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Novo ano letivo: entre greves e manifestações de professores
Editorial

Novo ano letivo: entre greves e manifestações de professores

...só mudando de postura se consegue conferir dignidade à classe docente, cativar os melhores e elevar a qualidade do nosso ensino. Como impedir que, todos os anos, professores continuem a abandonar as salas de aulas? Não podemos pretender fazer tudo igual e almejar resultados diferentes. Para o governo, negociar é uma chatice! Como seria maravilhoso não ter sindicatos, não ter protestos e não ter direitos laborais! Porém, os professores não podem ser descartáveis. E nem descartados. A bola está lá pelos lados da Várzea. Será que iremos conseguir sair dessa?

Um Estado que não consegue proteger o setor da educação é um Estado em risco de colapso. Cabo Verde não pode correr este risco. Há que haver prioridades na concepção e definição de políticas públicas onde a educação, a saúde e a segurança alimentar estarão na linha de frente.

Este ano letivo entrou com o pé esquerdo. Na esteira do que aconteceu no ano passado, com as confusões e os constrangimentos provocados aos alunos finalistas do liceu, que pretendiam prosseguir com os seus estudos, e que viram as suas notas congeladas. Entre os dois dias de greve de professores, que marcaram o início das aulas, e a manifestação programada para o dia internacional dos professores (5 de outubro), o ano letivo que ora inicia, não traz bons presságios.

A classe docente vem travando uma luta pelo respeito à sua dignidade, que passa pela resolução de pendências, de há muito enunciadas. Ela conta com o apoio vigoroso e inequívoco dos três sindicatos da classe, bem como da UNTC-CS. Esta luta também é amparada pelos alunos, encarregados de educação e a sociedade civil em geral, tendo em conta a justeza das reivindicações, que vem gerando empatia e solidariedade.

Os professores, escaldados e descrentes com sucessivas promessas não cumpridas por parte do governo, adotam a atitude de São Tomé: ver para crer. E não é para menos, tendo em conta o histórico em relação à classe, bem como a longa folha de incumprimentos que só tem aumentado, desde 2016, o suficiente para desmanchar qualquer clima de confiança que os professores e os sindicatos se esforçam por costurar. E quando uma pessoa ou instituição está desacreditada, e não há confiança, sabemos o que acontece, e qual o clima que prevalece! A lista de reclamações é extensa. Quando a tutela chuta sistematicamente a resolução de qualquer problema para os 45 minutos de jogo da segunda parte, suspeita-se da bondade dessa intenção. Não estará de boa-fé e genuinamente interessada no sucesso das negociações. De cada vez, e todas as vezes, o governo reitera, com mais ou menos sofismo, que já resolveu todas as pendências. O último exemplo é o caso do Plano de Cargos, Funções e Remunerações (PCFR).

Só que, entre os professores, destinatários últimos desses benefícios, as queixas se mantêm e se avolumam. Insatisfeitos, seguem firmes com as suas reivindicações, e as previstas manifestações. É uma conta que não fecha. Parece que algo está errado. Comprova-se que a tradição de promessas não honradas não é de molde a dar o benefício da dúvida ao governo. Basta ver os 45 mil novos empregos condignos, o crescimento robusto de dois dígitos, o desemprego de um dígito, os aeroportos da Brava e de Santo Antão, a autoestrada Praia-Tarrafal, um novo Hospital para a Praia, sem falar na promessa de resolver em definitivo o problema da insegurança. Enfim, Ulisses Correia e Silva tinha solução para tudo, como se conclamava nos cartazes de campanha. O certo é que não se conseguiu cumprir nenhuma meta anunciada. E os professores, calejados, tal como todos nós, têm igualmente na memória, a confissão franca do ungido primeiro ministro, de que uma coisa é conversa de campanha, e outra coisa, bem diferente, é cumprir o prometido. Convenhamos que, numa ronda de negociações, este (mau) costume do governo não abona a seu favor, obviamente.

Os professores lutam pelos seus legítimos direitos e apenas reclamam igual dignidade e tratamento. Nem mais. Nem menos. No que diz respeito aos alegados custos financeiros (apenas uma parte das reivindicações), que o governo cita como sendo elevado e impossível de cumprir, tal argumento cai por terra, senão vejamos: não foi o próprio ministro das Finanças – aquele que tem a chave do cofre – a garantir que tem dinheiro que nunca mais acaba? E na prática, parece que é verdade. Como explicar os salários nababescos recentemente concedidos aos amigos do Banco de Cabo Verde? Para o pessoal das Finanças/Alfândegas, também o que se vê são as mãos largas de Olavo Correia. Dia sim, dia não, Ulisses Correia e Silva organiza cimeiras e conferências internacionais, no país e no estrangeiro, que consomem avultados recursos, sem que ninguém veja os benefícios, servindo apenas para afagar o ego megalómano de alguns nativos. Nenhum compromisso entre o que se alega e o que se pratica. A postura evidencia que o governo, efetivamente, anda a nadar em dinheiro. A promessa era de um executivo que não ia ultrapassar uma dúzia de elementos. A realidade é bem diferente, com uma turma gorda, que ronda as três dezenas de indivíduos.

Agora, a pergunta que não se quer calar: porquê a discriminação e a escolha dos professores como burros de carga? Será que a intenção é empurrar os nossos docentes para a pobreza e para a indigência? Porquê as intimidações e as represálias? Porquê as transferências abusivas? Porquê o levantamento de processos disciplinares a cerca de 250 professores, na sequência do congelamento de notas dos alunos ocorrido no último ano letivo? O governo pretende, genuinamente, fortalecer o nosso sistema educativo?

É de louvar o facto de, apesar dos pesares, os professores permanecerem, a todo o tempo, disponíveis para o diálogo e a negociação. Insatisfeitos, é certo. Porém, a continuar a intransigência do governo, e como já mencionado, mantêm a manifestação prevista para o dia 5 de outubro, o congelamento das notas no final do trimestre, ou mesmo até ao final do ano, dependendo de como evoluírem as negociações, que se deseja, venham a decorrer a contento de ambas as partes.

Lamentavelmente, da parte do governo, não tem havido nem eficiência, nem eficácia. Até poderia ser eficaz, sem ser eficiente, mas não tem conseguido. O ministro da Educação defende que foram realizadas mais de dez reuniões com os sindicatos. Para o primeiro ministro, foram mais de quinze encontros. Bem que podiam entrar em consenso, nesta contabilidade. De qualquer forma, e independentemente da estimativa de um ou de outro, o resultado é pífio, para não dizer nulo. Outro exemplo, e a despeito dos avultados investimentos feitos na segurança, não se vê nenhum efeito positivo. Da mesma forma, o governo obeso, não entrega, necessariamente, grandes resultados, muito pelo contrário. Pois é, algo de errado não está muito certo!

Em conclusão, só mudando de postura se consegue conferir dignidade à classe docente, cativar os melhores e elevar a qualidade do nosso ensino. Como impedir que, todos os anos, professores continuem a abandonar as salas de aulas? Não podemos pretender fazer tudo igual e almejar resultados diferentes. Para o governo, negociar é uma chatice! Como seria maravilhoso não ter sindicatos, não ter protestos e não ter direitos laborais! Porém, os professores não podem ser descartáveis. E nem descartados. A bola está lá pelos lados da Várzea.  Será que iremos conseguir sair dessa?

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