Vice-presidente da JPAI, numa conversa exclusiva com Santiago Magazine, traça o quadro em que a juventude cabo-verdiana está a viver e diz que “a juventude não é prioridade e nem é aposta para este Governo”. Para esta jovem política, quando o Governo já vai no seu quarto orçamento, sem conseguir o crescimento económico a 7% ao ano e os 9 mil postos de emprego jovem prometidos, o desalento e o descrédito aniquilam as esperanças da juventude cabo-verdiana, empurrando-a naturalmente para a marginalidade social e participativa.
Santiago Magazine - O desemprego jovem atinge cifras proibitivas no país, e está assumir proporções alarmantes a cada dia que passa. Na sua opinião, quais são os maiores desafios dos jovens cabo-verdianos, para além do desemprego?
Luana Jardim - O desemprego é o sem dúvida o maior desafio que a nossa juventude vem enfrentando. Infelizmente as estatísticas não são animadoras. No entanto, para além do desemprego diria que o nosso país é ainda muito desigual no que tange as oportunidades de acesso à formação. A formação profissional, apesar de ultimamente estar a ser muito publicitada, ainda legal e socialmente não é muito valorizada. Não sendo verdadeiramente uma opção, ela acaba sendo a única alternativa para os que não conseguem aceder ao ensino superior. Ao nível do ensino universitário o país carece de um verdadeiro sistema de bolsas de estudo. O que tem sido feito até a presente, em termos de financiamento ao ensino superior, tem promovido muita precaridade. São poucos os alunos que acedem ao apoio do estado e os que o conseguem apenas recebem um “apoio” que simplesmente só cobre o pagamento das propinas. Um verdadeiro sistema de bolsas de estudo deve ter em conta todas as demais necessidades do aluno. Caso contrário o estado estará a contribuir para que os jovens tenham uma formação precária. Precisamos de programas de mobilidade de estudantes com universidades estrangeiras, programas de apoio a iniciação científica, etc. Estranha-nos que muito se tem queixado sobre a qualidade dos jovens formandos, mas é preciso ter-se em conta que parte dos problemas está também na ausência de uma agenda de valorização da formação a todos os níveis e modalidades de ensino.
Mas também há outros desafios no setor da educação, como é o caso de jovens das outras ilhas que querem concluir o ensino básico obrigatório ou o secundário no período noturno e que são obrigados a migrar para as outras ilhas para o fazerem o que acaba por afetar a estrutura familiar e financeira desses jovens.
Por outro lado, a dificuldade no acesso ao crédito para aquisição ou construção de habitação própria, é outro constrangimento que vem afetando a nossa juventude. Muito difícil.
Temos recebido também outras queixas feitas por jovens pais que não conseguiram acompanhar as suas esposas que foram diagnosticadas com gravidez de risco aos tratamentos recomendados, alguns inclusive para fora do país porque não foram dispensados do trabalho para tal. Há casos, por exemplo, de jovens que depois de submetidos a baixa médica foram pressionados para voltar a trabalhar sob a ameaça de ficarem desempregados ou então teriam que pagar eles mesmos pelos dias que ficaram em casa para se manterem no emprego.
Hoje, temos cada vez mais jovens empregados em condições precárias e claramente não há uma visão do que se quer para os jovens deste país.
Fala-se muito de empreendedorismo jovem, de incubadora de empresas, entre outros incentivos. Na prática, que vantagens, sobretudo a nível do acesso ao crédito, das taxas de juros, estão reservados aos jovens que pretendem investir?
Infelizmente o empreendedorismo tem sido utilizado como um chavão e um conceito que por si só poderá criar uma classe de novos empresários. Contudo a realidade tem sido bem diferente. Há muitos jovens com ideias e com formação adequada para empreender. O problema que o governo não está focado nos verdadeiros empreendedores. O um bom empreendedor surge da parte de quem tem esta ambição e esta vocação não é de quem esteja desesperadamente a procura de um primeiro emprego e de ganhar algum recurso e experiência profissional. Por outro lado, é sabido que o nosso sistema de acesso ao crédito ainda funciona numa base muito tradicional. Espera-se que um jovem pobre apresente garantias bancarias para poder ter acesso a financiamento. Por outras palavras não existe sintonia entre o que é apregoado pelo governo e o que é implementado pelas instituições bancárias.
Infelizmente as taxas de juros que estão reservadas aos jovens que pretendem investir se encontram inseridas dentro de determinados programas de difícil acesso a camada jovem. É a tal inclusão e igualdade de oportunidades para todos que ainda não se conseguiu atingir.
No entanto, acreditamos que nós os jovens devemos sim ser ousados e apostar em empreender. Mas é fundamental que as medidas de políticas sejam inclusivas, mais acessíveis e menos burocráticas para gerar mais oportunidades a juventude. Precisamos de menos discursos e mais ações concretas para fazer sair do papel projetos de muitos jovens.
Para além do emprego, da formação, os jovens também querem constituir família, sendo esta a base que há-de sustentar a sociedade e as suas instituições. Como avalia o acesso ao crédito habitação em Cabo Verde?
Cabo verde é dos poucos países do mundo em que o mercado de arrendamento é mais barato do que a aquisição de casa própria. Porém como não temos um mercado de arrendamento devidamente estruturado, todos os jovens sonham ter uma casa própria.
O acesso ao crédito aos jovens em Cabo Verde neste momento se encontra estagnado, e nós já tínhamos denunciado isso em conferência de imprensa no ano passado. Infelizmente não houve reação nem da BCV ou do governo para essa questão, atendendo que a Direcção-Geral do Tesouro recativara, em 2016, o regime de bonificação de juros para Crédito Habitação, regime esse definido nos termos do decreto-lei nº 37/2010, de 27 de setembro, que regula as condições de acesso ao crédito para habitação no regime geral, bonificado e jovem bonificado. Este regime que permite aos jovens obter financiamento para adquirir ou construir as suas casas, pagando juros mais competitivos, o que não está sendo implementado pelos bancos, apesar das promessas e propagandas das negociações com os bancos comerciais, feitas pelo atual governo. A verdade é que existe uma indefinição e falta de informação a ponto de os bancos não estarem a aceitar a instrução de novos processos de crédito ao abrigo desta lei de bonificação de taxas de juros aos Jovens, num claro prejuízo a nossa juventude. O Governo e a BCV devem pronunciar claramente sobre este assunto que incomoda a juventude. Aliás, questionamos o porquê deste Orçamento de Estado de 2019 não contemplar os valores para regularizar esta situação de indefinição. Estas entidades mencionadas acima não podem continuar mudas e caladas, sem prestar qualquer esclarecimento a juventude, sem qualquer informação. Neste momento, na ausência de um programa de bonificação dos juros, a aquisição de uma habitação condigna está circunscrita às classes mais abastadas e mesmo assim a taxas de juro exorbitantes.
O governo anterior iniciou um programa de habitação muito ambicioso e inovador, o programa “Casa Para Todos”, apesar de alguns problemas na fase inicial de implementação, pelo menos havia esta opção e muitos jovens casais conseguir ter casa própria por esta via. Actualmente parece que o programa foi desmantelado e ficou um vazio neste domínio, tendo em conta que não foi apresentado um programa alternativo.
Do ponto de vista da política financeira, mas também da proteção dos interesses da juventude, para si, o que é que está certo na política de crédito jovem, o que é que está errado?
Infelizmente temos de reconhecer que a juventude não está no centro das políticas públicas a semelhança de outros países em que há uma clara aposta nos jovens. Juventude significa continuidade. Significa presente e futuro. Mas aqui no nosso país, a juventude não é prioridade e nem aposta para este Governo. Aliás, uma das primeiras medidas do atual governo depois de ter ganho as eleições foi de acabar com os concursos públicos e adotar a regra de nomeação por confiança, deitando assim abaixo a possibilidade de todo e qualquer jovem cabo-verdiano poder ambicionar exercer cargos, de responsabilidade na função pública e contribuir para o desenvolvimento do país.
Por outro lado, tendo em conta a dimensão que a juventude significa em termos percentual em todo país, as políticas de incentivo principalmente em matéria de crédito deixam muito a desejar. Como dissemos anteriormente desde que a Direcção-Geral do Tesouro anunciou a reativação, em 2016, do regime de bonificação de juros para Crédito Habitação (condições de acesso ao crédito para habitação no regime geral, bonificado e jovem bonificado) ficou apenas em discurso e não há qualquer ação para resolução deste problema que afeta a todos nós jovens.
Também já se fala nas linhas de crédito jovem que incluem a bonificação de taxas de juro por parte do governo. Esperemos que venha beneficiar muitos jovens. No entanto, o que a prática nos diz até agora é que há linhas que não funcionam e as que funcionam não estão ao alcance da maioria da camada jovem por questões de ordem burocrática que deveriam ser revistas.
Nas situações atuais, sobretudo no quadro da política de crédito, como é que avalia a liberdade dos jovens, a garantia dos seus direitos mais elementares defendida pelos princípios democráticos?
Nós diríamos que nessa óptica quer a liberdade bem como os direitos estão sendo condicionados por falta de medidas ativas que surtam efeitos de imediato e que permitem aos jovens realizarem os seus projetos de vida beneficiando daquilo que por lei lhes é consagrado.
A situação actual mostra uma clara tendência de se tornar explosiva no futuro próximo. Foi com base na instrumentalização dos sonhos e das espectativas dos jovens que o atual governo ganhou as eleições. Ao prometer fazer o país crescer a uma media de 7% por ano, ao prometer criar 9 mil empregos por ano. Estavam plenamente conscientes de que estas eram as principais dificuldades que afectam a nossa juventude. Ao não cumprir as promessas eleitorais cria nos jovens um sentimento de descrença nos governos e de descrença nos partidos políticos.
Aliás, as recentes manifestações um pouco por todo o país demonstram claramente o desagrado da juventude cabo-verdiana. Acreditamos que em vez de se desvalorizar estas revindicações legítimas, sim é preciso procurar entendê-las. Achamos que o diálogo é o melhor caminho para se poder proporcionar a juventude tudo aquilo que ambiciona.
Até que ponto, a situação social e política que esta camada da sociedade está a enfrentar, não belisca a sua participação e engajamento nas atividades sociais e públicas que o processo de desenvolvimento naturalmente demanda? Ou seja, até que ponto este quadro não estará a empurrar os jovens para a marginação social e participativa?
Esta situação actual social e política que a juventude enfrenta já dá sinais claros de que os jovens estão desmotivados e desacreditados, não querendo inclusive ouvir falar de política ou de partidos políticos. É preocupante sem dúvida porque é a juventude que tem que dar continuidade a esse país e para tal devem estar engajados principalmente nas causas de ordem social e política. Todos temos que acreditar e continuar a lutar para reverter esse quadro. No entanto, esta governação deixa muito a desejar em matéria de juventude. Dia após dia, orçamento após orçamento, os jovens vêm os seus sonhos difíceis de serem alcançados e acabam por perder a esperança. A maioria dos jovens cabo-verdianos estavam a espera que este último orçamento de estado aprovado pela actual maioria que sustenta o governo, trouxesse uma lufada de ar fresco para os diversos desafios que a juventude enfrenta. Infelizmente isso acabou por não acontecer defraudando mais uma vez as suas expectativas, que dificilmente serão alcançadas no mandato deste governo, uma vez que já vamos no 4º orçamento do estado.
Há que colocar a nossa juventude como prioridade na agenda. O país é constituído, na sua maioria, por jovens, pelo que, para o bem da nossa juventude, deveria existir, na atual orgânica do governo, uma entidade claramente definida e com competências de conhecimento público para tutelar o sector da juventude. Para que a ela possam ser imputadas responsabilidades e compromissos e, também, junto a esta entidade, contribuirmos positivamente em prol da juventude cabo-verdiana. Há que igualmente traçar um plano estratégico baseado numa metodologia participativa com a juventude que deverá ser executado em cada concelho do país a curto, médio e longo prazo mediante as prioridades identificadas pelos próprios jovens.
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