Quem julga os que julgam? A não judicialização da política e a não politização da justiça: O caso de Cabo Verde
Ponto de Vista

Quem julga os que julgam? A não judicialização da política e a não politização da justiça: O caso de Cabo Verde

Hoje, aqui e agora, na nossa querida nação crioula, a pergunta "quem julga os que julgam?" Surge exatamente quando se percebe uma ruptura nesse equilíbrio. Portanto, o "julgamento dos que julgam" é da responsabilidade da própria sociedade (através de seus múltiplos mecanismos de controle) tentando restabelecer o equilíbrio perdido entre os poderes. A tese da não judicialização e não politização é um princípio norteador, um ideal que, quando violado, aciona os freios e contrapesos (checks and balances) do sistema.

Esta é uma pergunta profundamente filosófica e jurídica que toca no cerne da teoria da separação de poderes e da legitimidade democrática. Pretendemos analisá-la, aqui e agora em perspetivas relacionais, corroborando, no dizer de Karl Popper, as teses da "não judicialização da política e não politização da justiça".

1.     Quem julga os que julgam? Lembrando aqui o saudoso professor José D’ Oliveira Branco, A Espiral do Controle de Poder, podemos afirmar em tese, num Estado Democrático de Direito, ninguém está acima da lei e todo poder é limitado e controlado pelos ditames da mesma lei. Os "que julgam" (o Poder Judiciário) são julgados por vários mecanismos, que atuam em diferentes esferas. Aplicar essa questão ao contexto específico de Cabo Verde acrescenta camadas interessantes, pois é uma democracia consolidada com um sistema judicial que, como muitos, enfrenta os desafios da fronteira entre direito e política.

2.     Em um sistema ideal, ou se quisermos aludir, num Cabo Verde dos nossos sonhos, 50 anos depois da Independência Nacional, 33 anos após a aprovação da Constituição de 1992, não seria necessário "julgar os que julgam" de forma contundente, porque o Poder Judiciário se limitaria a sua função de guardião da lei e da Constituição, sem invadir a política, e os políticos respeitariam a “pseudo” independência da justiça, sem tentar politizá-la. Contudo, na prática, a dinâmica do poder e a manutenção no poder CUSTE O QUE CUSTAR, tem-se revelado o quão difícil e  tensa é, respeitar a separação dos poderes na nossa jovem democracia.

3.     A Constituição de 1992 impõe controle ou fiscalização aos que julgam, o que a doutrina convencionou chamar de controles internos e controles externos: Quem julga os que julgam em Cabo Verde? Os mecanismos concretos, ou seja, a Constituição da República de Cabo Verde (CRCV) estabelece um sistema de freios e contrapesos semelhante ao modelo português. Os "juízes" (o poder judicial) são julgados/controlados por:

a) Controles Internos:

· Supremo Tribunal de Justiça (STJ): É o órgão superior da hierarquia judicial. Julga recursos das decisões dos tribunais inferiores e tem a palavra final em matéria de justiça comum. (Artigo 216º da CRCV).

· Conselho Superior da Magistratura Judicial, (CSMJ - artigo 223º da CRCV): Órgão crucial e tem a competência de nomear, promover, transferir, sancionar e até demitir juízes. É o principal órgão de auto-regulação e disciplina da magistratura judicial. É aqui que, no dia a dia, se "julgam" os juízes por sua conduta funcional. Isto, em tese. Sabe-se que esta corporação se queixa todos os dias da falta de uma inspeção célere e eficaz.

b) Controles Externos:

· Tribunal Constitucional (TC): Talvez o controlador mais importante no âmbito da "judicialização". É competente para "apreciar a inconstitucionalidade de normas" (art. 215º, CRCV). Ou seja, pode julgar e anular decisões do próprio STJ ou de qualquer tribunal se estas violarem a Constituição. É o guardião máximo da Lei Fundamental e um freio poderoso ao poder judiciário comum.

· Assembleia Nacional: Tem um papel de controle político. Pode alterar as leis de organização judiciária e, sobretudo, é o órgão que elege juízes do Tribunal Constitucional. Além disso, em teoria, poderia alterar a Constituição para reformar o sistema.

· Presidente da República: É o "garante da independência dos tribunais" (art. 135º, alíneas k e m). o PR nomeia o Presidente do STJ e o Presidente do CSMJ. O seu papel é mais de moderação e garantia do que de julgamento direto.

· Na democracia moderna e representativa, um importante setor de controle do poder dos que julgam e acusam é a Opinião Pública e os Mídia: Em Cabo Verde, uma sociedade pequena e com uma imprensa “periclitante”, o escrutínio público sobre as decisões judiciais, especialmente as de alto perfil político, é intenso e constitui uma forma de "julgamento" informal muito relevante. Afinal, o poder pertence ao povo e a justiça é administrada pelos tribunais em Cabo Verde, mas em nome do povo, como reza o artigo 210º, nº1. (Os que querem aprofundar estas questões podem consultar a CRCV, Título V – Do Poder Judicial, artigos 209º - 229º).

4. A Tese da "Não Judicialização da Política" em Cabo Verde

Cabo Verde tem um histórico relativamente estável, mas o debate existe nos seguintes eixos:

· Contencioso Eleitoral: As disputas eleitorais são, por excelência, o campo onde política e justiça se encontram. O TC de Cabo Verde tem sido chamado a decidir sobre queixas eleitorais, atuando como árbitro final. A aceitação geral das suas decisões (mesmo quando contestadas) é um sinal de que a intervenção judicial é vista como necessária para garantir a lisura do processo político, sem necessariamente decidir o seu conteúdo.

· Hodierna, debatermos com alguns casos de Corrupção de alguns segmentos do poder e Altas Figuras (Notícias vindo a público em vários órgãos de comunicação social): A investigação e julgamento de alguns segmentos de poder e figuras políticas proeminentes (como já ocorreu) colocam o judiciário no centro do debate público. A linha entre aplicar a lei a todos de forma imparcial e ser instrumentalizado para "guerras políticas" é ténue. Neste quesito, muitos querem propalar a tese de que aqueles que julgam ou pedem acusação por parte dos juízes, não se deve exigir-lhes neutralidade, imparcialidade, independência, não seletividade dos processos e dos políticos a serem julgados e muito menos a ligação a agendas ocultas de manutenção no poder contra a vontade do povo. Se a justiça é feita nos Tribunais, mas em nome do povo, o povo pode, a qualquer tempo, questionar a celeridade, a objetividade, a neutralidade, a independência do poder judicial. Outrossim, a Independência do Poder Judicial não é um termo vazio. Ela não é conseguida com decretos seja de que natureza for. A Independência do poder judicial (procuradores e juízes), no exercício das suas profissões, vê-se com a prática. Aqui sim, aplica-se, novamente, a célebre frase do imperador Romano: “À mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta.” Quer queiramos quer não, assistimos diariamente a situações obscuras na justiça que não é comum num Estado de Direito Democrático e não coaduna com a independência, neutralidade, imparcialidade e aplicação de uma justiça justa e equitativa para todos. Hoje, mais do que nunca, somos quase que obrigados, perante a seletividade de processos nos tribunais em Cabo Verde a questionar: A Justiça em Cabo Verde está a ser exercida nos estrito cumprimento do estipulado no artigo 210º da CRCV?

Não questionamos como quem tem a resposta, mas como um incansável PROCURADOR das respostas cabais, as interrogamos. Deixemos aqui 3 exemplos: o povo de Cabo Verde não merece saber a verdadeira justiça do estádio do Coco? O Povo das Ilhas não merece saber a verdadeira dogma escondida nos negócios das ações do INPS e da Caixa Económica de Cabo Verde? Afinal não teremos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que Anula ou Não o também Acórdão do Tribunal Arbitral que Condena o Estado de Cabo Verde a Pagar uma Indemnização Compensatório à CVinterilhas no valor de mais de 31 Milhões de Euros em 2025? Um terceiro ponto que tem me causado muita estranheza: a Ordem dos Advogados de Cabo Verde, chegou alguma vez a emitir algum comunicado de Solidariedade aquando da prisão de um dos seus associados, o Advogado Amadeu Oliveira?

5. A Tese da "Não Politização da Justiça" em Cabo Verde

Este é o ponto mais sensível:

· Pressões Sociais e Políticas: Em uma sociedade pequena, onde as elites políticas, econômicas e judiciais se conhecem, as pressões informais podem ser subtis mas reais. A capacidade de resistir a essas pressões poderia definir a despolitização. Outrossim, o ponto crucial situa-se na nomeação do Procurador-Geral da República, artigo 226º, nº 4. Ou seja, o Procurador-Geral da República é nomeado pelo Presidente da República, sob proposta do Governo. Temos que acreditar que o PGR deve ser, no exercício das suas funções: neutro, objetivo, imparcial, independente, que obedece apenas a lei e a sua consciência, que não está empenhado em fazer vincar uma agenda de ganhar custe o que custar ou manter no poder custe o que custar. Repito: com serenidade, temos de acreditar em tudo isto! Ora, e se não acreditarmos? Ou melhor, e se no exercício das suas funções e dos seus correligionários aparecem nuvens de sapiência que nos faz confusão entre a linha vermelha que a Constituição da República traça e a ambição própria que guiou Sísifo na sua caminhada pela montanha acima com o seu rochedo? 50 anos depois da independência nacional, não é chegada a hora de questionarmos o modelo de escolha do Procurador-Geral da República e do Presidente do Tribunal de Contas? É possível servir a dois senhores? Aí sim, podemos perguntar com Albert Camus: é preciso imaginar o Ministério Público, em Cabo Verde, a ser feliz e a cumprir a Constituição da República no que concerne ao exercício das suas funções.

Se perguntarmos ao cabo-verdiano comum e ‘real', notamos aquilo que hoje é comum ser objeto de análise e comentários nos mais diversos fóruns. Muitos para fugirem à realidade, enterrando a cabeça na areia, convencionaram apelidar a falta de neutralidade do ministério público e a sonegação da justiça de Percepção Pública:  A credibilidade do sistema depende, efetivamente, da constatação na prática por parte dos cidadãos da realização da justiça nos tribunais como independentes. Lembrando, destarte, que quando se refere a independência dos tribunais, a isenção e a neutralidade do poder judiciário, estamos a referir aos sujeitos fazedores da justiça e aplicadores da lei. Se surgirem suspeitas de que certas decisões (ou a falta delas) são influenciadas por considerações políticas, a confiança é abalada.

Em suma, o Poder Judiciário não é sacrosanctum, e não está imune à crítica. Quando aparecem vestígios, por mais tênues que sejam, de que pretendem substituir aos agentes políticos para tomar decisões que são inerentemente de natureza política, a menos que haja violação clara de um direito ou da Constituição. Judicializar a política é esvaziar a democracia representativa e transferir para procuradores e juízes decisões para as quais não foram eleitos e podem não ter expertise. Ninguém deve ter a pretensão de substituir o povo com agendas ocultas.

· Não Politização da Justiça: Significa que o Poder Judiciário deve manter sua independência e imparcialidade, não se deixando contaminar por interesses políticos partidários, pressões do momento ou ideologias. Procuradores e Juízes devem julgar com base na lei e na Constituição, não em suas preferências políticas. Politizar a justiça é corroer sua legitimidade técnica e a confiança da sociedade em sua neutralidade.

Hoje, aqui e agora, na nossa querida nação crioula, a pergunta "quem julga os que julgam?" Surge exatamente quando se percebe uma ruptura nesse equilíbrio.

Portanto, o "julgamento dos que julgam" é da responsabilidade da própria sociedade (através de seus múltiplos mecanismos de controle) tentando restabelecer o equilíbrio perdido entre os poderes. A tese da não judicialização e não politização é um princípio norteador, um ideal que, quando violado, aciona os freios e contrapesos (checks and balances) do sistema.

E os que fingem que nada é com eles? Termino por aqui! Que cada um assuma as suas responsabilidades, mas o povo, o verdadeiro dono de todos os poderes, nunca deve ficar em silêncio e muito menos em silêncio cúmplice!

Debate público com Serenidade, precisa-se!

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