O presidente da UCID, que liderou o processo em que 15 deputados da Assembleia Nacional pediram ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstrata da Resolução da Comissão Permanente da AN que autorizou a detenção, fora de flagrante delito, do então deputado Amadeu Oliveira, apresentou ao TC na quarta-feira, 8, um requerimento a exigir a nulidade e invalidade do Acórdão dessa instância de recurso por violar a própria Constituição da República, reclamação essa, note-se, que deu entrada dentro do prazo legal o que torna o referido acórdão sem eficácia para produzir efeitos jurídicos.
Demorou cinco das (limite do prazo de contestação) para a defesa de Amadeu Oliveira e o grupo dos 15 deputados que solicitou a fiscalização da Resolução da CP da AN e que permitiu a detenção do advogado fora de flagrante delito para ir a julgamento, reagissem ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 17/TC/2023 que, na prática, veio declarar como sendo legal a conduta da Comissão Permanente da Assembleia Nacional que aprovou por unanimidade a suspensão da imunidade parlamentar do deputado Amadeu Oliveira para prestar depoimento ao Tribunal.
O requerimento, a que Santiago Magazine teve acesso, foi assinado por António Monteiro, presidente da UCID, domicílio e representante do grupo dos 15 eleitos nacionais que pediram a fiscalização sucessiva e abstrata da Resolução nº 03/X/2021 da Comissão Permanente da AN, porque entenderam, conforme reza a Constituição da República, que a suspensão do mandato de um mandato para responder por crimes fora de flagrante delito deve ser por voto secreto, em Plenário, da maioria absoluta dos deputados e após parecer da Comissão Permanente.
O texto do requerimento exige o suprimento de nulidade/invalidade do Acórdão do TC por violar o número 5 do artigo 17º artigo da Constituição da República, a nulidade desse mesmo acórdão por violação da alínea c) do nº 1 do artigo 577 do Código do Processo Civil, além de pedir o esclarecimento e aclaração de dúvida quanto à obscuridade e ambiguidade no nº 2 do artigo 575º do CPC.
O documento assinala que o Acórdão do TC padece de várias nulidades/invalidades, por inconstitucionalidades e por suscitar dúvidas e obscuridade sobre o alcance do veredicto, já que se fica “sem compreender se de agora em diante os deputados ficam obrigados ao que está expressamente a constar da Constituição da República ou se vão ficar obrigados a respeitar supostos usos e costumes que ninguém conhece previamente”.
Isto porque o TC, no seu fundamento para produzir esse Acórdão, sustentou-se em costumes e práticas da Assembleia Nacional quando se trata de suspender a imunidade parlamentar de deputados, com base em resoluções da Comissão Permanente e não da votação do Plenário, como reza a CRCV. Por esta razão, entende António Monteiro que o TC deve apreciar, pronunciar e decidir acerca dessas indefinições.
“Ficou subentendido que o Tribunal Constitucional considera que, ao longos dos últimos 20 anos, já se formou no seio da Assembleia Nacional o costume de ser a Comissão Permanente a autorizar a detenção fora de flagrante delito de deputados em exercício de funções, sem que antes se tenha suspendido o respectivo mandato – o que não corresponde à verdade, visto que nunca, em tempo algum, foi solicitada a detenção fora de flagrante delito de nenhum deputado, com ou sem mandato suspenso”, introduz o documento de António Monteiro, titular legal da acção.
A estupefação e dúvida de Monteiro e do grupo que defende e apoia Amadeu Oliveira é se, de facto, o “Tribunal Constitucional considera ou não as imunidades e inviolabilidades parlamentares como sendo garantias constitucionais, portanto, que não podem comprimidas, restringidas ou derrogadas, nem por lei expressa, quando mais por supostos costumes, sob pena de violação do nº 5 do artigo 17º da CRCV. Na hipótese meramente académica de se ter formado um costume contra a Constituição, como é que um jovem deputado recentemente eleito consegue tomar conhecimento desse costume e como é que ficará sabendo que o que é mesmo válido é mesmo o costume e não o que está expressamente estatuído na letra dos ditames constitucionais”, realça o requerimento, que ainda desafia o Tribunal Constitucional a apresentar quatro casos semelhantes nos últimos 10 anos em que foi a Comissão Permanente, sem o conhecimento prévio dos demais deputados da AN, a conceder a autorização para a detenção fora de flagrante deito de um deputado nacional.
O mesmo documento, de 15 concisas páginas, faz questão de lembrar que o facto de Oliveira ter sido eleito deputado não o impede de continuar a exercer advocacia e que, como deputado, “fica protegido contra detenções e prisões arbitrárias e abusivas que possam ser efectuadas pelo poder judicial ou pelas forças policiais, ou seja a mando de juízes, procuradores ou agentes policiais, protecção essa que é garantida ao deputado eleito através da figura jurídico-constitucional designada por ‘Imunidade Parlamentar’”.
Monteiro contrapõe o Acórdão do TC, afirmando que a Comissão Permanente não possui nenhuma competência para representar ou substituir a Plenária da assembleia Nacional, citando, para tal, o nº 1 do artigo 148º da CRCV que diz que “A Comissão permanente funciona durante o período em que se encontra dissolvida a Assembleia Nacional, nos intervalos das sessões legislativas e nos demais casos e ermos previstos na Constituição”.
“No caso concreto, o pedido da PGR solicitando a autorização para deter o deputado Amadeu Oliveira fi remetido à AN no dia 01 de Julho de 2021 e foi deliberada pela Comissão Permanente no dia 12 de Julho de 2021, quando a Assembleia Nacional não se encontrava dissolvida e nem se encontrava nos intervalos das sessões legislativas, que só se suspendem para o intervalo de férias entre 1 de Agosto e 30 de Setembro”, razão pela qual, insiste o requerimento, a CP não tinha legitimidade para aprovar a resolução nem competência para decidir sobre pedido da PGR, o que leva António Monteiro a considerar que “resulta assim evidente que a 12 de Julho de 2021, a Comissão Permanente da AN terá ‘Usurpado’ os poderes soberanos da Plenária da Assembleia Nacional, em gritante violação do nº 1 do artigo 148º da CRCV, donde resulta a invalidade, por inconstitucionalidade, não só da suposta Resolução nº 03/X/2023, como a invalidade de todos os demais actos subsequentes, incluindo a invalidade de todo o processo crime, tal como estatuído no nº 3 do artigo 3º da CRCV, em conjugação com o artigo 154º do Código do Processo Penal”.
O deputado e presidente da UCID, no seu requerimento ao TC, pega ainda numa anterior jurisprudência dessa instância de recurso para desmerecer totalmente o Acórdão nº 17/2023, que considerou que o costume em uso na AN para declarar a não inconstitucionalidade da Resolução da CP.
Isso porque, antes, este mesmo Tribunal Constitucional, pela pena do seu actual presidente, o juz conselheiro José Pina Delgado, num acórdão nº 27/TC/2017, declarava o seguinte: “Em matéria de direitos, liberdades e garantias o desenvolvimento de normas costumeiras que levassem à compreensão não só seriam inconstitucionais, como não podiam ser reconhecidas por este Tribunal”, o que quer dizer que o TC já havia fixado jurisprudência no sentido de que o costume nunca pode revogar uma norma constitucional, daí requerimento de Monteiro apontar para uma “contradição insanável entre a fundamentação e a decisão”.
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