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Jorge Carlos Fonseca admite que coabitação com antigo Primeiro-Ministro não foi “totalmente pacífica”
Política

Jorge Carlos Fonseca admite que coabitação com antigo Primeiro-Ministro não foi “totalmente pacífica”

O Presidente da República cessante, Jorge Carlos Fonseca, admitiu hoje que a coabitação com o antigo primeiro-ministro José Maria Neves, que lhe sucederá no cargo, não foi “totalmente pacífica”, mas que as “discordâncias” resolveram-se sem crises políticas.

“Eu não diria nem de tensão, nem totalmente pacífica”, começou por explicar Jorge Carlos Fonseca, Presidente da República desde 2011 – apoiado pelo Movimento para a Democracia (MpD, atualmente no poder), sobre a relação com o então primeiro-ministro José Maria Neves (2001 a 2016), pelo Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV).

“Foi a primeira experiência de um Presidente eleito sem o apoio da área política do Governo. Eu fui eleito seis meses depois de o PAICV ter tido a terceira maioria absoluta, sob a liderança de José Maria Neves. Portanto foi uma experiência nova que houve no nosso sistema Constitucional, no nosso sistema de governo”, recordou, questionado pela Lusa na conferência de imprensa realizada hoje no Palácio Presidencial, na Praia, com uma dezena de órgãos de comunicação social, de balanço sobre os dez anos como chefe de Estado.

“Divergimos muitas vezes (…) uma vez ou outra essa falta de sintonia se traduziu por exemplo em um primeiro-ministro ir à comunicação social manifestar discordância em relação a posições do Presidente da República”, recordou, sobre a coabitação no seu primeiro mandato presidencial com José Maria Neves, eleito em 17 de outubro o quinto Presidente da República de Cabo Verde.

“Digamos que a discordância manifestava-se e traduzia-se no contexto Constitucional”, garantiu, dando como exemplo os vários requerimentos sobre a constitucionalidade de normas jurídicas, elaboradas pelo Governo de José Maria Neves, que enviou para o Tribunal Constitucional, de fiscalização preventiva, de “um ou outro caso” de fiscalização sucessiva e até de veto político.

“Ou então, através de uma experiência que eu tive com o doutor José Maria Neves enquanto primeiro-ministro, e que mantive com o atual primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, que é de devolução de diplomas, no âmbito de uma atitude de cooperação institucional”, recordou.

Explicou que com José Maria Neves em “muitas dezenas de vezes (…) discordava de um diploma do Governo”, mas antes de promulgar, de vetar ou enviar para o Tribunal Constitucional, “fazia-lhe uma carta”, apontando as discordâncias e explicando porquê, ficando à espera de uma “reavaliação”.

“Ele algumas vezes mantinha o que lá tinha, dizendo que achava que eu não tinha razão, eu então ou promulgava ou vetava. Mas muitas vezes procedia a alterações e eu promulgava os diplomas”, revelou.

Para Jorge Carlos Fonseca, apesar dos “temperamentos diferentes” de ambos, foi possível “coabitar e coexistir sem que tenha havido nenhuma crise relevante” em Cabo Verde.

“Sendo de áreas políticas diferentes, era normal haver uma falta de sintonia, mas não houve nenhuma crise política ou institucional que tivesse resultado dessa falta de concordância”, apontou.

Jurista nas áreas de Direito Penal, Processual Penal e Constitucional e professor universitário, Jorge Carlos Fonseca foi empossado para o primeiro mandato como Presidente da República de Cabo Verde – o quarto desde a independência – em 09 de setembro de 2011, reeleito em 2016 para o segundo e último mandato.

“O facto de deixar de as funções de Presidente da República e de ter feito há dias 71 anos isso não vai fazer com que eu seja um aposentado, um reformado. Isso é uma ideia que nunca me passou pela cabeça”, afirmou hoje, recordando os mais de 50 anos de vida política, percurso que descreveu como “sinuoso”, mas também “coerente”, que passou pela luta pela independência cabo-verdiana, ainda na clandestinidade, em Coimbra, pela militância no então PAIGC e depois no MpD, além de ter sido ministro dos Negócios Estrangeiros.

“Penso que posso fazer muitas coisas pelo país. Posso escrever, posso proferir conferências, posso fazer palestras, posso ir às universidades, posso ir às escolas - como tenho feito -, posso fazer no país e fora do país”, apontou, sobre o futuro, após deixar o cargo.

“Não prescindirei de ter opinião política”, garantiu ainda.

Escritor com várias obras editadas em diferentes línguas, mas também sócio de dois escritórios de advogados em Cabo Verde, garantiu que não voltará a lecionar, mas que ficará por Cabo Verde: “Não me vão faltar coisas para fazer”.

“Os cabo-verdianos devem contar comigo, que eu estarei sempre disponível para intervir na sociedade cabo-verdiana para que Cabo Verde venha a concretizar a ambição que me levou a candidatar à Presidência da República, que me acompanha até agora, que é transformar Cabo Verde num país verdadeiramente desenvolvido, e não um país de rendimento médio. Um país com mais justiça social, com menos assimetrias regionais, com menos pobreza”, disse.

Na hora da saída, recordou igualmente que definiu em 2011 que a Constituição da República era o seu “caderno de encargos”, da qual há 20 anos “pouco se falava”, daí estar satisfeito com a “cultura da Constituição” que o país ganhou: “Hoje todos invocam a Constituição”.

Garantiu ainda que ao longo destes dez anos exerceu uma “Presidência verdadeiramente junto das pessoas”, dando como exemplo as 13 deslocações à ilha Brava, acessível apenas por via marítima.

“Gostava que recordassem a minha Presidência como ligada aos valores da liberdade e democracia”, concluiu.

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