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O silêncio que perturba
Ponto de Vista

O silêncio que perturba

Se Amadeu Oliveira for considerado culpado e se Alex Saab não for solto, as pessoas e os investidores entenderão que a Justiça neste país é um assunto privado, em que as interpretações das leis podem ser amplas e conflitantes e, portanto, muito discricionárias, em que tudo pode ser verdadeiro ou falso, dependendo também do grau de julgamento o do “mau funcionamento” do equipamento técnico. Um país onde é sempre melhor mediar do que ir ao tribunal, porque apesar dos seus motivos pode estar errado ou mesmo não saber de nada durante dez anos ou mais.

Estamos agora perto das eleições políticas nacionais e em outubro, como vocês sabem, haverá eleições presidenciais. Como sempre, a Cabo Verde Empresas não tem cor política porque o nosso interesse é o negócio, independentemente dos partidos no poder ou da oposição. O que vos escrevo, portanto, não tem contesto político, porque há questões importantes que afetam a todos, desde os mais altos cargos institucionais da República até os últimos dos ignorantes, sejam eles nacionais ou estrangeiros.

Ultimamente temos dois casos que trouxeram à luz como o complexo mecanismo do sistema judicial está sob ataque, muitas vezes político ou mesmo "geopolítico".

Os julgamentos destacados pelo advogado e cidadão Amadeu Oliveira a juízes cujos nomes e apelidos têm sido repetidamente associados a adjetivos não qualificados, é um destes grandes eventos mediáticos.

Agora, pouco importa se Amadeu Oliveira está certo ou não. O objetivo foi alcançado.

A confusão foi levantada e os fatos que ele citou apenas parcialmente recusados ​​pelo judiciário.

Todos nós já passamos por alguns casos de injustiça, mas muitas vezes ouvimos casos para os quais, francamente, não há justificativa digna de um país livre. Acompanho pessoalmente dois processos cíveis instaurados no Tribunal de Mindelo há mais de 13 ou 14 anos e dos quais, até à data, não recebemos sequer uma sentença de primeiro grau. Quer você ganhe ou perca, depois de 13 anos não importa mais. Quem perde é o sistema judicial que, apesar dos aumentos contínuos das despesas, não consegue dar respostas dentro de um prazo aceitável para as pessoas que sofrem e para uma economia em funcionamento.

O segundo grande caso que há meses nos coloca em uma posição negativa também a nível internacional é o relativo à detenção ilegal de "Alex Saab". A esta altura, todos os órgãos e instituições mais importantes a nível internacional decretaram a irregularidade da prisão, ato ilícito e abusivo do judiciário que ordenou a primeira detenção e prisão domiciliar no período mais recente. Até as Nações Unidas consideram isso uma injustiça.

Este caso parece mais um problema de geopolítica do que de judiciário, sendo Alex Saab o provável dono fictício de enormes recursos pertencentes ao Estado da Venezuela e os Estados Unidos da América um importante parceiro de Cabo Verde.

Mas, precisamente por isso, é evidente que o princípio fundamental da independência do terceiro poder do Estado é curiosamente frágil perante um caso internacional, mas extremamente forte no caso de Amadeu Oliveira. Dois pesos, duas medidas, que mais uma vez colocam o Judiciário no centro das atenções.

Apesar dos inúmeros apelos dos advogados em causa, de membros da Assembleia Nacional, de personalidades e de simples manifestantes, até à data não temos qualquer postura institucional. Este é também um aspeto interessante e curioso que, como cidadão europeu, considero muito respeitoso para com o poder judicial, mas um pouco menos para com um povo que precisa de uma indicação dos seus leaders.

Se por um lado não querem expor-se, por outro nem sequer tem palavras de conforto para quem sofre o peso de um mecanismo jurídico extremamente complexo e pesado, que por vezes conduz a "injustiças" de termos e tempo.

Em suma, parece que basicamente está tudo bem e que se tratam de dois casos isolados cujo alvoroço incomoda porque enfraquece a imagem do país e das suas instituições fundamentais.

Esse aspeto, mais do que o real e palpável mau funcionamento dos Tribunais, preocupa quem investe ou gostaria de investir neste país. A ausência de uma real consciência por parte das instituições, a ausência de uma postura clara e firme, a ausência de autocrítica por parte do judiciário (incluindo os advogados), a ausência de clareza e força que conduzam a melhorar o sistema.

Se Amadeu Oliveira for considerado culpado e se Alex Saab não for solto, as pessoas e os investidores entenderão que a Justiça neste país é um assunto privado, em que as interpretações das leis podem ser amplas e conflitantes e, portanto, muito discricionárias, em que tudo pode ser verdadeiro ou falso, dependendo também do grau de julgamento o do “mau funcionamento” do equipamento técnico. Um país onde é sempre melhor mediar do que ir ao tribunal, porque apesar dos seus motivos pode estar errado ou mesmo não saber de nada durante dez anos ou mais.

E se houver bons elementos para apelar, teremos a certeza de que a sentença provavelmente será lida aos nossos herdeiros, sujeita a prescrição.

O país está perante uma grande oportunidade, pela qual temos de agradecer a Amadeu Oliveira e aos Estados Unidos da América.

Graças a eles, hoje podemos voltar a falar livremente sobre Justiça e não Justiça. Hoje, o país tem a oportunidade de se aprimorar, de mostrar ao mundo que o "sistema" funciona, corrigindo-se com base na já inegável evidência de mau funcionamento; oportunidade extraordinária para o STJ e o Ministério da Justiça, mostrar como (com ou sem razão) o ordenamento jurídico não é perfeito e que pode, de facto, deve ser melhorado, para o bem das instituições e das pessoas que devem continuar a ter fé nelas, para acreditar nos valores ditados pelos padres constituintes.

As empresas pedem para que a justiça seja livre de qualquer acreditável suspeito, independente se capaz de correger-se, justa se capaz de responder num prazo compatível com a economia.

 

* Presidente da Associação Empresarial de Cabo Verde

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