Nossa história. “Batalha do Maio” aconteceu há 204 anos
Ponto de Vista

Nossa história. “Batalha do Maio” aconteceu há 204 anos


A ilha do Maio é, definitivamente, uma ilha mística principalmente quando a sua história gira à volta do mar e das suas gentes. Hoje, 22 de janeiro, recordamos, por exemplo, aquela que ficou conhecida como a “Batalha do Maio” travada entre as duas superpotências europeias da época – Reino Unido e Império Francês – no efervescente ano de 1814 em plenas guerras napoleónicas.

Desde a sua descoberta que Cabo Verde é um ponto estratégico muito disputado por potências estrangeiras tanto no apoio à navegação com vista ao descobrimento de novos mundos como para, posteriormente, servir de plataforma comercial na rota do tráfico de escravos e do comércio entre as nações.

O aparecimento do Porto Inglês como palco de uma disputa sangrenta entre as duas superpotências europeias deixa antever que a ilha do Maio desempenhou num passado não muito recente, a par da Villa da Praia, em Santiago, um importante papel na cena económica nacional e não só, tendo o sal o seu principal produto de exportação.

Num longínquo dia 22 de janeiro de 1814 um esquadrão francês navegava a sudoeste da ilha do Maio quando o seu comandante decidiu ancorar na baía do Porto Inglês.

Igualmente, na manhã do dia seguinte, 23, às 09:55 horas, um outro esquadrão da marinha britânica proveniente da Espanha também chegou ao Porto Inglês e não terá gostado de ver os franceses ancorados na baía. Abrimos aqui uma parêntese para recordar a forte influência militar que o Reino Unido exercia sobre o arquipélago, apesar deste estar sob a administração portuguesa. Tal como deixam entender os historiadores, todos os navios que navegassem nas nossas águas e que não fossem portugueses ou espanhóis estavam sujeitos ao controlo britânico.

No caso concreto do esquadrão francês, tudo começou quando não responderam aos “sinais codificados” emitidos pelos britânicos, o que terá levado estes últimos a pressupor tratar-se de navios inimigos. A partir daí estavam criadas todas as condições para o início de uma batalha naval o que efetivamente acabaria por acontecer horas depois com os britânicos a disparar o tiro da partida.

Desta batalha, em que do lado britânico estiveram envolvidas as fragatas “HMS Astrea” e “HMS Creole” comandadas pelos capitães George Charles Mackenzie e John Eveleigh e do lado francês “Etoile” e “Sultane” dirigidas pelos capitães Pierre-Henri Philibert e Georges Du-Petit-Thouars, respetivamente, sabe-se muito pouco e os dados disponíveis indicam que ela foi “inconclusiva”, ou seja não se conhece quem foi o vencedor.

Contudo, ao que parece, os britânicos foram os que mais danos materiais e humanos sofreram neste conflito. Se não vejamos: na sequência dos combates, o “Astrea” teve fogo a bordo infringido pelos ataques do “Sultane” e depois de extinto desencadeou um segundo incêndio que terá deixado o navio bastante danificado. Perante esta situação, o comandante Mackenzie viu-se obrigado a retirar a embarcação da cena do combate rumando para a ilha do Santiago.

Enquanto Mackenzie procurava salvar o navio e a sua tripulação, o seu colega de “Creole”, John Eveleigh, era atingido mortalmente por um fogo de pistola disparado do convés de “Etoile”. Com a morte do comandante Eveleigh, o tenente John Bulford assumiu o controlo do “Criole” dando continuidade a luta contra os franceses.

Horas depois de ser ter iniciada a batalha, os danos eram visíveis em ambos os esquadrões. Do lado francês também se registou explosão e fogo a bordo do navio “Sultane” e ao que tudo indica terá provocado estragos consideráveis na embarcação que mesmo em situação crítica consegue fazer uma tentativa de abalroamento a fragata inimiga “Astrea” que já estava a afastar-se da cena, cuja “fuga extraordinária” não evitou, contudo, o surgimento uma vez mais de fogo a bordo nesse navio.

Por outro lado, o comandante francês Philibert do “Etoile”, ao aperceber-se da retirada fugaz dos ingleses que rumaram em direção ao Porto da Praia, Santiago, juntou-se aos colegas do “Sultane” que estavam a braços com problemas na embarcação em resultado dos danos sofridos durante a batalha ora finda.

Sabe-se que em termos materiais os esquadrões britânicos ficaram muito mais danificados de que os franceses e na hora de avaliar as perdas humanas os franceses foram mais sacrificados: 19 mortos e 63 feridos para o lado britânico, 40 mortos e quase 60 feridos para o lado francês.

Em virtude de não haver nenhum porto amistoso próximo para a reparação da frota, o esquadrão francês regressou à Europa e a 26 de Março foram avistados a navegar ao leste do Canal da Mancha nas proximidades da Ilha de Batz, na Bretanha. Dias depois o “Etoile” acabou sendo capturado pela fragata britânica “HMS Hannibal” momentos antes do seu comandante ter reconhecido a derrota.

Para completar a história desta tragédia única na baía do Porto Inglês e quiçá em Cabo Verde, resta saber como a população da pacata ilha do Maio reagiu a esta batalha a frente dos seus solhos e qual foi a postura das autoridades locais e nacionais perante uma batalha que não era nossa mas que decorreu em pleno território nacional.

Fontes: 
- J. William. A História Naval da Grã-Bretanha, Volume 6, 1811-1827 . Londres: Conway Maritime Press, 1827. 2002.
- Ilustração: Momento em que "Etoile" era capturado pela fragata britânica "Hannibal" - Wikipedia, org.

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