
Wladimir Brito, considerado um dos pais da Constituição de Cabo Verde, considera uma "nódoa" no sistema judicial cabo-verdiano a condenação de Amadeu Oliveira a sete anos de prisão por atentado ao estado de Direito Democrático. Em entrevista ao programa Ventos de Mudança, da RCV, do jornalista Carlos Santos, o constitucionalista classificou a atuação do sistema judicial neste processo como uma falha, "que deve ser resolvida", apontando para aquilo que considera uma perigosa deriva institucional.
Brito foi particularmente duro ao abordar o acórdão do Tribunal Constitucional que validou a condenação de Amadeu Oliveira. Na sua leitura, o TC criou uma espécie de “costume constitucional” inexistente e contrário ao texto da Lei Fundamental — algo que, para o académico, seria inadmissível num Estado de direito democrático.
“Veja o que fez o Tribunal Constitucional ao inventar a teoria do costume. Há aqui uma falha completa das instituições que cheira mais a vingança judicial do que a justiça democrática”, afirmou.
A crítica incide sobre a interpretação usada para justificar a não necessidade de autorização prévia da Assembleia Nacional para a prisão preventiva de um deputado em exercício, um ponto que tem sido contestado por vários constitucionalistas e que levou o Parlamento a anunciar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar responsabilidades institucionais.
Para Wladimir Brito, o caso não é apenas jurídico: é político, institucional e, sobretudo, simbólico. “O caso Amadeu Oliveira deu o nome a uma crise institucional”, disse, alertando para o impacto que este precedente pode ter na perceção pública da justiça e do Parlamento.
“O país deixa de acreditar na Justiça, no Parlamento, que comete ilegalidades”, afirmou o constitucionalista, que critica tanto o sistema judicial como a inação ou omissões do poder legislativo no processo que levou à condenação do então deputado.
As suas palavras ecoam num momento em que a separação de poderes tem estado no centro de várias controvérsias, com a Procuradoria-Geral da República, o Conselho Superior da Magistratura Judicial e a Assembleia Nacional a trocarem posições públicas sobre a criação da CPI, algo que Brito interpreta como sinal claro de um bloqueio institucional.
Outro ponto levantado por Wladimir Brito diz respeito à situação prisional de Amadeu Oliveira. O antigo deputado já cumpriu quatro anos de pena e, segundo o jurisconsulto, estaria em condições de beneficiar de liberdade condicional. No entanto, um novo processo-crime foi instaurado contra ele — circunstância que Brito considera estar longe de ser casual.
“Se reparar, Amadeu Oliveira tem quatro anos de prisão cumpridos, está em tempo de beneficiar de liberdade provisória, mas o que acontece? Aparece um outro processo crime contra ele. Não é por acaso que aparece agora”, observou.
As declarações alimentam a tese de que Amadeu Oliveira tem sido alvo de um tratamento judicial excepcional, motivado mais por tensões institucionais e pela personalidade controversa do próprio do que por imperativos legais estritos.
O caso continua a dividir juristas, políticos e opinião pública, e dificilmente sairá da agenda nacional nos próximos meses — sobretudo com a instalação prevista da CPI no Parlamento, que promete examinar a legalidade de todos os atos que conduziram à prisão e julgamento do então deputado.
Para Wladimir Brito, o essencial agora é restaurar a confiança nas instituições. “O caso sintetiza uma crise institucional grave que tem de ser resolvida”, concluiu, deixando no ar a ideia de que a solução passa por uma clarificação constitucional e por maior escrutínio público do funcionamento da Justiça.
"Não é aceitável que juízes do Constitucional continuem a exercer os seus poderes, perdendo sua legitimidade, porque acabou o prazo do seu mandato. E o PGR a exercer o poder acusando pessoas, mas estando com mandato expirado. Não é aceitável. Isto tem repercussão noutros órgãos de soberania. Tendo o mandato expirado a sua legitimidade acabou", criticou, apontando o dedo ao Parlamento que consegue eleger novos titulares nos cargos com mandato caducado.
"Isto é um abuso do Parlamento. É um jogo político. A sociedade está a acantonar os partidos políticos. Os partidos estão a iludir a própria democracia. São os partidos os responsáveis pela decadência da democracia", sublinhou.
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