Landim, voltar a acender o fósforo na sua relação com a comunicação social, com um duro comunicado em resposta aos comentários da Presidente da Agência reguladora de Comunicação Social, Arminda Barros, a Procuradoria-geral da República apresenta o “Jornal do Ministério Público” para “trazer, de forma resumida, as principais atividades relevantes do Ministério Público no final de cada mês”.
“Este pequeno Jornal tem como principal objetivo trazer, de forma resumida as principais atividades relevantes do Ministério Público no final de cada mês. A agenda do mês de março no Ministério Público foi, deveras, bastante dinâmica, sobretudo no quesito das formações e das audiências recebidas pela Sua Excelência, o Procurador-Geral da República”, lê-se na página do Ministério Público no Facebook onde está partilhada a versão zero do “jornal”.
Recentemente a PGR reagiu duramente às declarações da Presidente da Agência reguladora de Comunicação Social, Arminda Barros, que, após entregar ao Parlamento o relatório da imprensa em 2022, afirmou que o ano passado “foi um ano muito difícil para a Comunicação social, devido ao conflito que opôs os órgãos e jornalistas ao poder judicial, uma situação jamais vivida em Cabo Verde e que contribuiu para a queda de nove lugares no ranking da liberdade de imprensa dos repórteres sem fronteiras.
No seu comunicado, Luis José Landim, o procurador-geral da República, desdenha de um eventual “conflito entre os órgãos de Comunicação Social e o Ministério Público”, referido por Arminda Barros, considerando que “ouvir afirmações do género, do Sr. Presidente da Associação dos Jornalistas cabo-verdianos –AJOC-, na altura da publicação do referido ranking, é compreensível, porque proferidas por alguém interessada em reverter a opinião pública a favor da classe profissional que representa, embora fruto de uma análise bastante redutora dos dados”
“Porém, ouvir as mesmas declarações, reproduzidas pela Sra. Presidente da ARC, embora ainda se desconheça o teor do relatório apresentado à Assembleia Nacional, é inadmissível, vindo de representante de um órgão que, por lei, deve ser isenta e imparcial, no juízo sobre os diferendos que lhe são submetidos a julgamento, por duas ordens de razões, que cumpre esclarecer: Em primeiro lugar, os jornalistas, em momento algum estiveram em ‘conflito com o Poder Judicial’. Estava-se convencido de que a ARC tinha percebido que o conflito é com a Lei. Não com o Poder Judicial! Que as autoridades judiciárias intervêm quando entendem que alguém entra em conflito com as Leis da República, violando-as. Por outro lado, a própria decisão da ARC, relativamente à queixa apresentada pela PGR, em nenhum ponto se refere a 'conflito de jornalistas versus Poder Judicial’, limitando-se a recomendar aos Srs. Jornalista, maior atenção ao contraditório”.
A nota da PGR prossegue: “Na altura compreendeu-se o receio e a brandura da ARC em, no mínimo, repreender os jornalistas em causa, pela clara violação dos princípios por que se deve nortear a atividade jornalística. Muito melhor serviço se prestaria à Comunicação Social cabo-verdiana e à liberdade de imprensa!”.
Isto para concluir que “terá sido essa a razão da queda de Cabo Verde no ranking mundial da liberdade de imprensa, é da exclusiva responsabilidade de quem a tirou - AJOC e, agora, a ARC. Porém, a ser esta a razão da queda, os Repórteres sem Fronteiras (RSF) ter-se-ão baseado apenas em dados fornecidos pela própria AJOC e, eventualmente, pela ARC, sem qualquer exercício do contraditório junto do ‘Poder Judicial/Ministério Público’.
“Por outro lado, a ser essa a razão, naturalmente, os RSF não terão analisado ou analisado corretamente, o quadro jurídico cabo-verdiano. Nunca é demais lembrar que Cabo Verde é um Estado de Direto. Afirmações, juízos e ataques ao ‘Poder Judicial/Ministério Público’, em nada demoverão as autoridades judiciárias de prosseguirem no cumprimento das atribuições que lhe são conferidas pela Constituição e pelas Leis da República de Cabo Verde, contra todos quantos prevariquem”, adverte o procurador-geral da República, Luis José Landim.
AJOC reage
Geremias Furtado, presidente da AJOC, disse estranhar o facto de a PGR vir a público dizer que as declarações desse sindicato, feitas no ano passado, “são de alguém interessado em reverter a opinião pública a favor da classe profissional que representa, como se fossem os jornalistas os únicos e principais responsáveis pela queda de Cabo Verde no Ranking dos RSF, ainda mais quando as jus- tificativas desta queda constam claramente no relatório”.
Ao Expresso das Ilhas da semana passada aquele jornalista e líder sindical reiterou que 2022 foi, “de facto”, “muito difícil” para a comunicação social muito por conta do conflito entre jornalistas e o poder judicial.
“Não podemos esquecer do excesso de zelo demonstrado pela PGR num caso em específico que em nada mais configurou senão numa tentativa clara de amordaçar os jornalistas”, referiu.
Quanto ao comunicado da PGR, Geremias Furtado classificou-o como sendo “assustador” e aponta que a instituição procura “bodes expiatório para justificar o mau serviço que tem feito à Democracia”, quando deveria saber que não é a AJOC quem fornece dados aos RSF.
Três jornalistas, Hermínio Silves, Daniel Almeida e Alexandre Semedo, e dois jornais, Santiago Magazine e A NAÇÃO, foram, no início de 2022, constituídos arguidos em processos de investigação sobre crime de violação de direito de justiça aberto pelo Ministério Público (MP) por divulgarem “informações judiciais confidenciais”.
As notícias estavam relacionadas ao caso do suposto assassinato de Zezito Denti d’Oru, em 2014, no bairro da Cidadela, no âmbito de uma “operação policial promovida pela Polícia Judiciária”.
A situação, inédita em Cabo Verde, levou à manifestação de jornalistas chamando atenção para a clarificação do Código Penal, que, por um lado, não vincula os jornalistas ao segredo de justiça, mas que numa das alíneas, o artigo 113, dispõe que todos estão sujeitos à obediência da não divulgação de matérias em segredo de justiça.
Desde então, apesar de tudo o que foi dito, por várias entidades, inclusive o Presidente da República e o Provedor de Justiça, e das iniciativas ensaiadas pela AJOC no sentido de clarificar o quadro legal, nada mudou.
Comentários