![ÌBÁTAN[1] Genealogia: Brasil e Cabo Verde, raízes comuns](/content/img/yanic1.jpg)
A nação que conhece a fundo a sua história, exorta melhor o seu povo na senda da soberania; escolhe com diligência as suas alianças internacionais e defende lucidamente os seus interesses nacionais e lega o antigo vigor e discernimento dos nossos antepassados, ao presente frescor e desenvolvimento da nossa mocidade.

É com este intento que venho dar a conhecer às leitoras e aos leitores deste diário o projeto: Ìbátan: afro-catarinense: Genealogia de famílias negras em Florianópolis e adjacências, sediado no Instituto de Genealogia de Santa Catarina (INGESC).
Primeiramente, cumpre responder à seguinte indagação: Como um projeto de genealogia na capital do estado de Santa Catarina no Brasil, impacta na história da nossa república?
É necessário retorquir que, fazendo um exame rápido, na relação de ambos os países, verificamos que os caminhos da terra do Mocotó[2], há muito se entrelaçaram nos trilhos do lar da Catxupa. Por exemplo, as cartas régias[3] do século XVI nos elucidam que as primeiras vacas e as canas sacarinas que chegaram ao berço do samba, foram provenientes do solo cabo-verdiano; se nos aventurarmos a folhear o magistral romance Chuva Brava de Manuel Lopes, publicado em 1956, encontraremos já pela segunda página referência direta ao Brasil na figura do personagem "nhô Joquinha"; não será demais também lembrar, que o nosso ilustre poeta e compositor B. Leza foi o demiurgo da morna Brasil, disponível hoje no YouTube[4] na melíflua voz da intérprete Nancy Vieira e talvez seria escuso falar na influência das telenovelas brasileiras nas noites do arquipélago. Portanto, se temos vínculos constantes na pecuária, na agricultura, na literatura, na música e na dramaturgia, porque não haveríamos de tê-los também na genealogia?
Pois o projeto Ìbátan visa pesquisar, catalogar, examinar, cadastrar e divulgar uma gama de dados sobre indivíduos de origem africana (escravizados, livres e libertos) e suas famílias no munícipio de Florianópolis. E nesta empreitada, já registramos pessoas oriundas de diversas nações da África, tais como, naturalmente, Cabo Verde.
A nossa base de informações parte dos registros eclesiásticos de batismos, casamentos e óbitos entre os anos de 1726 a 1930. Este é, por incrível que possa soar um empreendimento de vanguarda no Brasil, pois durante muito tempo a historiografia, ou negligenciou estes dados ou se apropriou parcialmente deles, visando somente pesquisas individuais. O diferencial deste projeto consiste exatamente em socializar estas informações históricas através do site www.ibatan.com.br que coloca deste modo, essa substância ao alcance de qualquer pessoa com acesso à internet, tornando público um conhecimento que tinha pouca circulação entre a população, oferecendo de maneira coletiva, irrestrita e gratuita o conteúdo desses documentos, democratizando assim, o saber histórico.
Seja permitido aqui lhes dar uma amostra da importância do Ibátan para a historiografia cabo-verdiana. Para tal, irei apresentar aqui informações de um registro retirado dos livros eclesiásticos de casamentos da igreja matriz de Florianópolis em que se assinala o matrimônio do cabo-verdiano António Lourenço no ano de 1796. A saber:
No dia 29 de Outubro de 1796, num sábado, às 17 horas, casou-se, na cidade de Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis/ Brasil) o senhor António Lourenço cabo-verdiano, "preto forro” [5] com a senhora Maria Joaquina, nativa da cidade. Testemunhas: José da Silva e António Soares.
Por este singelo registro matrimonial, que pode ser verificado na plataforma do Ibátan, tem-se a prova documental de que a presença cabo-verdiana já se encontrava nesta excelsa cidade do sul do Brasil há pelo menos 229 anos. O que assegura aos cabo-verdianos em particular e aos africanos em geral, o papel ativo na construção social e cultural desta cidade. Vale ressaltar, igualmente, que o nosso estudo ainda é incipiente, não obstante, a sua potencialidade promete ser valiosa para compreender a herança de Cabo Verde na diáspora.
Insisto novamente em sublinhar que este é um projeto pioneiro no Brasil no que tange ao tema da genealogia de famílias negras. Por seu caráter precursor, fazemos votos para que outras iniciativas semelhantes tomem forma e outras ideias análogas ganhem corpo, preenchendo por este meio, a lacuna que persiste na memória nacional. Posto que, uma história que não se reporta ao seu país e à sua ancestralidade, é mais útil como um instrumento de esquecimento e alienação do que de conscientização.
Aproveito aqui para congratular o trabalho vital do cabo-verdiano e professor catedrático Jorge Brito, em genealogia no arquipélago, que através de uma dedicação infatigável e uma agudeza de espírito tem possibilitado o reconhecimento dos nossos ancestrais.
Por fim, cabe anunciar que nesta quarta-feira dia 5, na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, na cidade de Florianópolis, terá lugar a primeira exposição do projeto Ìbátan, pelo mérito da sua investigação genealógica. Todos são bem-vindos a visitar o site do Ìbátan.
Fazem parte da equipe do Ìbátan o professor doutor em História Fábio Garcia, a professora doutora em História e psicanalista Elisiana Trilha Castro, a historiadora Cacau Moraes e o autor destas linhas.
Florianópolis, 2025
 
[1] Palavra do idioma africano iorubá que significa parentesco.
[2] Mocotó pode se referir à pata do boi (sem o casco) ou ao prato culinário feito com ela. É o prato que em Cabo Verde denominamos de “Mon di vaca”.
[3] Cartas Régias eram documentos oficiais emitidos pelo monarca (rei ou príncipe regente) contendo ordens de caráter permanente, com poder de lei, dirigidas a autoridades metropolitanas ou coloniais.
[4] https://youtu.be/jPyhzY_3xuU?si=oA-96FJbFMJyLYyM
[5] Designação para uma pessoa escravizada que adquiriu a sua liberdade através da carta de alforria.
 Os comentários publicados são da inteira responsabilidade do utilizador que os escreve. Para garantir um espaço saudável e transparente, é necessário estar identificado.
 O Santiago Magazine é de todos, mas cada um deve assumir a responsabilidade pelo que partilha. Dê a sua opinião, mas dê também a cara.
 Inicie sessão ou registe-se para comentar.
Comentários