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À Procura das raízes. Diário de uma afrodescendente brasileira nas terras Africanas
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À Procura das raízes. Diário de uma afrodescendente brasileira nas terras Africanas

Ao longo destes anos que desenvolvo pesquisa com as rabidantes cabo-verdianas, tenho procurado analisar os principais destinos de compra, espaços de negociação e produtos adquiridos.

Mais recentemente intenciono perceber como se dão as dinâmicas de comercialização nos demais países africanos, particularmente, Senegal. De acordo com dados da TACV (2015), a empresa aérea que controla cerca de 38% das rotas internacionais do país, o Senegal constitui um dos principais destinos dos cabo-verdianos.

Os Estados Unidos estão em primeiro lugar com 12%, e em segundo, Portugal e Senegal, com 9%. Existem outras empresas que operam em Cabo Verde, e que ligam os dois países, como por exemplo, a Air Senegal que no ano passado substituiu a Senegal Air Lines.

Senegal se destaca por ser um dos países da costa ocidental africana com maior pulsão comercial, tal comercialização ocorre em ruas, feiras e mercados. Além da proximidade, os voos duram entre 45 minutos e 1 hora 15 minutos, e ocorrem a cada dois dias. O valor das passagens é relativamente baixo e não exige visto.

Vale ressaltar que lá o comércio é marcadamente masculino, os homens estão nas ruas, além da forte presença de libaneses. Dentre os principais locais de compra existentes em Dakar, capital do país, é possível destacar o Mercado de Sandaga, localizado na região do Platô, e o Colobane, que fica em Medina. Tem também o Mercado de Kermel, o mercado dos toobabs, ou mercado dos brancos, mais voltado para os turistas.

O Sandaga, a priori voltado para a venda de géneros alimentícios, foi construído entre os anos de 1933 e 1935, como espaço de comercialização dos nativos. Ao longo dos anos toda a região envolta do mercado foi ocupada por lojas, onde é possível localizar inúmeros produtos, mas sobretudo roupas e artigos electrónicos.

Na realidade, toda a área que compõe o Sandaga é dividida por sectores - roupas, tecidos, electrónicos, jóias - artigos em prata, e uma secção voltada para a venda de carne, galinhas, frutas e verduras. Além disso também existem várias galerias onde é possível encontrar uma infinidade de lojas.

O Colobane, de acordo com Joana Grabiski (2014), foi criado nos anos de 1930, como um mercado de bairro, mas ao longo dos anos foi crescendo e actualmente se destaca pela diversidade de produtos ali existente. É muito comum as pessoas falarem que no Colobane se encontra de tudo. O espaço se destaca pela venda de roupas usadas e sapatos. Aqui também, nas palavras de muitas rabidantes, é possível localizar produtos mais baratos do que no Sandaga, embora eu tenha localizado algumas narrativas difusas quanto ao local, como por exemplo, que é perigoso e que é preciso ter cuidado e cautela quanto a circulação no espaço.

No decorrer da pesquisa, eu pude perceber que existe uma logística para receber essas mulheres no Senegal, desde o taxista que pegam no aeroporto, a casa onde ficam hospedadas, os guias ou correctores que as acompanham pelos principais locais de compras, e até mesmo uma pessoa que ajuda a carregar as sacolas.

No Brasil, no início de 2001, a TACV montava toda uma estrutura que possibilitasse a circulação destas comerciantes pela capital cearence, com algumas orientações que necessitavam, tais como: roteiro dos locais para compra, hospedagem e alimentação; troca de Dólar por Real; e viagens aos municípios próximos.

No entanto, no Senegal, essa função tem sido desempenhada por uma família de cabo-verdianos que reside no país há mais de 15 anos.

A partir dos relatos de uma comerciante que entrevistei em Cabo Verde, tomei conhecimento do contacto desta família, então fui seguindo a rota dessas mulheres e fiquei nesta casa. Quando cheguei no aeroporto de Dakar, o taxista já estava à minha espera, e ao longo do trajecto ele falava comigo em crioulo, assim perguntei: há quantos anos você mora aqui? Ele respondeu que era senegalês, mas que havia aprendido crioulo ao longo dos 20 anos de trabalho com as rabidantes.

O mesmo ocorreu com o senhor que ajudava a carregar as sacolas no Mercado de Sandaga, e que nos acompanhava por algumas lojas.

Vale ressaltar que essas mulheres não falam francês, e nem wolof, então se torna importante a existência de pessoas que possam auxiliá-las em meios às compras. Também percebi que nas lojas alguns comerciantes conseguiam falar um pouco de crioulo.

A casa está localizada em Medina, lugar estratégico, pois fica muito próximo dos dois principais locais de comercialização, e possui 9 quartos. Eles não recebem apenas rabidantes, mas estudantes, pessoas que precisam tirar o visto para França e Reino Unido, e outras que vão para tratamento médico.

A depender do período a casa recebe entre 20 e 30 pessoas, e mesmo aqueles que não vão ao país para comprar, sempre compram. Quem viaja, volta carregado, dizem. Ou seja, a possibilidade de sair das ilhas também constitui uma oportunidade de adquirir produtos, mesmo que não seja para revenda e sim para uso próprio ou de familiares.

Quem está à frente deste estabelecimento é uma jovem de 35 anos. Na realidade, foi a mãe dela, rabidante que sempre viajava para o Senegal, que ao se casar com um senegalês passou a residir no país e assim abriu um espaço para receber as comerciantes. Quando a mãe faleceu, há mais ou menos dois anos, ela que também era rabidante, teve que assumir o controle da casa. Ela, juntamente com a irmã, filha e sobrinhas, estão à frente da organização e limpeza da casa, além do preparo das refeições. O marido e o irmão, assumem a função de guias ou mesmo correctores, acompanhando as comerciantes pelos principais pontos de compras, em geral, negociando os preços e auxiliando na comunicação. 

Pude perceber que o cotidiano de compras em Dakar, assim como no Brasil, é bastante cansativo. As rabidantes ficam entre 3 e 4 dias no país numa intensa rotina de compras e visitas às lojas, que inicia logo pela manhã e vai até o final do dia.

Acompanhei uma comerciante que havia levado o filho com menos de um ano, e na correria do dia-a-dia tinha que deixá-lo aos cuidados da dona da casa, nestes casos era cobrada uma taxa.

Existe uma reclamação geral quanto ao desembarque em Cabo Verde, sobretudo, no tocante à cobrança de taxas na alfândega, bem como sobre os valores que são cobrados no aeroporto de Dakar.

No entanto, a despeito das críticas, para muitas comerciantes o Senegal ainda constitui um importante espaço de comercialização, especialmente, pelos preços dos produtos.

Tatiana Reis, doutora em História, professora na Universidade Estadual do Maranhão no Brasil, e atualmente pós-doutoranda na Universidade de Cabo Verde, partilha connosco, através de relatos de sua pesquisa de campo no área da história e antropologia, deixando-nos perceber o seu olhar de afrodescendente brasileira, sobre as histórias e as trajectórias de mulheres cabo-verdianas.

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SOBRE O AUTOR

Redação