...decidi cancelar um Doutoramento em Economia em Portugal (no ISCTE-IUL), porque, após duas semanas a correr atrás do visto exigido, até agora o mesmo não me foi concedido pela Embaixada de Portugal, tendo entrado já na terceira semana a faltar aulas de disciplinas críticas de todo o curso. Pelo que enviei há pouco um email à Universidade a solicitar o cancelamento da minha inscrição, e comecei de imediato a pesquisar opções em outros países.
Desisti, assim, de Portugal, porque não desisto nem desistirei da minha DIGNIDADE, nesta autêntica saga que é obter um visto, que roça a humilhação. Isso depois dos discursos ocos e dos anúncios de circunstância sobre esta coisa de CPLP, livre circulação, facilidade/celeridade de vistos a determinadas categorias, e tal...
A saga começa com a Universidade a anunciar o resultado da avaliação a apenas 01 dia útil do início das aulas (o que se estranha ainda mais, em se tratando de um Doutoramento direcionado para estudantes estrangeiros - até está a ser ministrado em inglês...). Estando, na data, ausente em Santo Antão, solicitei aos Serviços Consulares a possibilidade de mandar entregar o dossier de pedido de visto através de uma pessoa devidamente mandatada. Negativo: mesmo explicando a situação, é-me intransigentemente exigida a entrega presencial (que objetivamente não é absolutamente necessária, sequer houve colecta de dados biográficos, como inicialmente imaginara que justificaria a minha presença!!).
Lá me meto na aventura de tentar chegar à Praia em meio a chuvas, aviões avariados, vôos todos cheios - tendo levado 03 dias nesta fase da saga. Chegado à Praia na segunda à noite, dirijo-me logo no dia seguinte de manhã, para a entrega do dossier à empresa VFS, agora subcontratada do Governo Português para processamento de pedidos de visto. Conferida toda a documentação e pago todo o valor (9.924$00 do pedido de visto + 4.440$00 pelo serviço da VFS), retorno à casa para arrumar a mala, pensando que, reunindo todas as condições, era uma questão de um ou dois dias. Ledo engano! Primeiro marco a passagem para quinta à noite. Mas com o evoluir das coisas, remarco para sábado meio-dia...
Chegado à sexta-feira sem "fumo branco", e já preocupado, tento contactar os Serviços Consulares (emails, telefonemas) a solicitar um ponto de situação. Apenas no final do dia - 30 minutos antes de a agência de viagens encerrar o expediente (com o risco de eu perder a passagem!), é que recebo a informação - balde de água fria! - de que a documentação tinha duas deficiências (não obstante a fortuna paga à VFS para, entre outros, analisar a conformidade dos documentos durante a entrega!): as assinaturas (que tinha colocado digitalmente enquanto estava ainda em Santo Antão) tinham que ser à mão, e - pasmem-se!!! - deveria ter entregado era a original do meu certificado de Mestrado e não uma cópia!!!! (Para a aberração desta exigência, vale notar que têem em mãos uma declaração oficial da Universidade a dizer que fui aceite e estou inscrito no Doutoramento!).
Pronto!, cancelamento da viagem e, com uma semana de aulas já perdida, na segunda-feira logo de manhã entrego a documentação com a minha assinatura "à mão" e a original do tal certificado, diretamente nos Serviços Consulares. Durante a semana, convencido que, o facto de eu me enquadrar em 02 das categorias que, segundo os discursos tão propalados, têm facilidades/celeridade na obtenção visto - nomeadamente a categoria de Empresário (sou sócio-Administrador de uma conhecida empresa, a PD Consult), e a de Investigador (inscrito num Doutoramento), tento por vários canais que acelerem a coisa. Nada. Informo a Universidade sobre a dificuldade: nem resposta (o que mostra o real "interesse" em atrair estudantes internacionais...!).
Assim, chegado hoje, ao final desta segunda-feira, sem sinal de visto, tomei esta decisão. Porque, repito, o meu sentido de DIGNIDADE não me permite estar por aqui a correr de mãos estendidas a bater à porta de países que, em contramão dos discursos, vão mantendo exigências estapafúrdias, procedimentos massacrantes, burocracias ineficientes, quase que diria desenhados propositadamente para nos manter longe da soleira das suas portas. Se a quase humilhação começa ainda aqui no meu país, antes da partida, como seria então lá, quando lá estivesse?
Se eu - com a categoria legal de empresário e investigador, viajado por mais de uma trintena de países (incluindo Portugal!), ex-Cônsul Honorário de um país da NATO em Cabo Verde, ex-líder associativo do setor privado, ex-membro de Conselhos de Administração de diversas empresas (entre as quais o 2° maior banco do país!), razoavelmente conhecido por cá - enfrento esta quase humilhação para conseguir um simples visto de estudante, que dizer de um pobre coitado do interior das ilhas ou dos arredores das cidades???
E isso quando aos cidadãos europeus já sequer é exigido um visto à entrada no nosso país. Imagino que a cidadã portuguesa que cometeu um crime hediondo em Portugal e fugiu para Cabo Verde (presa aqui semana passada), sequer terá tido necessidade de visto para entrar no nosso país...
No fim, com estes procedimentos e atitudes, tenho é pena da Europa (com Portugal à frente). Tenho pena porque ainda não compreenderam (e interiorizaram), que é a Europa (com Portugal à frente), com a sua população envelhecida e um sistema previdenciário à beira da falência, com os seus mercados saturados, com ecossistemas de inovação estagnados e que vão perdendo competitividade face a outros pólos de inovação que vão surgindo um pouco por todo o mundo, com a sua falta de mão de obra, é esta Europa (com Portugal à frente, repito!) quem precisa dos nossos jovens, dos nossos mercados, dos nossos cientistas e investigadores, da nossa mão-de-obra!
Não vou aqui pedir ao nosso Governo que revide na mesma moeda. Não!, não vamos alinhar por baixo! Não vamos fechar as nossas fronteiras a quem nos quer vir visitar, estudar ou fazer negócios, trabalhar aqui, seja da Europa, daqui do Continente Africano ou da Conchichina. Pelo contrário: abrámos os braços, para recebê-los com um bráça grrotchédin de morabeza, pedindo-lhes apenas que respeitem as nossas Leis e cumpram as suas obrigações. Humanista que sou, não poderia nunca pedir que o meu país coloque trancas à nossa porta! Porque já o disse antes, doem-me fronteiras: geográficas, legais, sociais, económicas - mas sobretudo as fronteiras de valores
...que a DIGNIDADE de um povo, também se constrói assim: com respeito ao próximo, com "morabeza", com um forte e horizontal sentido de Humanidade!
* Artigo originalmente publicado pelo autor na sua página fo Facebbok
Comentários