Convém recordar que atualmente os donos maioritários da CVA são estrangeiros. A lógica deste negócio, sabendo que a outra parte não pode ter prejuízo, a cada aval dado para obtenção de fundo, o dinheiro é transferido para o exterior. Neste caso, existe o repatriamento do capital para o exterior, com claras consequências sobre o tesouro do Estado e para a riqueza das famílias, sabendo que as famílias terão que fazer maior esforço financeiro para suportar a elevada dívida daí resultante.
Avales e garantias do Estado a TACV/CVA, de acordo com as Contas Gerais do Estado de 2016, 2017, 2018 E 2019.
Breves notas
Fiz uma pesquisa pelos vários boletins oficiais, descobri que parte dos avales de 2016 foi concedido pelo PAICV, correspondendo ao montante de 988 mil dólares, em Abril de 2016 – Resolução nº 46/2016 de 15 de abril. Nesse dia, 1 dólar valia 97 escudos. Convertido esse valor em escudo, seria um empréstimo de 95.836.000 escudos.
Entre 2016 e 2019, os dados foram retirados das respetivas Contas do Estado. Para os anos de 2020 e 2021, os dados utilizados estão nos BO. Ainda não temos CGE de 2020. Se subtrairmos os 95.836.000 escudos ao valor de 2016, teremos o total dos avales concedidos nesse ano pelo atual governo, que foi de 2.931 (dois milhões, novecentos e trinta e um mil contos). Sendo assim, o total dos avales concedidos de 2016 a esta parte são 17.304,8 (Dezassete milhões e trezentos e cinco mil contos, arredondados).
Vamos à análise dos factos
Começo por dizer que o mais importante dessa leitura é o que isto tudo significa em termos económicos, para não ficarmos apenas em números. Um aval não se traduz em dívida direta do Estado, mas um aval pode ser comparado, digamos, a um descoberto bancário.
Mas, indo mais além, para o nosso caso em concreto, sabemos que a TACV/CVA tem tido resultados negativos. E que o próprio processo de venda se traduziu na assunção de passivos pelo Governo, deixando a componente positiva da TACV reservada à Loftleidir. Eu diria que a CVA não é uma companhia, mas sim uma empresa.
Os resultados da CVA não são conhecidos, mas recorrentemente tem vindo ao público informações de que a CVA tem vindo a operar em resultados negativos. Em cada aval há um empréstimo, o que constitui uma obrigação de pagamento do mesmo. Estando a companhia a operar em resultados negativos, significa que não tem a capacidade de pagamento das várias dívidas contraídas. Quer dizer também que os custos fixos da empresa estão a ser suportados pelo Estado de Cabo Verde. São eles os salários dos funcionários, a eletricidade, só para dar esses dois exemplos de custos fixos.
Sendo assim, quem assume essas dívidas é o Estado. O que provavelmente estará a acontecer. Talvez dos vários empréstimos de que a CVA tem vindo a recorrer, com âncora do Governo, grande parte se destine ao pagamento dos empréstimos anteriores. A sociedade precisa ter acesso aos comprovativos de como estão a ser utilizados esses fundos, se para novas aplicações ou se para o pagamento das dívidas anteriormente contraídas.
Ou seja, tudo leva a crer que a gestão da CVA se divide em duas partes. Temos de um lado o Estado de Cabo Verde, minoritário na sua participação acionista da empresa, que é o consumidor dos prejuízos, e de outro lado a Loftleidir, detentora de 51% do capital que está a gerir a empresa com a garantia de que nunca terão prejuízos.
Isto não faz parte da essência de privatização de qualquer empresa pública, mas creio que o nosso Governo cedeu às pressões das instituições internacionais, nomeadamente as pressões do Grupo de Apoio Orçamental, mas também do próprio FMI, que infelizmente, não tem exercido as funções para as quais foi criado. A influência do FMI tem sido mais no sentido de favorecer os credores, em vez de defender aos países menos desenvolvidos, que são os mais vulneráveis. Temos que saber que o FMI não se importa com as consequências lesivas, do ponto de vista social, que resultam das operações deste tipo. É a lógica da política neoliberal de administração da coisa pública.
O objetivo deles é que o Estado beneficiário de empréstimos internacionais se afaste de viabilizar qualquer empresa pública com recursos públicos, sem olhar para a situação conjuntural e específica de cada país devedor. Preocupam-se sobretudo em salvar os credores. O papel de garantir a estabilidade social não faz parte das suas preocupações. Quem tem esse papel é o Estado nacional de cada país. E o governo do MPD parece que cedeu a essa pressão.
Convém recordar que atualmente os donos maioritários da CVA são estrangeiros. A lógica deste negócio, sabendo que a outra parte não pode ter prejuízo, a cada aval dado para obtenção de fundo, o dinheiro é transferido para o exterior. Neste caso, existe o repatriamento do capital para o exterior, com claras consequências sobre o tesouro do Estado e para a riqueza das famílias, sabendo que as famílias terão que fazer maior esforço financeiro para suportar a elevada dívida daí resultante.
A contribuição de qualquer empresa para a economia é efetivada através da criação de emprego, de um lado, mas sobretudo através do pagamento dos impostos sobre os lucros, de outro lado. Uma empresa com resultados negativos não paga impostos ao Estado, de acordo com a legislação fiscal. Então, o Governo de Cabo Verde tem aqui um duplo prejuízo, considerando apenas esta fase de operacionalidade. Prejuízo por continuar a injetar dinheiro, por causa dos resultados negativos da empresa e prejuízo de não arrecadação de receitas provenientes da empresa. Trocar em miúdos, esta situação contribui negativamente para o crescimento económico.
Este é o risco que se corre quando há excessivo investimento estrangeiro. Para além dos benefícios fiscais que no nosso país são muito generosos e que normalmente as grandes empresas estrangeiras são beneficiárias, acreditando que a Lofleider é também um desses beneficiários.
Privatização desta forma é fácil de se fazer. Acredito que existem muitos Cabo-Verdianos que se interessariam por negócios deste tipo. Não era preciso ir a um país estrangeiro para fazer um negócio desses. O que traria maiores vantagens para a economia nacional, porque, neste caso, mesmo que o Estado continuasse a injetar dinheiro na empresa, os recursos seriam consumidos internamente.
Sempre que o Estado injeta dinheiro (receitas) para satisfazer as necessidades públicas (despesas), acaba por se traduzir num maior endividamento. Quando o endividamento seja provocado por recursos consumidos internamente, a dívida é boa porque ganha a geração presente, com o dinheiro gasto hoje e ganha a geração futura, com o serviço resultante do empréstimo no presente. Como exemplo é a construção do aeroporto Nelson Mandela. A infraestrutura está lá para servir todas as gerações, dando maior impulso à economia.
P.S. Para confirmar os números do quadro relativamente aos dados de 2016 a 2019, os interessados podem consultar CGE 2016, página 103; CGE 2017, página 98; CGE 2018, página 102 e CGE 2019, página 103.
Comentários