A 31 de dezembro de 2020, a Câmara Municipal da Praia (CMP) tinha uma dívida pública superior a 2,5 milhões de contos, dos quais cerca de 800 mil contos resultam de empreitadas. Tendo em conta que entre 25 de outubro de 2020, dia das eleições, e 20 de novembro, dia do empossamento de Francisco Carvalho, registaram-se pagamentos de faturas em valores próximos de 500 mil contos, pode-se afirmar que as dívidas totais do partido liderado por Ulisses Correia e Silva na CMP atingiriam valores acima dos 3 milhões de contos, segundo dados na posse de Santiago Magazine. Feitas as contas, as dívidas já apuradas representam 83% do orçamento do município para o ano 2021.
Francisco Carvalho, o novo edil da capital, quando confrontado por este diário digital sobre esses números, não só os confirmou, como falou em gestão de “compadres”, na medida em que, como observa, “são dívidas demais para um concelho que acusa uma elevada taxa de desemprego, desigualdades sociais gritantes, carências ao nível da habitação social, de acesso a casas de banho, ao saneamento básico e à educação e formação de jovens, sobretudo os filhos de famílias mais carenciadas”.
Na avaliação de Francisco Carvalho, a relação entre a dívida pública da Câmara Municipal, os benefícios sociais e as obras municipais realizadas, acusa “uma grande discrepância”, pois, “o que se fez anda a quilómetros daquilo que se devia fazer, e dos resultados conseguidos na melhoria das condições de vida das pessoas e da própria cidade em si, tendo em conta os recursos envolvidos, sejam financeiros, patrimoniais ou outros”.
Zerar Tesouraria Municipal
O autarca da capital informa que “os levantamentos estão ainda em curso, os apuramentos estão sendo feitos pelos serviços financeiros e a direção de urbanismo e obras”, pelo que defende não ter chegado ainda a hora para “se fazer uma avaliação completa da situação”, mas mostra-se um pouco agastado com o facto de, em pouco mais de 20 dias, a Câmara Municipal cessante ter feito pagamentos próximos de 500 mil contos, um volume nunca antes registado.
“Tal atitude mostra claramente a intenção de zerar a tesouraria municipal, para comprometer a nova Câmara eleita”, constata Carvalho, que fala ainda na existência de contratos prejudiciais aos interesses do município, embora sem especificar.
Entretanto, a respeito de contratos, informações a que Santiago Magazine teve acesso, dão conta que a equipa que hoje lidera a CMP terá herdado um total de 21 contratos de obrigações mensais com terceiros. Desses contratos, cerca de 17 comem um montante financeiro mensal próximo de três mil contos à CMP.
Contratos lesivos ao interesse municipal
A título de exemplo, este diário digital traz aqui o contrato com a empresa PILAR, por ser a mais expressiva, pois, sozinha, consegue embolsar mais de um milhão e 300 mil escudos mensais do total mencionado no parágrafo anterior.
Efetivamente, da análise de informações, Santiago Magazine está em condições de afirmar que esta empresa consegue faturar mais de um milhão e 300 mil escudos mensais à CMP, sendo 400 contos para fazer a limpeza do mercado do Plateau, 410 contos para fazer a recolha de lixo nos bairros de Lém Ferreira, Achada Grande Frente e Trás, 575 contos para recolha de lixo em Vila Nova, Fundo de Calabaceira, Lém Cachorro, Paiol, Coqueiro, Achadinha Pires, e mais 57 mil e 500 escudos para fazer a recolha no bairro de Vila Vitória. A estes valores acrescentam-se ainda mais 200 contos que lhe são mensalmente pagos pelos serviços de abastecimento aos tanques de água do mercado do Plateau.
Ainda no capítulo de contratos, a nova equipa terá herdado também 4 contratos com terceiros, em que a modalidade de pagamentos é a comissão, calculada em função das entradas verificadas, ou seja, das receitas municipais arrecadadas.
ATM sem identificação
Neste grupo, Santiago Magazine conseguiu apurar uma tal de MSN. Esta é uma empresa de tecnologia que vende serviços on-line à CMP. Entre esses serviços está a loja on-line. A MSN cobra logo à partida 1% por cada pagamento efetuado e posteriormente recebe mais 10% por cada um desses pagamentos efetuados.
Aqui torna-se um calvário para a CMP apurar o montante nominal de receitas que essa empresa consegue amealhar mensalmente, no quadro da execução do referido contrato. Segundo nos informaram há um facto estranho que é a existência de um terminal de cobrança, um ATM, que faz cobranças de valores em dinheiro, mas não se consegue identificar aonde vai parar o dinheiro porque o ATM não tem qualquer identificação.
Por outro lado, e não menos estranho, é o facto também de não existir cópia desse contrato nos arquivos municipais, o que suscita a especulação de que poderá ter sido retirado da pasta de contratos, uma vez que na pasta onde estão arquivados contratos, quando se chega ao separador que identifica o contrato dessa empresa, depara-se com um espaço vazio.
Negócio milionário na venda de terrenos
Uma segunda empresa desse grupo de comissões é VM – Consultora e Gestão. Com esta empresa a CM liderada pelo MpD celebrou um contrato, cujo objeto é prestação de serviços de consultoria e gestão, concretamente, para intermediar os processos de regularização das construções irregulares e cedência de terrenos nas zonas de São Pedro Latada, Achada São Filipe, Cidadela e Palha Sé.
Como contrapartida, a VM recebe 12 mil escudos por cada processo analisado, na modalidade de regularização e de cedência; 4% calculado sobre o valor negociado para cedência de cada terreno acrescido do IVA à taxa legal. Aqui, o contrato estabelece que esses 4% não podem ultrapassar o limite máximo de 500 contos para cada contrato de compra e venda firmado.
Para cada processo de aforamento ou contrato de constituição de direito de superfície finalizado, a VM recebe o valor de 12 mil escudos.
Para a execução do contrato, a CMP cede à VM, espaço para escritório, equipamentos, energia eléctrica, água, e todas as informações do cadastro predial urbano da Praia, bem como os serviços os serviços de gestão de lotes, produção de croquis, entre outros serviços essenciais. Este negócio vem desde 2015.
De acordo com as informações recolhidas por este diário digital, os serviços objeto do contrato com a VM são atribuições tradicionais de uma Câmara Municipal e se inscrevem no conteúdo orgânico de todas autarquias nacionais, sendo certo que todos os municípios possuem um Gabinete Técnico com grandes valências nesses tipos de atividades.
ASDIS recebe 10% de rendas cobradas no complexo Casa Para Todos
A gestão das habitações do complexo Casa Para Todos, é outro processo que se inscreve nos contratos com comissão. Aqui a beneficiária é ASDIS – Cooperativa de Crédito “Coop – ASDIS Micro-Finanças” e contrato tem por objeto a prestação de serviços nos domínios de cobrança e gestão de condomínios de Habitação de Interesse Social, conhecidos por Casa Para Todos, sob a responsabilidade direta da CMP. Para prestar esse serviço a CMP deve pagar à ASDIS o correspondente a 10% o valor mensal da renda acrescido do IVA.
Estes factos todos, quando comprovados, explicam as palavras de Francisco Carvalho, quando ele diz que “a CMP foi transformada num espaço para o enriquecimento de um grupo de pessoas”, mostrando que realmente “a equipa do MPD que geriu a CMP durante os últimos 12 anos abandonou por completo os interesses dos praienses e passou a trabalhar apenas para favorecer um pequeno grupo de pessoas”.
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