O poeta cabo-verdiano José Luís Tavares lamentou hoje a “grande crispação” política no país, a propósito do chumbo no parlamento de uma proposta para celebrar o centenário do nascimento de Amílcar Cabral, considerando o parlamento “indigno” de representar o povo.
“Acho que esse parlamento é indigno de se achar representante deste povo”, disse o autor premiado à Lusa, durante a passagem pela Praia, onde hoje apresenta uma nova obra, a propósito dos 20 anos de carreira.
Apesar do seu pensamento e da sua importância para o país, Cabral não deve ser "endeusado", mas também não deve ser "demonizado", considerou, afirmando: “Ele era um ser humano com as suas virtudes, com as suas fraquezas, mas com um pensamento libertador”.
José Luís Tavares disse que acompanha de longe – reside em Lisboa – a política cabo-verdiana e considera haver “grande crispação”, fruto de um sistema muito bipolar, da ausência de uma terceira via, contexto que leva as pessoas ao silêncio, por questões de sobrevivência.
“Há uma mesquinhez tremenda das pessoas que governam o país, sempre ciosas daquilo que pode ser um pensamento autónomo, crítico e libertador”, disse, considerando que Cabo Verde ainda vive a “síndrome do único”, apesar do sistema de partido único ter desaparecido há mais de 30 anos.
“Não se fez uma pedagogia de aceitação da diferença, de aceitação do outro, de que o mundo é múltiplo e variado”, continuou o escritor, de 56 anos, natural de Tarrafal de Santiago, sublinhando que é preciso pedagogia para haver alternativas culturais, políticas e ideológicas.
A proposta de resolução para celebrar os 100 anos do nascimento do líder das independências da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, em 12 de setembro de 2024, foi apresentada pelo PAICV e reprovado pela bancada parlamentar do MpD.
O documento recebeu 32 votos a favor, dos quais 28 do PAICV e quatro da União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID, também na oposição) e 34 votos conta do MpD.
Nas suas declarações de voto, o deputado e presidente do PAICV, Rui Semedo, disse tratar-se de um “momento triste” na história do parlamento cabo-verdiano, enquanto o líder parlamentar do MpD, Paulo Veiga, explicou que, juridicamente, a resolução é o instrumento errado para o efeito, mostrando que deveria ser feita através de uma proposta de lei, apresentada pelo Governo.
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