Editorial. Um abraço à nossa diáspora
Editorial

Editorial. Um abraço à nossa diáspora

 A escassas horas de terminar o Estado de Emergência na Praia, capital e centro político e administrativo do país, justifica um rewind só para fazermos justiça aos (outros) heróis conhecidos e anónimos que, transpondo obstáculos criados pela Covid-19, mantiveram este nosso Cabo Verde de pé, vivo e pronto a retomar a vida laboral no ‘novo normal’.

Se a nível sanitário devemos tirar o chapéu à coragem, força de vontade e dedicação dos nossos profissionais de saúde que estiveram na linha da frente do combate ao novo coronavírus, essa devastadora pandemia que ainda afecta tantos países do mundo, somos também obrigados a reconhecer que as autoridades públicas, ainda que aos solavancos, tiveram um importante papel na adopção de medidas restritivas adequadas a cada fase.

Mas vénia maior, aplausos e agradecimentos vão para os nossos emigrantes, os filhos pródigos destas ilhas, que mesmo enfrentando layoffs, despedimentos e explorações várias nos países de acolhimento, e mantendo sempre Cabo Verde no coração, não pensaram duas vezes na hora de ajudar o arquipélago a sobreviver e ultrapassar uma crise que poderia ser trágica sem as suas remessas.

Efectivamente, em contraste com os dramas incontáveis que cada cabo-verdiano passou para ter comida à mesa – num país iminentemente informal, em que grande parte dos agregados familiares está condenada a sair às ruas para conseguir seu ganha-pão –, as respostas da sociedade civil organizada, vizinhos, grupos espontâneos e individualmente e sobretudo dos emigrantes foram velas acesas em sombrio horizonte. Luzes de esperança que ainda cintilam ante as vicissitudes de um país com sérias lacunas a nível da segurança social.

Ora bem, se houve quem esfregasse os olhos de tristeza, muitos, senão a maioria, esfregaram as mãos de contente, porque a diáspora cabo-verdiana disse presente, mesmo diante das intempéries causadas pelo novo coronavírus nos países onde labutam à chuva, ao sol e ao frio. Ainda não existem dados oficiais que nos permita quantificar, mas não será difícil imaginar que foram milhares de contos que os emigrantes enviaram para a terra ao longo destes dois meses de confinamento, seja em apoio monetário directo a familiares e amigos, seja por meio de ajuda a associações e grupos entretanto criados para acudir a sociedade.

Tem sido sempre assim, o posicionamento da diáspora cabo-verdiana. Foram as remessas que, ao lado da ajuda pública para o desenvolvimento, aguentaram o país no período logo após a independência em 1975.

Estudos comprovam que as remessas de emigrantes funcionam em contraciclo em relação às crises financeiras. Quando comparadas com fluxos de capitais privados, como são o Investimento Direto Estrangeiro (IDE) e o Investimento de Curto Prazo (ICP), as remessas de emigrantes revelam que são mais sustentáveis e têm maior regularidade. Dito de outro modo, em situações de crise, como a de 2008, observou-se que, enquanto os investimentos IDE e IPC foram reduzidos, ou até desapareceram, as remessas de emigrantes se fizeram ainda mais presentes.

É que a decisão do envio de remessas estará sempre assente em factores que se prendem com a importância das relações sociais, princípios de solidariedade e obrigações morais, do que de lógicas de custo-benefício, mais características de situações de investimento privado.

As remessas dos emigrantes têm acompanhado a história de Cabo Verde, representando um importante contributo para o PIB do país, situando em 12% nos dados mais recentes de 2019. É de notar que o dinheiro enviado pelos emigrantes vinha a verificar um aumento sistemático nos últimos anos, passando de 17 milhões de contos em 2016 para 19 milhões em 2017. Em 2019 atinge o valor de 21 milhões de contos.

Portugal, Estados Unidos, França e Holanda e Itália têm sido ao principais países de acolhimento no envio de remessas para Cabo Verde.

Com efeito, não fosse a solidariedade da nossa comunidade emigrada nestes dois meses de Estado de Emergência, o país poderia estar hoje de rastos do ponto de vista sócio-económico, por causa das decisões difíceis tomadas pelas instâncias políticas perante esta crise que apanhou a todos desprevenidos e impreparados, como é o caso de Cabo Verde. As enormes filas nos bancos, correios e instituições parabancárias confirmam isso mesmo: uns na esperança de encontrar depositados os seus 10 mil escudos de ajuda do Governo, outros certos da mão amiga da diáspora para não deixar o país padecer à fome, como uma mãe que segura a mão do filho.

O próprio primeiro-ministro chegou a reconhecer o papel dos nossos emigrantes em responder rapidamente ao apelo ao djunta-mó. Prova de que a solidariedade e a ajuda mútua não são meras exceções do comportamento humano mas, sim, uma forma consolidada de se ser um membro comprometido da sociedade.

Para muitos analistas, vai haver um antes e um depois da pandemia da COVID-19. Sendo assim, Cabo Verde terá de reflectir desde já sobre o depois, porque será necessário ou quase inevitável entrar durante algum tempo em modo de sobrevivência, pelo que a colaboração de todos será condição sine qua non para se poder agarrar nesta crise e transformá-la em oportunidades.

Ficou, enfim, evidente que sociedades coordenadas que revalorizem a colaboração, a solidariedade e o pluralismo nas iniciativas socioeconómicas constituem um dos principais caminhos para um futuro justo e sustentável.

Santiago Magazine rende pois homenagem à nossa décima primeira ilha, enviando um abraço de agradecimento a cada filho de Cabo Verde que labuta no estrangeiro, com o pensamento e o coração, fincado nas ilhas.

A Direção,

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