Há uma coisa que me irrita bastante e me perturba, cada vez que vejo o Telejornal, principalmente na RTC: os pedidos de apoio. Essa atitude pedinchona está de tal modo impregnada na mentalidade do Cabo-verdiano, que se tornou moda (como dizemos no interior de Santiago, “dja bira kontu nobu”).
Senão vejamos: um jornalista contacta uma associação qualquer, como forma de ajudá-la na sua divulgação, o líder associativo começa a falar muito bem, fala dos objetivos que nortearam a sua criação, os desígnios a que propõe, quantos membros tem, tudo muito bem… mas para rematar, sai com essa: “nu ka dadu ninhun apoiu!”
Da mesma forma, fala com um artista, ele fala do seu trabalho, da sua vida, o que faz, muito bonitinho, no fim diz, “ti oxi n ka dadu ninhun apoiu.”
Visita um empresário, esta lá no seu gabinete, todo arrojado fala dos seus produtos que quer vender ao páblico, dos seus projectos dos seus anseios… a dada altura atira esta: “nu ten falta di apoiu, ningen ka ta apoianu”.
Alguém visita uma escola, fala com os professores, lamentam, choramingam, falam da falta de materiais escolares, dos alunos que não estudam, das salas mal equipadas, das horas de trabalho a mais, da inoperância do sistema, do descaso da(o) ministra(o) e no final rematam: “nu ka sta dadu ninhun apoiu”.
Vá-se ao diretor desta mesma escola, ele aponta as dificuldades financeiras, as necessidades que têm, a falta de colaboração dos professores, dos colaboradores… inadvertidamente, fala dos materiais oferecidos, dos projetos em carteira, mas não termina sem deixar esta: “nos maior problema é falta di apoiu”.
Tenta-se falar com os alunos; eles apontam muitos problemas, tais como falta de condições para os estudos, materiais inadequados, problemas de direção, e outras coisas mais e no final rematam, “nu meste apoiu”.
Nos tempos de campanha, isto é mais sintomático; sempre que aparece um político ou um grupo deles, parece que as pessoas se deliciam com isso, e começam com um rosário de lamúrias: “nu ka dadu ninhun apoiu” ; “ti oxi n ka dadu nada”;” mi n ka atxa nada; si n ka dadu ninhun apoiu, n ka ta vota”.
Muitas vezes, estas mesmas pessoas que se queixam e lamentam, quando interpeladas a respeito do apoio que precisam, nem sabem enumerar.
Isto é preocupante de ponto de vista moral, sociológico e psicológico. Como já dizia alguém, sobre uma análise a respeito de compra de votos em campanha, esta mentalidade terá reflexos negativos a nível económico e financeiro do país a longo prazo.
Parece que não se esta a preocupar-se com isso mas isso é gravíssimo. Claro que excluo aqui aqueles que realmente precisam e que na maioria das vezes não reclamam. A minha indignação vai de forma especial para as pessoas com força, juventude e disponibilidade de tempo que deixam de lado a sua capacidade de empreender para se tornarem escravos de lamúria, choradeiras, lamentações e preguicite.
Queria ilustrar a reflexão de hoje com um caso concreto, que passo a citar:
Em meados de 2002, a Câmara de São Miguel, no âmbito do Programa Nacional de Luta Contra Pobreza, foi convidada para um encontro de avaliação a meio-percurso com consultores vindos da Itália (FIDA); dado à boa performance do programa no nosso Concelho, em especial a nível do microcrédito, sugeriram que levássemos alguns beneficiários para dar testemunho dos ganhos como exemplos do bom sucesso do programa. Levamos 3 (três) pessoas escolhidas pelas nossas ONG’s locais, de áreas diferentes. Foram lhes explicadas o que iam fazer, que iam dar testemunhos do sucesso do seu projecto, benefícios, ganhos concretos e mudanças operadas em relação ao nível de vida, etc.
Uma das beneficiárias foi falar, a pedido dos organizadores. Demonstrou o quanto estava feliz, que começou debaixo, mas estava se sentindo segura, etc. mas, durante o discurso, que parecia muito bem, ela se empolgou e mudou de tom e atirou esta: “Mas o que mais me trouxe aqui hoje, é porque preciso de apoio. Tenho a minha mãe acamada, sou solteira, tenho filhos para criar, quero que me dêem algum apoio”.
As pessoas, inclusive os financiadores, ficaram confusas, queriam entender o que se passava, alguém que se servia de intérprete ia tentando explicar… eu senti envergonhada.
No caminho de regresso, perguntei-lhe: “qual a razão disto? Achas que uma pessoa tão bem vestida como estas, com um fio de ouro que deve custar mais que 70,000$00, consegue sensibilizar alguém para dar apoio?”
Ao que ela respondeu, “o fio não é meu, pedi emprestado para não vir com o pescoço limpo!”
Fiquei a matutar nisso e cheguei à seguinte conclusão: as pessoas querem se dar bem, querem passar imagem de bem-estar, mas ao mesmo tempo, querem manter a atitude de “coitado” para poderem atingir determinados fins, e nada melhor do que, pedir apoio.
Enfurece-me ainda muito mais quando tentam incutir nas crianças que pedinchar, lamuriar é uma boa via de sobrevivência. E fazem-no de tal forma bem estruturada, que os petizes começam desde logo a aprender a arte de dissimular a miséria e tentar ludibriar as pessoas. Até nas coisas mais simples. Tens rebuçados a distribuir, normalmente os miúdos tomam, escondem e vem solicitar de novo, como se não haviam recebido; oferece-se materiais escolares, os que já haviam comprado escondem, para poder receber, porque de borla é para se tomar.
No início do ano lectivo findo, meu filho que estuda 3ª classe chegou à casa e disse que foram distribuir os materiais escolares mas que ele disse que já tinha (eu aconselhei-o mesmo a não aceitar, caso fosse oferecido, porque já tinha). Contou-me que os colegas disseram que ele era burro porque tinha levado os dele para escola, assim ele não ia receber. Perguntei-lhe o que ele respondeu, ele disse: “N flas ma mi é ka karensiadu”.
Não imaginem a alegria que eu senti. Sei que este sentimento dele é forte, mas até quando meu filho vai mantê-lo? Até quando vai aguentar a pressão de uma sociedade que quer passar a imagem de que ser esperto é malandrice? Ser inteligente é fazer burla?
Isso é simplesmente miserável e não ajuda em nada. E o pior é que nós todos nos compactuamos com esta situação, se não de uma forma ativa, pelo menos passivamente com a nossa indiferença.
A questão que se coloca é essa: quando as pessoas que dizem “ti oxi n ka dadu nada” se queixam, é bom perguntar-lhes: o que elas fizeram? Qual o contributo que dão? Que papel desempenham na sociedade onde estão inseridas? Qual o lugar que ocupam? O que fazem?
É tempo de as pessoas se consciencializarem e perceberem que só se recebe, dando; que todos somos chamados a dar o nosso contributo; que todos temos contas a prestar, caso dermos mau balanço, temos que pagar por isso.
E enquanto isso não acontecer, vamos pedindo “apoios” para que se mude consciência, pois senão, como dizia a minha avó, “nu ta fika tudu ku kalman na mo”, pois, “djongotodu ka ta poi na ragas”.
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