A pensar no campo e nas suas gentes
Ponto de Vista

A pensar no campo e nas suas gentes


Nos últimos dias temos ouvido muito sobre a inclusão, pela FAO, de Cabo Verde na lista dos países de emergência alimentar.
Seria uma questão normal se o próprio Governo, através do Primeiro Ministro, não tivesse feito declarações precipitadas e irrefletidas, próprias de alguém que esteja desconfiado de tudo que possa cheirar a alguma dificuldade para o país e, consequentemente, sentir-se responsável pelo nível degradação a que chegamos.
Fica-se com a impressão, podemos estar errados, que o Primeiro Ministro, por força do reconhecimento de uma situação de governação pouco favorável, esteja a ver fantasmas em todas as declarações, críticas e avaliações.
As perguntas que deviam ser feitas à partida eram:
1. Em que situação a FAO toma esta decisão?
2. Qual a real situação de milhares de pessoas no campo e na periferia da cidade?
3. Qual era o objetivo da FAO?
Respondendo a estas perguntas a reação poderia ser bem diferente e muito mais natural, sem qualquer pedra na mão e sem qualquer complexo.
Respondendo à primeira questão eu diria que a FAO, através de uma equipa especializada e, como sempre, pluridisciplinar, avaliou a situação no terreno e constatou as consequências, talvez devastadoras, do mau ano agrícola, da seca e da falta de alternativas e falta de pão para milhares de bocas que estão a clamar pelo socorro de todos. De recordar que muitos, e o próprio Primeiro Ministro, estão a dizer que estamos perante uma das piores secas dos últimos 36 anos.
Com relação à segunda questão, quem visita o campo vê na cara das pessoas o desânimo, a impotência e um certo desespero, vendo os filhos a não se alimentarem bem, os rendimentos a escassearem, os animais a definharem e a morrerem à mingua, a água a sumir e a não dar vasão às milagrosas regas e a faltar mesmo para matar abundantemente a sede e a esperança a enfraquecer. A situação não é nem boa e nem animadora.
Respondendo à terceira questão eu diria que o objetivo da FAO era lançar um SOS para a comunidade internacional e mobilizar uma solidariedade dos homens de boa vontade para evitar uma situação ainda pior de consequências imprevisíveis.
Não devemos esquecer que um país de rendimento médio, ainda que baixo, não está sujeito à ajuda alimentar e outras semelhantes a não ser em casos extremos impostos por questões de emergência, fruto de fenómenos naturais, ambientais e climáticos, passe a relativa redundância. 
A declaração da FAO perece ter o objetivo de abrir janelas de oportunidades para socorrer e ajudar as vítimas da seca e as declarações do Primeiro Ministro, inconscientemente, estiveram no sentido contrário, mandando fechar estas janelas por serem desnecessárias.
Ouvi as declarações/reação do chefe do executivo a dizer, mais coisas, menos coisas, que em Cabo Verde o problema não era de necessidade alimentar mas sim de falta de água e de falta de pasto.
Senhor Primeiro Ministro, quando temos falta de pastos temos animais mal alimentados, mal nutridos e alguns até não conseguem aguentar a situação e a morrem e os seus donos ficam desorientados e desesperados porque quando se vive ou se sobrevive nestas circunstâncias os rendimentos provenientes da economia que gira em torno da pecuária ficam parcial ou totalmente comprometidos.
Quando há escassez de água não se pode fazer a agricultura e as famílias no campo veem-se a braços para levar a panela ao lume com a regularidade minimamente necessária para a vida de um ser humano. 
Se não há pasto e não há água as pessoas ficam na iminência de passar dificuldades enormes, e olha que estou a fugir à palavra FOME pela carga que tem no nosso imaginário enquanto povo que tem no seu DNA sinais marcantes das sequelas provocadas pelas carestias. 
Senhor Primeiro Ministro o Senhor não é responsável pela seca mas jamais conseguirá ter a sua consciência tranquila se não fizer, agora, o que deve ser feito. Reconsidere a sua declaração, fale com a FAO e outros organismos e todas as organizações internacionais e socorra a população do campo e evite uma situação de calamidade social (a última expressão foi tomada, por empréstimo ao Engenheiro Jorge santos que é presidente da Assembleia Nacional).
No rol dos pedidos inclua também meios para desassorear a barragem de Poilão, a primeira, a mais simbólica e a que demonstrou ser possível impedir que a água da chuva percorra os nossos vales, destruindo tudo que encontrar pela frente até se misturar com o nosso imenso mar e desaparecer no salgado do oceano que nos banha.
Está é uma oportunidade única de fazer isso e não colhe a justificação do Ministro do sector que a não ação é justificada pela necessidade de uns cento e tal mil contos, montante mais ou menos igual ao mobilizado só para adquirir o terreno onde aquela infraestrutura foi edificada.
SEJAMOS DIGNOS MAS TAMBÉM SENSATOS.

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