Intenso, apaixonado, electrizante. Cabo Verde caiu ante a África do Sul só nos penalties, após dominar três quartos de um jogo emotivo, rítmico, cutâneo, para encontrar o semi-finalista da CAN marfinense. Que pena!, mas há um país minúsculo, o meu Cabo Verde, que acreditou, vibrou quanto pôde e apoiou como nunca esta geração de tubarões com futuro. E isto, por si só, vale também um troféu.
Já sabe o resultado – Cabo Verde perdeu por 2-1 nos penalties –, portanto, começo esta crónica a destacar precisamente o suporte de cada cabo-verdiano à selecção que nos une. Nunca se vendeu tanta camisola, bandeira e símbolos de Cabo Verde e dos “Tubarões Azuis”, nunca esta Nação esteve tão crente e tão confiante nos rapazes que envergam com brio, patriotismo e amor a camisola cabo-verdiana. Nós – o 12º jogador – vivemos a mesma paixão, o mesmo amor por estas ilhas, o mesmo sofrer, a mesma vontade de ganhar. Um amor tão grande assim é suplemento vitamínico para o que virá, é Cabo Verde costurando a sua unicidade.
O jogo: a África do Sul (campeã de África em 1996) iniciou a partida em pressão alta, impedindo os jogadores cabo-verdianos de sairem a jogar com bola no pé. Até ao minuto 30’, quando houve paragem para os jogadores se refrescarem do intenso calor da Cota do Marfim, os Bafana Bafana estavam melhores, mas sem posse de bola. A equipa do seleccionador Bubista tinha posse, mas não tinha passe, perdendo bolas com extrema facilidade e displicência.
Nos quinze minutos antes do intervalo, o campo inclinou-se, os ‘Tubarões Azuis’ passaram a controlar a bola, dominar o centro do terreno de jogo e assumindo para si a partida, com situações de perigo frequentes. A segunda parte foi decalque dos 15 minutos finais do primeiro tempo, ou seja, Cabo Verde a guardar a e circular a bola e criando muitos perigos a jogar por dentro, já que as lateralizações se mostravam ineficazes. Garry Rodrigues por duas vezes esteve perto do golo, com o segundo lance, na cara do guarda-redes sul-africano, a desperdiçar o grito prenhe na garganta de todos nós.
O seleccionador Bubista terá entendido que manter Jovane em campo – importante a jogar sem bola, fechando o corredor esquerdo – e preterindo do capitão Ryan Mendes, seria terra boa para os avanços do hoje suplente Bebé, uma entrada desastrosa. O jogo ofensivo cabo-verdiano só melhorou na intensidade, pecando na pontaria dos remates, na temporização do jogo e no último passe. E Ryan Mendes não gostou, porém fez feio manifestando seu desagrado.
Nessa fase houve muito mais Cabo Verde a invadir o espaço defensivo dos sul-africanos, mas, dejá-vu, a bola insistentemente não queria saber da nossa vontade. Gilson Benchimol entrou bem, esteve muito mais activo no último terço do terreno de jogo, mas perdulário. No último lance do tempo regulamentar gritou-se o esperado golo, mas Benchimol, isolado, viu o guarda-redes sul-africano desviar seu remate que foi embater na barra. Quase, quase, lá!
No prolongamento, a África do Sul entrou forte, mas Vozinha fez duas brilhantes defesas consecutivas que valeram mais que tudo. Até à decisão pelas grandes penalidades, só deu Cabo Verde, mas Benchimol, tal como toda a selecção, estava em dia-não. Azar, dizem muitos e houve sim. Brio excessivo, ânsia de marcar, de ganhar por nós, amor maior por esta pátria lhe tolheram o discernimento, digo eu. Basta rever a imagem do jovem de Santa Catarina a penitenciar-se, batendo o punho na relva descontente consigo próprio, porque tal como todos os onze homens que representaram este país nestas quartas de final da CAN o desejo era colocar sorrisos nos rostos de cada crioulo.
A má sorte nossa se viu nos penalties, após o 0-0 também verificado no prolongamento. Cabo Verde perdeu quatro penalties, todos defendidos com categoria pelo guarda-redes da África do Sul. Vozinha ainda impediu um, mas mesmo com os Bafana Bafana também pouco eficazes na marca dos 11 metros (marcaram dois penalties, daí a s vitória por 2-1) não foi suficiente para garantir o inédito acesso de Cabo Verde numa meia-final da CAN.
Tudo jogado, Cabo Verde só pode sair da CAN de cabeça erguida, porque cai apenas na lotaria das grandes penalidades. Zero derrota em jogo corrido. E um milhão e meio de abraços que envolveram a todos. Os cabo-verdianos, no país e na diáspora, acreditam que a nossa vez chegará. Porque ama esta seleção, e um amor assim não decepciona. Espera a sua vez para brilhar.
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