A sua marca registada é o cabelão encaracolado, o tom de pele achocolatado e o corpo esbelto. Nas ruas e em eventos de moda, Tirzah Évora atrai os olhares de qualquer um. Seu rosto é presença constante nas revistas e outdoors na capital da moda americana. O sucesso da jovem é inegável e o Santiago Magazine quis, por isso, conhecer um pouco mais da vida e do percurso da menina que sofria bulling na adolescência por causa de seu corpo, que descobriu no desporto uma forma de se amar, que já foi coroada Miss Cabo Verde e primeira-dama de honor da CEDEAO, que chegou nos Estados Unidos da América para jogar basquetebol e estudar gestão de empresas, mas acabou brilhando no mundo da moda. Hoje, a salense que nunca pensou em seguir esta carreira, é modelo em Nova Iorque, atrai fotógrafos e marcas renomados, empresta sua imagem para inúmeras campanhas publicitárias, acaba de lançar uma revista, está a preparar uma autobiografia e estuda para, como atriz, também brilhar na TV e no Cinema.
“Estou sempre a trabalhar, mesmo que seja noutros ramos. A energia nunca me falta”, Tirzah Évora
Santiago Magazine: Apresente-se aos nossos leitores. Quem é Tirzah Évora?
Tirzah Évora: Sou uma salense, com uma mistura de Boa Vista e São Nicolau. Sou modelo em Nova Iorque, uma mulher de muita garra e persistência, que corre atrás daquilo que quer, que não gosta de perder e que leva a vida baseada na honestidade e respeito. Sou uma Kriola cheia de vida, extrovertida, muito brincalhona e, o mais importante de tudo, sou muito forte e de bom carácter.
Hoje és uma grande modelo, que ao lado de outras grandes personalidades cabo-verdianas colocam o nome de Cabo Verde na moda internacional. Quando descobriu que queria ser modelo?
O mais engraçado disso tudo é que eu nunca quis seguir a carreira de modelo. Iniciei na moda na adolescência porque as pessoas me empurravam para isso. Muitos me diziam que eu tinha o corpo ideal, por isso, acabei participando em alguns desfiles na minha ilha. Até que eu gostava, mas na época a moda não era o meu foco. Estava muito mais focada no desporto. Por insistência e persistência da minha mãe e de outras duas grandes mulheres do Sal, a Cláudia e a Janine participei em algumas competições, conquistei o título da melhor modelo de passarela da ilha do Sal, o que me levou a participar no Ilhéu Fashion Week, em São Vicente. Não levava aquilo muito a sério e penso que todos percebiam isso. Ainda assim me instigavam a continuar. Ainda bem!
Até que, em 2011, foste coroada a mulher mais bela de Cabo Verde, para no ano seguinte receber a faixa da primeira-dama de Honor da CEDEAO. O que esses títulos significam para ti e como eles influenciaram na sua carreira de modelo?
Foi exatamente quando eu venci o título de Miss Cabo Verde que comecei a levar a moda muito mais a sério, pois representar a beleza crioula passou a ser o meu compromisso com o país e comigo mesmas. E essa responsabilidade aumentou ainda mais quando recebi a faixa de primeira-dama no concurso Miss CEDEAO. Isso tudo impactou em grande a minha vida. Eu já não era apenas a Tirzah que praticava desporto e se vestia como uma “maria-rapaz”. Eu tinha que estar sempre bem vestida e muito bem cuidada, porque tinha uma imagem a defender. Respondendo à tua questão, posso dizer sim que os dois títulos influenciaram muito na minha carreira. A minha primeira agência em Boston só entrou em contato comigo após descobrir que a Miss Cabo Verde se mudou para os Estados Unidos e que residia em Boston. Queriam apostar em mim e eu aceitei. Mas as influências não se limitaram apenas à minha vida profissional. Os dois títulos me fizeram amadurecer mais cedo e me fizeram acreditar mais em mim mesma. Eu passei a me aceitar do jeito que eu sou ou me via naquela época.
Foi aí que começou teu percurso como modelo?
Efetivamente, o meu percurso como modelo começou em Boston, na minha primeira agência Dynasty Models. Depois disso, conheci a estilista cabo-verdiana Angélica Timas, para quem comecei a desfilar e consegui uma grande publicidade na Times Square, um dos pontos mais famosos de Nova Iorque, representando a sua marca. Aliás, foi num dos desfiles da Angélica Timas que conheci um agente/espião de uma agência em Nova Iorque. Ele deu-me o seu cartão de visita e, já na semana seguinte, tive um encontro com a agência com quem assinei um contrato por três anos. O meu primeiro casting e o meu primeiro trabalho foram para um evento internacional chamado Project Runway Season 15. Gravei por um mês e foi uma excelente experiência para mim. Logo depois fiz o Fashion Week New York e desfilei para algumas marcas, não tão renomadas. Mas eu sempre levo as coisas com calma porque acredito que há tempo para tudo. Além do mais, eu tomo tudo como uma experiência, sendo ela pequena ou grande. Resumindo, penso que o meu percurso tem sido bom. Eu vim do nada, sem nenhuma paixão pela moda. Como modelo também fiz algumas participações como figurante, como nas séries Quântico (Netflix), Billions, Succession e FBI (HBO).
Para que agência trabalhas neste momento? E para que marcas de referência já desfilaste?
De momento não estou em nenhuma, pois a que me agenciava acabou por fechar. Algumas agências me procuraram depois disso, mas ainda não decidi com qual quero me firmar. Por enquanto, estou a tentar seguir um pouco sozinha. Desfilei por quatro vezes em quatro fashion’s weeks diferentes para Laquan Smith, um designer muito conhecido por vestir a Beyoncé, Cardi B e as Kardashians. Já trabalhei em campanhas paras as marcas Apple, Sally Beauty, Project Runway, Ted baker, Elephant Pants, Ane Amour, Makeup Forever, MAC Makeup, Shake and Go, Vetir Vert, Azeeza clothing, Adina’s Jewelry, Mordant, Kjaer Weis beauty Campaign, European Wax Center, The Standard Label, Aimiee Kesttenberg, Miola Bikini, etc. Fui capa da revista Picton Black e já estampei páginas da Miss Ebene, Revista Man Repeller, 7Hues, The Doe, entre outras.
Como te sentes com o sucesso alcançado tendo em conta que começaste um pouco tarde, se comparada com outras modelos?
A maioria das agências optam por modelos de 13 a 16 anos para poderem treiná-las em tudo. Contudo, quando emigrei para os EUA tinha 19 anos e só fui descoberta entre os 21 e 22 anos. Para o universo da passarela era sim um pouco tarde, apesar de que eu penso que nunca é tarde para nada nessa vida. Mesmo iniciando aos 21 anos, acho que consegui integrar-me muito bem. Não posso dizer que enfrentei muitos problemas, e sim pequenos obstáculos, porque aqui em Nova Iorque é muito mais difícil seguir esta carreira. Não sou tão alta, acharam que eu deveria perder um pouco de peso e precisava adaptar o meu corpo ao padrão dos modelos nova-iorquinos.
Foste classificada como a melhor modelo feminino do Boston Awards. O que significou para ti esse prémio?
Derramei lágrimas de felicidade, porque fui reconhecida em Boston, pelo povo que me acolheu quando cheguei nos Estados Unidos. Foi em Boston que comecei a carreira de modelo. Este reconhecimento deu-me ainda mais força para continuar na batalha e seguir os meus sonhos.
Participastes em vários concursos como Miss Eco Queen 2016, por exemplo. No ano passado concorreu ao lado de dezenas de modelos internacionais ao Maxin Cover Girl 2020. Chegar ao top 8 de um concurso como aquele é praticamente ganhar.
Entre 5500 modelos consegui chegar no top 8. Eu me considero uma vencedora por ter entrado no concurso e por ter chegado aonde eu cheguei. Principalmente porque tratava-se de um concurso que dava possibilidade das pessoas pagarem para votar, a única questão com a qual eu não concordava, pois para mim foi uma situação que acabou prejudicando alguns concorrentes. Mas eu senti que o meu povo estava comigo.
O que esses concursos internacionais da moda representam para um pequeno país como Cabo Verde?
Participar em eventos e concursos internacionais podem abrir portas para muitas meninas que querem seguir este ramo, pois conhecendo os modelos cabo-verdianos as agências de moda podem sentir-se motivados em procurar no nosso país, novos talentos para a modelagem. Temos alguns modelos cabo-verdianos que já atingiram um patamar muito grande e que servem tanto de inspiração para outros jovens, mas também ser um estimulante aos espiões. Mas, mais do que tudo, é muito importante para Cabo Verde ter seus filhos elevando o seu nome além-fronteiras.
Hoje modelo de referência internacional, Tirzah começou a ganhar notoriedade como desportista…
Praticava voleibol, basquetebol e também futebol. As equipas para as quais eu jogava venceram várias competições no Sal e chegamos a representar a nossa ilha em campeonatos nacionais. Comecei com 12 ou 13 anos no futebol, jogando para a equipa do meu tio, Paulo Évora. Depois passei para outras modalidades como voleibol e basquetebol. Eu amava o desporto e ainda amo. O desporto contribuiu muito para a minha maturidade e fez despertar em mim essa força de vontade de lutar sempre, porque a vitória e o sucesso não vêm do nada. Ajudou-me também a recuperar a autoestima, que tinha perdido durante a adolescência.
De uma certa forma o desporto deu-te um empurrãozinho para o mundo da moda.
É verdade. Juntamente com outros jovens atletas, vim tentar uma bolsa de estudos e integrar uma equipa universitária como basquetebolista. Foi uma aventura única. Já tinha conquistado a coroa de Miss Cabo Verde 2011 e, portanto, já me sentia mais confiante para estar longe da minha família e lutar por algo que eu queria. No início foi cansativo porque viajávamos muito de carro, visitando diversas universidades. Ao mesmo tempo que tínhamos que estudar muito para conseguirmos um bom aproveitamento nos testes de inglês, precisávamos treinar para passar nos testes físicos de basquetebol. Já tinha estado em Portugal e Espanha na semana cultural de Cabo Verde, enquanto Miss Cabo Verde, mas aqui nos Estados Unidos senti algo diferente assim que cheguei. Seis meses depois, já sabia que este era o lugar onde eu queria estar para dar rumo à minha vida. Avisei então aos meus pais que, independentemente dos resultados dos testes, estava decidida em cá viver.
Recentemente deu um depoimento emocionante nas redes sociais sobre bulling e como lidou com isso na adolescência. Foi essa fase que te fortaleceu para seres a Tirzah de hoje, confiante e segura.
Hoje sou, exatamente essas duas palavras: confiante e segura. A pessoa que eu sou é por causa de tudo que eu enfrentei quando frequentava o liceu. Sofri muito bulling ao ponto de muitas vezes, querer desistir de continuar neste mundo. Apesar de tudo, hoje sinto que sou uma pessoa muito forte. É muito difícil alguém conseguir tirar-me dou meu “confort zone”. Os julgamentos de outras pessoas já não me afetam. Fui quebrada várias vezes, mas juntei as peças todas. Eu me concertei inúmeras vezes. Me vestia como um rapaz, porque os outros me diziam que eu não era perfeita. Passei a buscar a perfeição e essa busca afetou-me ainda mais. Eu me entreguei de cabeça ao mundo desportivo por causa de bulling que eu sofria. Passei a dedicar-me completamente ao desporto, e percebi então que posso ser o que eu quero, que eu tenho que gostar de mim mesma, que tenho de encontrar a minha felicidade própria e que não devemos viver para agradar. Passei a acreditar mais em mim mesma. O bulling está muito presente na nossa sociedade e muitas crianças e adolescentes não tiveram ou não têm a mesma sorte que eu, de ter em casa alguém para desabafar, como irmãos mais velhos, ou até mesmo os pais para os orientar. O bulling pode provocar graves problemas emocionais, como a depressão. Sempre que vou a Cabo Verde dou palestras nas escolas sobre esse tema, porque eu acredito que muitos jovens sofrem em silêncio. Por isso, peço aos pais que sejam melhores amigos de seus filhos, que fiquem mais atentos às mudanças de comportamento, que falem com os filhos e que deem abertura para que eles também tomem a iniciativa de conversar.
São essas histórias, de bulling, de seu percurso no desporto e na moda que vamos encontrar no livro que preparas para lançar?
Sim. No meu livro, que vai se chamar “Tirzah”, quero contar a minha luta, todos os desafios que venci e os obstáculos que enfrentei. Acredito que o livro abrirá os olhos de muitos que ainda se escondem por causa do que os outros pensam. Quero mostrar o quão é importante estar e ser positivo na vida e sentir a energia do nosso universo. Será uma autobiografia, uma história contada em primeira pessoa.
E quando teremos a obra pronta no mercado?
Já estou a trabalhar para isso, mas não quero ainda avançar datas para o seu lançamento. Vivemos um momento difícil, por isso não dá para prever.
Acabou de lançar no mercado a revista Kriolada. É uma revista sobre beleza cabo-verdiana?
Há muito que tenho esse sonho. Após a minha participação na competição da Maxim senti que sim, era a hora certa de criar a minha própria revista. “Kriolada” tem como foco o nosso Cabo Verde, é um tributo ao nosso país, é sobre a cabo-verdianidade. Quero com esta revista promover a união entre as ilhas, estreitar a ligação entre os emigrantes espalhados pelo mundo, bem como entre pessoas de outras raízes que, de uma certa forma, têm uma conexão com o nosso país. A primeira edição foi baseada em padrões e diversidades da beleza cabo-verdiana, enquanto a segunda que está prestes a ser colocada nas bancas terá como foco o abraçar das nossas raízes. A primeira capa da Kriolada foi estampada por 23 crioulas de padrões e idades diferentes. Recebi inúmeras mensagens de agradecimento por ajudá-las na elevação da autoestima e acreditar em si mesmas. É essa experiência que eu quero proporcionar na minha revista. Ela quer abrir espaços aos cabo-verdianos que nunca estamparam revistas, criar oportunidades e experiências únicas. Trata-se de uma revista online e com periodicidade trimestral. Este ano vamos lançar quatro edições. A primeira foi apresentada em fevereiro e a segundo será em junho.
E por falar em beleza, como descreves a beleza crioula?
A beleza crioula me surpreende a cada dia. Ela é única e ao mesmo tempo diversificada. Essa particularidade que advém da miscigenação. Palavras não são suficientes para descrever a nossa diversidade.
E como descreves a mulher cabo-verdiana?
Forte, terra a terra, lutadora, inspiradora. Ninguém nos pode parar. Nós lutamos até ao fim, sempre.
Como tens lidado com a pandemia?
Está a ser um momento difícil para todos nós. A pandemia afetou e tem afetado muito a minha profissão. Aos poucos a moda está a retomar o seu lugar, mas continua muito fraco. Contudo, sou da opinião que crises como este que estamos a viver, podem ser uma oportunidade para refletirmos e definirmos novas metas. É um momento ideal para recomeçarmos, para retomarmos algo que tínhamos deixado ao meio. Eu tenho usado o tempo livre para focar nos meus objetivos. Inclusive, lancei a minha revista porque aproveitei a quarentena para deitar mão aos meus sonhos. Estou sempre a trabalhar, mesmo que seja noutros ramos. A energia nunca me falta.
Há bocado apontastes algumas participações tuas em séries de TV na Netflix e HBO. Pensas também seguir a carreira de atriz?
Sim é um grande sonho meu. Os meus planos para o futuro é ser atriz e estou a preparar-me para isso. Passei pelas experiências de participar como figurante em quatro séries e gostei imensamente. Aliás eu sempre gostei de atuação. Participava em algumas apresentações na Igreja Nazarena aonde eu também atuava nas peças de teatro da escola. Os meus colegas sempre me diziam que eu levo muito jeito. Quero sair desse registo de atuar apenas como figurante e passar a ter papéis mais marcantes. Neste momento, estou a fazer um curso de atuação e tenho aprendido muito sobre a arte de representação. Penso que estou no lugar certo para fazer com que este sonho se concretize. Eu sei que é muito exigente, que não vai ser fácil, mas estou a trabalhar muito para que isso aconteça. Contudo, não vou mudar de carreira para já, nem penso em desistir. Só vou juntar o útil ao agradável, que é ser modelo e atriz. Esta a minha meta profissional neste momento. O meu foco é lutar ao máximo para chegar às grandes telas. Mas não sou uma pessoa gananciosa, dou um passo de cada vez. Sei que degrau por degrau eu chego lá.
Sei que também tens alguns projetos sociais em mente? Quais são e como pretendes desenvolvê-los?
O meu grande sonho é abrir um lar para idosos em Cabo Verde e uma escola para crianças especiais. Um dia vou conseguir. Tenho muita fé.
Que mensagem aos jovens cabo-verdianos que sonham seguir o mundo da moda?
Primeiramente, que é fundamental gostar daquilo que fazem, porque não é fácil. Muitos pensam que ser modelo resume-se sessões de fotos ou em desfiles. Muitas coisas acontecem antes de se chegar a uma foto perfeita ou a uma passarela. Exige muito esforço físico e mental. O meu conselho é que lutem pelos seus sonhos, que acreditem que em si mesmos e que sintam que são invencíveis.
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