Tribunal Constitucional declara legal detenção de Amadeu Oliveira
Política

Tribunal Constitucional declara legal detenção de Amadeu Oliveira

O Tribunal Constitucional decidiu declarar a não inconstitucionalidade e ilegalidade da Resolução da Comissão Permanente da Assembleia Nacional que autorizou a detenção do deputado Amadeu Oliveira fora de flagrante delito para ser apresentado ao tribunal para os primeiros interrogatórios. O Acórdão, de 1 de Março, teve voto unânime dos três juizes do TC, e deita assim por terra os argumentos da defesa e de juristas conceituados como Wladimir Brito ou Germano Almeida que defendiam que essa Resolução violou “as garantias fundamentais de ‘imunidade parlamentar”, uma vez que um deputado só pode ser detido ou preso depois de o tribunal proferir despacho de pronúncia e que teria de ser o Plenário, por voto secreto da maioria dos deputados, a decidir sobre o levantamento da sua imunidade. O TC alega costume ou práticas de outras legislaturas para legitimar a Resolução da CP contestada pela defesa e pelos 15 deputados que solicitaram a fiscalização abstrata dessa autorização para a detenção de Amadeu Oliveira fora de flagrante delito.

Caiu uma das principais armas de Amadeu Oliveira para sair livre da condenação de sete anos por “atentado contra o Estado de Direito”. O Tribunal Constitucional acaba de decidir contra o pedido efectuado por 15 deputados do PAICV, UCID e MpD para a fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade e legalidade da Resolução da Comissão Permanente da Assembleia Nacional, publicada no Boletim Oficial num 114, de 19 de Julho de 2021 (II Série), e que aprovava “a pedido do Procuraoor Geral da República, autorização para a detenção fora de flagrante delito do deputado Amadeu Fortes Oliveira para apresentação a primeiro interrogatório judicial”.

Os 15 deputados manifestaram dúvidas sobre a constitucionalidade e legalidade dessa Resolução (n.3-X-2021), questionando se não se teria violado “as garantias fundamentais ‘de imunidade parlamentar’”, sublinhando ao mesmo tempo que um deputado só deve ser detido ou preso, independentemente de moldura penal, depois de o tribunal competente proferir despacho de pronúncia, quando o processo já estiver prestes a ir a julgamento e nunca no início do processo como aconteceu, daí alegarem que tal resolução seria inconstitucional. Argumentos alías, que foram ferozmente defendidos pelo jurista e conceituado escritor Germano Almeida em diversos artigos de jornal e também pelo constitucionalista Wladimir Brito que disse não entender como é que um órgão de soberania aceita um pedido de uma instituição como a PGR que não é um orgão de soberania, quando deveria ser o Tribunal a solicitar o levantamento da imunidade de Oliveira.

Mas mais, o grupo dos 15 deputados alegou também que a Comissão Permanente não tinha competência legal para suspender o mandato dos deputados nos casos de procedimento criminal, sustentando nos números 2 e 4 do artigo 11 do Estatuto dos deputados que exige uma deliberação da Assembleia Nacional tomada por voto secreto, da maioria absoluta dos deputados em exercício de função e após parecer da Comissão Permanente.

Para esses deputados o próprio artigo 148 da Constituição, que a Comissão se baseou para aprovar a referida Resolução, retira esse poder a esse órgão da Assembleia Nacional quando no seu número 1 estipula que “A Comissão Permanente funciona durante o periodo em que se encontrar dissolvida a Assembleia Nacional e nos intervalos das sessões legislativas, o que não ocorria na altura em que tomaram a decisão de levantar a imunidade de Amadeu Oliveira.

Mas o Tribunal Constitucional assim não entendeu. O Acórdão número 17-2023, emitido antes-de-ontem, 1 de Março, e que tem como relator o juiz-conselheiro Aristides Lima, observa que a “Comissão Permanente não pode ser comparada às demais comissões especializadas, vistas tradicional e tendencialmente como meros órgãos auxiliares da Assembleia ou do Plenário. Isto por duas razões essenciais. Primeiro, porque a Comissão Permanente é um órgão constitucional de constituição obrigatória e com a sua composição e poderes definidos directamente na Constituição, enquanto as comissão especializadas vêm a sua composição, competência e funcionamento regulados pelo Regimento da Assembleia Nacional, como decorre do número 5 do artigo 147. Em segundo lugar, a CP não pode ser comparada com as demais comissões, porque ela é um órgão marcadamente substitutivo do Plenário”, lê-se no documento a que Santiago Magazine teve acesso.

Ora bem, para o Tribunal Constitucional essa dimensão substitutiva do Plenário será melhor entendida quando se observar o que a Constituição dispõe sobre a composição da Comissão Permanente, seu caracter de órgão que representa os deputados dos diversos grupos políticos, assim como a titularidade dos votos que cada representante dos dos grupos detém. “A Comissão Permanente é presidida pelo presidente dA Assembleia Nacional e integra os vice-presidentes e secretários de Mesa, bem como um deputado indicado por cada grupo parlamentar. Cada partido político com assento na assembleia nacional que não tenha grupo parlamentar constituído é representado por um deputado designado pelo conjunto dos seus deputados. Os representantes referidos nos números anteriores têm na Comissão Permanente um número de votos equivalente ao número de deputados que representa”, escreve Aristides Lima antes de se referir, no Acórdão, a “práticas parlamentares de várias legislaturas” em que a Comissão Permanente tem funcionado nos intervalos não só das sessões legislativas quanto nos intervalos das sessões plenárias.

“Esta prática parece ter a ver com três aspectos: primeiro, com o facto de a Constituição cometer à Comissão Permanente competências fundamentais e importantes para a funcionalidade geral do Parlamento, como é o da competência para ‘exercer os poderes da Assembleia Nacional relativamente aos mandatos dos deputados’. Em segundo lugar, porque a partir da quinta legislatura se registou uma mudança estrutural no funcionamento da Assembleia, que deixou de ser um Parlamento de ‘horas vagas', que se reunia duas vezes por ano e durante dez dias, para se tornar num parlamento a tempo inteiro. Em terceiro lugar, porque, independentemente de ter havido ou não uma ideia de se avançar com um ‘parlamento de trabalho’ em vez de um ‘parlamento de discursos’, se impunha uma assunção mais racional de papéis entre diversos órgãos da Assembleia Nacional”, facto que, para o Tribunal Constitucional “teve impacto no funcionamento da Comissão Permanente, que por força da Constituição tem poderes para exercer poderes da Assembleia Nacional (Plenário) relativamente aos mandatos dos deputados (alínea a) do numero 5 do artigo 148)”.

E para provar que existe uma prática em como a Comissão Permanente tem exercido poderes sobre o mandato dos deputados em casos similares, e que legitima a sua autorização no processo Amadeu Oliveira, o TC revela que a Comissão Permanente da Assembleia Nacional, ao longo da IX e X legislatura (a actual) aprovou diversos casos de levantamento de imunidade parlamentar. Só nesta legislatura, faz saber o TC, a Comissão Permanente aprovou 12 resoluções para 13 deputados serem ouvidos em processos como testemunhas, um deputado viu levantada a sua imunidade parlamentar para ser julgado (resolução numero 6-X-2021) e este relativo ao Amadeu Oliveira – na anterior legislatura contam-se 19 resoluções os eleitos nacionais responderem como testemunhas como como arguidos.

“Como se sabe, o direito costumeiro não é escrito e não criado por um órgão do Estado e o seu funcionamento da validade é a convicção jurídica geral que se manifesta no uso constante”, anota o texto do Acórdão que dedica várias das suas 39 páginas a argumentar sobre o costume como fonte do Direito.

Com efeito, o TC destrói a tese de que o deputado só pode ser detido ou preso mediante aprovação da assembleia nacional, apontando para uma interpretação de ângulo oposto. “se a norma constitucional estatui que nenhum deputado pode ser detido ou preso preventivamente sem autorização da Assembleia Nacional, a contrario sensu, significa que ele pode ser detido ou preso preventivamente com autorização da Assembleia Nacional.

“Na verdade, os ilustres requerentes da fiscalização sucessiva abstrata da Resolução da Comissão Permanente parece terem-se equivocado quando pediram inconstitucionalidade com base no número 3 do artigo 170. Isto porque no número 2 trata-se de se pedir autorização para que o deputado possa ser detido ou simplesmente ouvido como suspeito ou arguido durante a instrução, e no número 3 a regulação juridico-constitucional reporta-se a uma outra fase processual, à fase em que o ministério Público já deduziu a acusação e o juiz já tenha proferido o despacho de pronúncia, nos termos da lei. Assim, pode-se concluir que a Resolução encontra base constitucional no número 2 do artigo 170 da constituição da República e não viola o disposto no numero 3 do mesmo artigo”, conclui o Tribunal Constitucional, declarando então nãoi ser onconstitucional e ilegal a detenção de Amadeu Oliveira por autorização da Comissão Permanente da Assembleia Nacional.

A condenação

O advogado Amadeu Oliveira foi detido no dia 18 de Julho de 2021 e, dois dias após a detenção, o Tribunal da Relação do Barlavento (TRB), sediado em São Vicente, aplicou a prisão preventiva ao então deputado nacional eleito nas listas da UCID pelo círculo eleitoral de São Vicente.

No dia 14 de Fevereiro, como resultado de uma Audiência Preliminar Contraditória (ACP), Amadeu Oliveira foi pronunciado nos crimes que vinha acusado e reconduzido à Cadeia Central de São Vicente onde continua em prisão preventiva.

Em 29 de Julho, a Assembleia Nacional aprovou, por maioria, em voto secreto, a suspensão de mandato do deputado, pedida em três processos distintos pela Procuradoria-Geral da República (PGR), para o poder levar a julgamento.

Em causa estão várias acusações que fez contra os juízes do Supremo Tribunal de Justiça e a fuga do País do condenado inicialmente a 11 anos de prisão por homicídio – pena depois revista para nove anos – Arlindo Teixeira, em Junho do ano passado, com destino a Lisboa, tendo depois seguido para França, onde está há vários anos emigrado.

Arlindo Teixeira era constituinte de Amadeu Oliveira, forte contestatário do sistema de Justiça cabo-verdiano, num processo que este considerou ser “fraudulento”, “manipulado” e com “falsificação de provas”.

O advogado e deputado Amadeu Oliveira foi esta quinta-feira condenado a uma pena única de sete anos de prisão efectiva e absolvido de outros dois crimes, de acordo com o acórdão do colectivo que julgou a causa.

A pena de sete anos de prisão resulta do cúmulo jurídico da condenação por dois dos quatro crimes de que Oliveira vinha acusado, uma vez que foi absolvido do crime de coação ou perturbação de funcionamento de Órgão de Soberania e de um dos dois crimes de ofensa a pessoa colectiva.

Assim, pela prática de um crime de atentado contra o Estado de Direito, Amadeu Oliveira foi condenado a sete anos de prisão efectiva, e, pela prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva, a seis meses de prisão.

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine

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