Os Partidos Políticos, O PAICV e o Mandato dos Deputados - Por JMN
Ponto de Vista

Os Partidos Políticos, O PAICV e o Mandato dos Deputados - Por JMN

1. Os partidos expressam as diferentes sensibilidades político-ideológicas presentes na sociedade. São associações de cidadãos que professam os mesmos ideais filosóficos e políticos quanto ao porvir da sociedade e voluntariamente se organizam para participarem na formação da vontade política nacional. Têm, por isso, importantes funções políticas, representativas, institucionais e pedagógicas.

2. Hodiernamente, as profundas mudanças provocadas pelas tecnologias informacionais fizeram dos partidos instituições porosas e abertas; já praticamente não há fronteiras entre o espaço interno e mais privado dos militantes e a arena pública. Tudo se passa instantaneamente e aos olhos dos cidadãos e da sociedade.

Os congressos são transmitidos em direto pelos órgãos de comunicação social e pelas redes sociais. Cada um pode, individualmente, com o seu smartphone, fazer sua própria transmissão. As estratégias são debatidas e escrutinadas, na praça pública, pelos cidadãos eleitores e pela sociedade civil. Simpatizantes e amigos são chamados a participar na escolha dos dirigentes e na formulação das principais decisões. São consideradas novas propostas de leis eleitorais para reforçar as liberdades dos eleitos e os seus vínculos com os respetivos constituintes.

De portas escancaradas torna-se bizantina a questão de se saber o que deve ser discutido dentro ou fora dos partidos. O “dentro”, nos partidos modernos, já não existe. Já não há um “dentro” e um “fora”. Há espaços de debate públicos, onde os dissensos se manifestam e os consensos se constroem à vista de todos.

Na verdade, essa fusão entre o “dentro” e o “fora” expõe sobremaneira os partidos e os políticos a um tremendo desgaste, tornando tudo mais volátil e mais vulnerável. Maior é o cansaço, já porque os equilíbrios são extraordinariamente precários. As responsabilidades dos atores, maxime dos dirigentes, são também muito maiores.

3. Por outro lado, os partidos são cada vez mais policêntricos. Vários centros do poder com legitimidades também diferenciadas.

Os grupos parlamentares, por exemplo, são órgãos partidários híbridos e especiais. São partes de um órgão de soberania. Os candidatos, qua até podem ser independentes, são propostos pelos partidos, mas os deputados são eleitos pelo povo.

Uma das questões fulcrais da ciência política refere-se à captura dos mandatos parlamentares pelos partidos. Na verdade, os candidatos, mesmo que independentes, ao integrarem as listas, aceitam implicitamente votar conforme as orientações partidárias nas questões essenciais para o funcionamento do sistema de governo, como são os casos das moções de confiança ou de censura, do orçamento do estado e das grandes opções do plano.

Os deputados são eleitos no quadro de orientações gerais e não de políticas concretas. No quadro do exercício governativo ou da oposição, as medidas concretas de política devem ser debatidas intensa e exaustivamente, num quadro de liberdade de dissenso e de ampla participação, podendo qualquer um apresentar razões fundamentadas para as não votar favoravelmente.

Quantas vezes, enquanto PM, não tive que deslocar-me ao Grupo Parlamentar para debater larga e aprofundadamente diplomas que não mereciam apoio da maioria suficiente dos Deputados do PAICV para serem aprovados?! No quadro da liberdade de dissenso e da participação de todos, não raras vezes, o Governo teve que alterar dispositivos das propostas para conformá-las de modo a poderem, assim, ser aprovadas pela maioria parlamentar.

4. A nossa Constituição é muito clara nesta matéria: os Deputados são representantes de todo o povo (Art.º 163) e não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções (n.1, Art.º 170).

Não são razoáveis, pois, nem os processos disciplinares, no quadro do PAICV, instaurados a vários Deputados, porque não votaram conforme a determinação dos órgãos superiores do Partido e do próprio Grupo Parlamentar, nem o insensato debate que vem tendo lugar nas redes sociais e nos jornais, com ataques vis a deputados e a dirigentes partidários.

As questões políticas devem ser resolvidas politicamente e não através de expedientes administrativos e disciplinares. E os assuntos políticos do Grupo Parlamentar devem ser discutidos e resolvidos primordialmente no próprio Grupo.

A forma como os Deputados do PAICV votaram o Projeto de Lei da Regionalização do Governo - quatro posições diferentes – revela a necessidade de um amplo debate político interno sobre o exercício do mandato do Deputado, a formação da vontade no seio do Grupo, os eixos essenciais da Agenda da Oposição Democrática, e da construção paciente de consensos sobre questões políticas fraturantes na sociedade e no próprio Partido.

Os partidos, enquanto escolas de cidadania devem ser espelhos onde sociedade e os cidadãos devem mirrar. São, devem ser, pois, oficinas da liberdade de dissenso, da participação e da construção democrática de consensos. A deliberação democrática exige liberdade de espirito, espaços de contra-argumentação e possibilidades de pensamento divergente.

Estamos, pois, a tempo de arrepiar caminho, acabar com esses processos e discussões absurdas nas redes sociais, sob pena de fragilizarmos o Partido, condenando-o a divisões e cisões internas e, consequentemente, à marginalidade política.

O PAICV tem outras prioridades políticas. Não estando em causa a liderança – a atual Presidente tem mandato até 2020 -, deve o Partido concentrar-se no essencial e, a partir do dissenso, construir consensos tão necessários ao seu robustecimento enquanto Partido e à substanciação de propostas alternativas de governação.

A democracia precisa de um PAICV unido, coeso e forte.

Artigo publicado por José Maria Neves na sua página do facebook

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